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    Denise Assis

    Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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    Coronel foge para não explicar por que o Exército compra Viagra do laboratório que inundou o país de cloroquina

    "Ao deixar deputados à espera de suas explicações, é possível que Anderson Berenguer tenha avaliado que deveria proteger a própria pele", escreve Denise Assis

    viagra-militares-Exército (Foto: ABr)

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    Por Denise Assis, para o 247

    O coronel Anderson Berenguer, diretor do laboratório químico farmacêutico do Exército, não apresentou motivo para negar o convite feito pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, conforme informa a Folha. Mas ao fazer forfait e deixar os deputados à espera de suas explicações, é possível que tenha avaliado que deveria proteger a própria pele. Ou a própria “imagem”, se preferirem.

     Chamado a participar de audiência pública ontem (01/06), o coronel fugiu de ter que debater parcerias para Desenvolvimento Produtivo (PDPs) em curso nos laboratórios públicos do país. Uma dessas PDPs, segundo alega o Exército, é a da transferência de tecnologia para a produção do citrato de sildenafila, (nome científico do Viagra), que incluiu a compra de milhões de comprimidos entre 2019 e 2022. Em carta aos deputados da comissão, Berenguer diz que declinou do "digno convite", e sugere que a Associação dos Laboratórios Oficiais do Brasil seja chamada a falar.  

    Jorge Solla, deputado federal do PT-BA, disse ao jornal que "Eles - Forças Armadas – contrataram a aquisição do Viagra como sendo de PDP, com o laboratório EMS. Com isso, fizeram uma compra de Viagra sem licitação. “Nossa suspeita, com evidências fortes, é a de que foi uma forma de burlar a licitação e escolher um laboratório específico", afirma o parlamentar. Bingo!

    Conforme apurou a Comissão, como não existe patente do Viagra no Brasil e o sistema de PDP permite que você não precise fazer licitação, já há quatro anos o Exército adotou a prerrogativa de indicar uma empresa detentora da tecnologia, capaz de transferir suas especificidades a um laboratório público do Brasil. Durante esses quatro anos, segundo o deputado, a Força adota esse expediente sem, contudo, se beneficiar da transferência de tecnologia. Uma forma de burlar a licitação, apenas.

    Embora a sociedade ignore se há uma “epidemia de impotência” nas fileiras e o Exército alegue que a compra foi para uso no combate à “hipertensão pulmonar” (doença que costuma acometer mais mulheres, e cuja posologia não é a mesma do Viagra, pois no caso da hipertensão é de apenas 20mg, quando a do Viagra é de 25mg), o contrato segue nesses moldes.

    Aí começam as coincidências. Prestaram a atenção ao nome do laboratório que fornece o “estimulante” para as fileiras? Não?! Pois foi o EMS, reconhecidamente o “rei dos genéricos”.  

     O EMS, maior indústria farmacêutica do Brasil, foi o primeiro laboratório a obter licença da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para produzir a versão genérica do Viagra, no país, em 2014, ano em que expirava a validade da patente do medicamento (fonte: portal Guiame.com). Àquela altura, - 21/06/2014 -, Waldir Eschberger Júnior, o vice-presidente de mercado da EMS, publicou nota, avisando que aguardava apenas isto para disponibilizar o remédio no mercado brasileiro, a expiração da patente.  

     Tinham diante de si um mercado para lá de promissor, anunciavam, para “um dos medicamentos mais vendidos no país, que movimentou cerca de R$ 170 milhões no ano passado (2013 – grifo nosso). Em âmbito global, esta quantia chegou a US$ 1,9 bilhão.” E avisava: “Queremos ser o primeiro a chegar às farmácias, pois, quem sai na frente, sempre acaba liderando as vendas”, dando mostras do seu “tino” comercial.

    E não foi diferente com a Cloroquina, amplamente debatida durante a pandemia, quando foi apresentada por Bolsonaro, filhos e membros do seu governo, como a “saída milagrosa” para as milhares de mortes por Covid-19, em um mercado potencial de R$ 9,7 milhões por mês no Brasil. Bolsonaro queria que a população esquecesse as vacinas e acatasse a sua empulhação negacionista. Fazia corpo mole para a aquisição das vacinas comprovadas cientificamente como eficazes e que não chegavam ao Brasil devido às “negociatas” flagradas pela CPI da Covid.

    O que se sabe é que o Laboratório Químico Farmacêutico do Exército (LQFEx) aumentou em 80 vezes a produção do remédio desde março de 2020, e laboratórios privados prometiam em julho daquele ano ampliar a fabricação. Embora especialistas em saúde pública temessem efeitos colaterais da cloroquina, no uso contra o coronavírus, o embate em torno do medicamento, com contornos técnicos e políticos, movimentou o mercado farmacêutico brasileiro. Diante de tamanha perspectiva, os laboratórios privados ampliaram a fabricação, para distribuição em hospitais e postos de saúde públicos.  

    O aumento da produção do foi determinado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, defensor enfático da cloroquina. Por que será?

    Cloroquina foi assunto dos mais discutidos na PCI da Covid  

    Antes da pandemia, a média produzida era de 250 mil comprimidos a cada dois anos, quase todos para combater malária e doenças reumatoides, como lúpus. No auge da pandemia foram 2 milhões de pílulas em três meses (março, abril e maio), com prioridade para a covid-19.  A produção ganhou tal ritmo que precisou ser interrompida por falta de insumo - encomendado da Índia -, mas foi retomada em junho de 2020, numa quantia não divulgada pelas Forças Armadas, o que gerou investigação.  

    O Ministério Público de Contas (MPC) solicitou ao Tribunal de Contas da União auditoria sobre possível superfaturamento nas compras de insumos de cloroquina feitas pelo Exército, sem licitação, e mandou checar também o porquê da ampliação na oferta de um medicamento que ainda não tinha comprovação científica para tratar a covid-19.

    O subprocurador-geral do MPC, Lucas Rocha Furtado, investigou se procediam informes de possível superfaturamento. Afinal, o preço do quilo do sal difosfato (matéria-prima produzida na Índia) comprado pelo Exército, na época, havia saltado de R$ 219 para R$ 1,3 mil entre maio de 2019 e maio de 2020.  

    Como a produção, não atendesse à enorme demanda provocada pela propaganda do presidente, a produção do laboratório militar, localizado no Rio de Janeiro e criado em 1808 (com o nome de Botica Real Militar), não tinha mãos a medir quanto à enorme demanda criada por ele e pelo medo da maior ameaça sanitária já enfrentada pelo Brasil. O país, àquela quadra estava com mais de 1,7 milhão de infectados pelo coronavírus e grande parcela permanecia hospitalizada em estado grave. As Forças Armadas não produziam todo o medicamento, mas apenas o difosato de cloroquina (fabricado desde 1940) e não dominavam a forma mais moderna e com menos efeitos colaterais, o sulfato de hidroxicloroquina, segundo alegavam para a compra, pelo governo, nos laboratórios privados.

    Foi aí que entraram os laboratórios privados, prometendo medicamento de última geração, em troca da perspectiva de um mercado de R$ 9,7 milhões mensais. Uma fatia mercadológica a ser disputada. Somente três indústrias particulares estão autorizadas a comercializar a hidroxicloroquina no Brasil: a multinacional Sanofi, e as brasileiras EMS e Apsen. A da Sanofi é importada da Europa. Essa empresa, inclusive, decidiu interromper as vendas no Brasil, em meio à polêmica sobre efeitos adversos em pacientes com covid-19.  

    Uma quarta empresa, a brasileira Cristália, se ofereceu para também produzir. Essas indústrias farmacêuticas informaram à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que reuniam condições de produzir 7,2 milhões de comprimidos por mês.  

    Um deles, o laboratório EMS - Chamado de "rei dos genéricos". O EMS produz uma hidroxicloroquina genérica, semelhante ao Plaquinol, da francesa Sanofi-Aventis (que tem como acionista o presidente norte-americano Donald Trump). O dono do EMS e de outro laboratório apto a produzir cloroquina, o Germed, é Carlos Sanchez, chegaram a participar de duas reuniões de industriais com Jair Bolsonaro, nas quais o presidente prometeu pressionar a Índia pela venda de produtos necessários à fabricação do medicamento. Sanchez foi um dos que pediram e conseguiram que o imposto de importação dos insumos da cloroquina fosse zerado. Ele também obteve aprovação da Anvisa para estudos clínicos apoiados pela empresa EMS para uso de hidroxicloraquina em pacientes com coronavírus, (de acordo com informações da GZH).

    Por toda esta interligação entre uma situação e outra, o coronel Berenger deve ter avaliado com os botões da sua farda se valia a pena amarrotá-la durante horas de depoimento a deputados ávidos a espremê-lo, sobre tema espinhoso e cujas explicações ele talvez não detenha todas. Por fim, concluiu: melhor escapar desses congressistas cheios de tesão para arrancar dele a história da contratação de lotes de Viagra.  

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    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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