Coragem para lutar, coragem para cobrar
Muita sede de Justiça e firmes pela Democracia - no Brasil, no Chile e onde mais as trevas fascistas ameaçaram ou ameacem as liberdades do povo
Em meio ao medo, fez-se a coragem. E da coragem nasceu a mudança. Há 44 anos, em plena ditadura militar, era promulgada no Brasil a Lei 6683, de 28 de agosto de 1979, a histórica Lei da Anistia. A partir dela, brasileiras e brasileiros que haviam sido exilados pelos generais usurpadores da República puderam retornar ao país. Foi feita (alguma) Justiça aos que foram presos, caíram na clandestinidade, perderam empregos, tiveram os direitos cassados por se oporem ao golpe. A Lei da Anistia foi a semente, feminina e feminista em sua essência, que fez germinar um novo momento para o Brasil e pelo qual não deixaremos de lutar um só instante.
Nossa vigilância e nossa coragem devem ser permanentes porque os inimigos das liberdades seguem ativos. Deixaram as sombras e ameaçam mais uma vez as nações livres do planeta, não só o Brasil. Golpeiam a democracia com as fake news e discursos de ódio que fermentam o fascismo. Quando eleitos, corroem sistemas democráticos por dentro, enfraquecem as instituições e sabotam as conquistas das sociedades civis. E, quando perdem nas urnas, usam violência e manipulação midiática para tentar usurpar mais uma vez o poder.
Por tudo isso, e pelo total desprezo que demonstraram pela vida humana durante a pandemia, os extremistas Bolsonaro e Trump estão sendo investigados no Brasil e nos EUA. Não é possível normalizar ou relativizar este extremismo político. Neste contexto, é obrigatório lembrarmos, também, do 11 de setembro de 1973.
Há 50 anos, massacrada por mentiras e discursos de ódio, a democracia chilena e o governo popular de Salvador Allende foram derrubados por golpistas militares, que impuseram ao país uma das ditaduras mais atrozes de que se tem notícia. Precisamos lembrar sempre, para que não se repitam os horrores que aconteceram no Estádio Nacional de Santiago, transformado em campo de morte pelos torturadores sanguinários de Pinochet. E precisamos cobrar sempre, até que a dor da perda se transforme, enfim, em Justiça e Reparação.
Foi também em nome de Justiça e de Reparação que, apenas dois anos após o golpe de Pinochet no Chile, começava no Brasil o movimento que resultaria, quatro anos depois, na Lei da Anistia. Apesar da “abertura lenta e gradual” de Geisel, torturadores como Brilhante Ustra (ídolo de Bolsonaro e de tantos em seu governo) ainda agiam livremente nos porões. Neste contexto perigoso, o Movimento Feminino Pela Anistia (MFPA) foi corajoso ao assumir a liderança da luta pelos direitos civis em 1975. “A anistia não cai do céu, é uma guerra política”, dizia sua líder, Therezinha Zerbini.
É mesmo uma guerra política permanente esta que as forças democráticas travam há décadas contra o obscurantismo. Em 1979, após uma enorme pressão popular pela anistia ampla, geral e irrestrita (que teve até hino extraoficial na voz de Elis Regina, a arrepiante “O Bêbado e a Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Banc), os militares enviaram um projeto de lei ao Congresso em que propunham uma anistia, nem ampla, nem geral, nem irrestrita, pois também se “autoanistiaram” das torturas, mortes, desaparecimentos, corrupção e crimes cometidos contra o Estado Democrático de Direito enquanto ocupavam o poder.
Ainda que limitada e complexa, a Lei da Anistia foi uma importante vitória da sociedade civil contra a ditadura, pois muitos lutadores pela democracia e direitos voltaram para o Brasil e outros saíram do cárcere. Até hoje, porém, desaparecidos políticos não foram localizados, nem mesmo seus corpos. A perversidade desta realidade ainda causa muita angústia aos familiares.
Avançamos, sim, com a Comissão Nacional da Verdade, que em seu relatório final apresentou uma lista com 377 violadores dos direitos humanos durante a ditadura, e recomendou a revisão do trecho da Lei da Anistia que estende o benefício a seus agentes. Recentemente, a Justiça Federal de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, condenou o ex-delegado do Dops no Espírito Santo, Cláudio Antônio Guerra, a sete anos de prisão em regime semiaberto por ocultação de cadáveres durante a ditadura militar. Mas ainda temos muitas contas a acertar com nosso passado golpista - e agora, após o processo que resultou no 8 de Janeiro, também com o presente. Nosso trabalho na CPMI é voltado justamente para identificar e punir os mandantes e financiadores dos atos antidemocráticos.
No Chile, onde Pinochet se agarrou ao poder até 1990, os militares transformaram o país num laboratório neoliberal, com terríveis consequências para a parcela mais vulnerável da população. Hoje, o país também se esforça para fazer Justiça às vítimas da ditadura. Há pouco mais de uma semana, sete militares foram condenados e presos pela morte bárbara do poeta e cantor popular Victor Jara, uma das milhares de vítimas do regime militar no Estádio do Chile. Um deles suicidou-se ao receber voz de prisão, talvez num dramático acerto de contas com os próprios fantasmas.
Nós seguimos, com a memória bem viva, muita sede de Justiça e firmes pela Democracia - no Brasil, no Chile e onde mais as trevas fascistas ameaçaram ou ameacem as liberdades do povo. Que sejamos, como diz o emocionante hino chileno, “o asilo contra a opressão”. Sempre com muito amor e coragem.
Pelo pleno funcionamento da Comissão Nacional de Anistia!
Pela reinstalação da comissão de familiares de desaparecidos políticos!
Por memória, verdade e Justiça!!
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