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    Lejeune Mirhan

    Sociólogo, Professor (aposentado), Escritor e Analista Internacional. Foi professor de Sociologia e Métodos e Técnicas de Pesquisa da UNIMEP e presidente da Federação Nacional dos Sociólogos – Brasil

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    Correlação de forças na geopolítica mundial na atualidade

    "Vivemos uma longa transição entre um mundo unipolar para um mundo de multipolaridade. Ainda não vejo, em curto prazo, um mundo de maior equilíbrio de poder, tanto político quanto econômico e, especialmente, militar", escreve o sociólogo e professor Lejeune Mirhan

    EUA exercícios militares na Ásia, Exército Estados Unidos (Foto: Giuliana Miranda)

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    Nestes tempos de pandemia e de crise aguda do sistema capitalista, é sempre bom voltarmos ao tema – que desenvolvi no meu livro sobre Geopolítica Mundial que lancei em 2019. Ele consta do terceiro capítulo (página 45, livro intitulado Reflexões sobre o Oriente Médio, Apparte Editora, Campinas, SP). Esse debate guarda uma relação direta com um tema que também estudo há tempos que é o de novas e velhas ordens mundiais. A versão que aqui publico é um resumo e atualização daquele trabalho.  

    Quando usamos a expressão correlação de forças no mundo estamos querendo analisar quais são as forças políticas em cada um dos Campos existentes na sociedade. Para efeitos de análise, neste livro adotamos basicamente a existência de dois Campos fundamentais: O campo do Imperialismo liderado pelos Estados Unidos e o campo da Resistência, cujas forças ainda não estão sob um comando unificado.  

    O mundo que vivemos hoje é ainda um mundo unipolar. Ou seja, existe apenas um grande líder e um grande Polo que são os Estados Unidos e seus países satélites. Esse mundo é decorrente ainda do longínquo ano de 1991 quando, em dezembro daquele ano, a União Soviética deixou de existir. Os Estados Unidos haviam vencido a guerra contra o Iraque (na verdade uma agressão, não uma guerra). Nestes quase trinta anos que se passaram, podemos dizer que vivemos um processo lento de transição para a multipolaridade.  

    O domínio dos Estados Unidos sobre a totalidade do mundo é imenso. Esse domínio ocorre de forma muito clara no campo econômico e cultural mas, sobretudo, no campo militar. Estima-se que esse país possua em torno de mil bases militares espalhadas por todos os continentes da Terra, com um contingente de quase 1,5 milhão de soldados. Suas sete frotas navais – sempre lideradas por um porta-aviões nuclear e compostas por mais até dez navios auxiliares – estão espalhadas pelo mundo de tal forma que qualquer país seja acessível para um ataque aéreo, sem que seus jatos precisem de uma pista em terra para decolar.  

    No entanto, é certo que existem novos polos em construção. Os mais importantes deles aglutinam-se em torno da sigla BRICS, constituído pelo Brasil, China, índia, Rússia e África do Sul. O golpe desfechado no Brasil contra a presidente Dilma Rousseff em 2016 visava, entre outras coisas, se não retirar o "B" da sigla, pelo menos enfraquecer o grupo. Pessoalmente, não creio que o Brasil sairá do bloco.  

    Como sempre vimos dizendo, o mundo hoje vive uma transição entre o sistema unipolar e a multipolaridade. No entanto, se é fato que pode-se dizer que o mundo não é mais exclusivamente unipolar, onde já não manda e domina como antes os EUA, também não se pode afirmar que já chegamos à multipolaridade desejada.  

    A seguir, para efeito de conhecimento mais amplo, publico as instituições que compõem cada um dos campos existentes no mundo, ou seja, o campo do imperialismo, liderado pelos EUA e o campo da Resistência, com suas instituições. Procuro dar um breve histórico de sua existência e um resumo de seus objetivos e situação atual.  

    As instituições do campo imperialista

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    1. FMI – As instituições econômicas do campo imperialista basicamente são as que foram criadas no famoso encontro na cidade de Breton Woods realizado nos Estados Unidos em julho de 1944, no estado de New Hampshire. Foram 730 delegados de 44 países do campo dos vencedores da II Guerra Mundial, sob a liderança dos EUA. O Brasil esteve presente com uma delegação de nove pessoas, liderada pelos já falecidos economistas liberais Octávio Gouveia Bulhões, Eugênio Gudin  e Roberto Campos.  

    A data formal da Constituição do Fundo Monetário Internacional (International Monetary Found, na sigla inglesa) deu-se em 27 de dezembro de 1945. Ao todo participavam dele 29 membros, mas, somente em abril de 1964 as Nações Unidas reconheceram formalmente essa instituição.  

    Um dos debates que polarizou a conferência de Breton Woods foi exatamente a adoção de uma nova moeda internacional – o dólar – que seria usada no comércio entre países. O chefe da delegação inglesa – Lord John Maynard Keynes – lutou bravamente para defender os interesses do seu país para que a libra esterlina continuasse como moeda do comércio internacional. Acabou aceitando a imposição da nova moeda, mas em troca exigiu que o dólar americano tivesse seu lastro equivalente em ouro. Foi fixado que cem dólares seríam equivalentes a uma onça troy  (equivalesse a 31,1 gramas) de ouro. Qualquer cidadão do mundo poderia resgatar em ouro os seus dólares junto à Casa da Moeda dos Estados Unidos.  

    É importante registrar que essa paridade durou até 15 de agosto de 1971. O então presidente dos Estados Unidos – Richard Nixon – anunciou que estava rompendo a paridade a partir daquele momento. Dessa forma, o dólar passou a ser apenas um papel impresso na cor verde sem nenhum lastro equivalente em ouro. Por que ainda assim, o mundo inteiro continuou aceitando o dólar como moeda de troca? A resposta é simples: a moeda forte de uma época é sempre a moeda da potência imperialista daquele momento histórico.  

    Os objetivos formais do Fundo Monetário Internacional relacionam-se à ajuda para reconstrução do sistema monetário em todo mundo. Pode prestar também auxílio aos países-membros. Quando isso acontece, ou seja, um país recorre ao FMI para um empréstimo, ele é obrigado a seguir as regras do modelo econômico neoliberal que a organização impõe.  

    2. Banco Mundial – Essa instituição econômica e financeira também decorrente da nova engrenagem monetária internacional, foi também estabelecida em Breton Woods, em julho de 1944. Formalmente diz-se que a missão do Banco Mundial (World Bank Group, na sigla em inglês) é erradicar a extrema pobreza na humanidade, diminuindo a desigualdade. Ele seria uma espécie de banco de desenvolvimento mundial, nos moldes do que temos no Brasil, o BNDES.  

    3. OMC – A Organização Mundial do Comércio ou, na sigla inglesa, World Trade Organization, foi fundada em primeiro de janeiro de 1995, em substituição ao antigo GATT( na sigla inglesa, General Agreement on Tariffs and Trades) ou seja, acordo Geral de Tarifas e Comércio, o qual existia desde 1947. O antigo GATT não era propriamente uma entidade ou instituição, mas como o próprio nome diz, era um acordo que a maioria das Nações-membros da ONU respeitava. A OMC é um órgão do sistema das Nações Unidas. Seus objetivos são regular e fiscalizar o comércio entre os seus 159 membros.  

    4. BIS – Esta instituição chama-se Banco Internacional de Compensações, ou Banco de Pagamentos Internacionais )Bank for International Settlements). Sua sede fica na cidade da Basileia (Suíça) e reúne cinco bancos centrais de todo o mundo. Ele é parte da engrenagem financeira e monetária internacional. Não há uma data formal de sua fundação, que ocorre por volta de 1962, a partir do chamado G10 – o grupo dos dez principais países da época. Esse banco tem sedes em Hong Kong e Cidade do México, Existem apenas 140 clientes. Seu objetivo é promover a cooperação monetária e financeira internacional.  

    5. Sistema SWIFT – A sigla significa Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (em inglês Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication). Criado em 1973 em Bruxelas por 239 bancos de 15 países capitalistas mais destacados. Nenhuma transação financeira internacional é feita sem passar pelos seus mecanismos. Esse sistema é que permite aos EUA impor sanções a quaisquer países que eles queiram. Permite também bloquear recursos de países ou mesmo de pessoas físicas.

    6. Clube de Paris – Fundado em 1956 na cidade que leva o seu nome, realiza uma média de dez encontros por ano. Tem 22 países membros, incluindo o Brasil. Sua formação decorre de uma reunião que a Argentina aceitou fazer com seus credores na cidade de Paris.

    7. Clube de Roma – Fundado em 1966 na cidade que leva o seu nome, pelo industrial italiano Aurélio Peccei e pelo cientista escocês Alexander King. Trata-se, na verdade, de um clube informal que reúne pessoas ilustres, onde temas de política e economia internacional são debatidos.

    8. Clube de Bildenberg – Muitos acham incrível a existência de um clube como esse, tamanho o poder que ele reúne, realizando uma conferência anual de caráter privado. Foi estabelecido em 1954, e que reúne em torno de 150 das pessoas mais ricas, mais influentes e poderosas do planeta. Elas integram as elites econômicas da Europa e da América anglo-saxônica. São 18 as nações membros. O nome do clube decorre do hotel em que a primeira reunião foi realizada, na cidade de Oosterbeek (Holanda). Seu objetivo, de forma clara, é promover o chamado atlanticismo, para reforçar os laços entre os Estados Unidos e a Europa, bem como apoiar o capitalismo ocidental e o livre mercado. Eles não escondem que almejam uma governança mundial.

    9. Comissão Trilateral – Fundada em 1973 como um fórum de discussões, pelo magnata e um dos homens mais ricos da Terra à época, David Rockfeller. Seu objetivo é promover a cooperação econômica e política. Atualmente reúne cerca de 350 pessoas e não tem periodicidade regular em seus eventos.

    10. Fórum de Davos – São reuniões anuais que ocorrem na cidade de Davos no mês de janeiro. O nome do encontro é o mesmo da sua organização – Fórum Econômico Mundial ou, na sigla inglesa, World Economic Forum (com sede em Genebra – Suíça). Esse fórum reúne as principais lideranças políticas mundiais, mas também econômicas, intelectuais e jornalísticas. É uma espécie de centro irradiador do pensamento capitalista mundial. Foi fundado em 1971, pelo professor Klauss Schwab. É uma instituição tão poderosa que conseguiu assento – ainda que como membro observador – no Conselho Econômico e Social da ONU. Diz, genericamente, que seu objetivo é a melhoria do estado do mundo.  

    11. OTAN – Esse é o braço militar do capitalismo ocidental, cuja sigla significa Organização do Tratado do Atlântico Norte ou, na sigla inglesa, North Atlantic Treaty Organization. Sua fundação ocorreu em 4 de abril de 1949 e tem sua sede central na cidade de Bruxelas, na Bélgica. Apesar de ser formalmente constituída por apenas 29 membros, quem manda são os Estados Unidos. Funciona como uma guarda pretoriana europeia para contenção da antiga União Soviética e a atual Rússia. Há alguns anos modificou os seus estatutos de forma a permitir que possa realizar operações militares e de guerra, como agressões aos países fora do continente europeu, como o caso do bombardeio na Líbia em 2011, autorizado pelo Conselho de Segurança da ONU.  

    12. Sionismo Internacional – Esse movimento tem vínculos com a agência Judaica que faz a defesa dos interesses dos capitalistas sionistas de origem ou adeptos da religião judaica. Seu objetivo central é defender os interesses e a segurança do Estado de Israel. Tem larga influência sobre grande parte dos 55 bancos centrais existentes no mundo. Nos Estados Unidos, reúne-se em torno da sigla AIPAC – American Israel Public Affairs Committee, que significa Comitê de Assuntos Públicos de Israel nos Estados Unidos. É o maior lobbie judaico existente naquele país. Faz pesadas doações para os dois partidos que disputam as eleições, o Republicano e o Democrata.  

    13. Terrorismo Fundamentalista – Apesar do discurso dos Estados Unidos – em especial desde setembro de 2001, quando as Torres Gêmeas em Nova York vieram abaixo – que eles seriam contra o terrorismo, o que assistimos e presenciamos em várias partes do mundo é, na verdade, um apoio descarado a terroristas e atentados. O caso mais escandaloso é o da Síria que, desde o mês de abril de 2011, vem sendo atacada por terroristas e mercenários de mais de 80 países diferentes, financiados pela Arábia Saudita com apoio dos EUA, Israel e Turquia. São as seguintes as siglas que integram esse terrorismo internacional: Al Qaeda, Estado Islâmico (antigo ISIS ou DAESH), Irmandade Muçulmana e mais os chamados jihadistas, salafistas, wahabitas e taqfiristas.

    As instituições do campo da Resistência

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    Veremos agora as principais entidades e/ou instituições que se opõem, de alguma forma, ao campo Imperialista. É preciso registrar que não existe, digamos assim, uma articulação formal entre todas elas, ainda que todas tenham um objetivo maior unificado, que é a derrota dos EUA como potência unipolar e visam a perspectiva de um mundo multipolar. Algumas são entidades propriamente ditas, outras apenas movimentos ou articulações. O grau de consolidação de cada uma delas é bastante variável.  

    1. BRICS –A China e a Rússia são os dois principais polos de poder nesta articulação internacional de países, até porque são os únicos que possuem poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas. A primeira cúpula do BRICS foi realizada em 16 de junho de 2009, na cidade russa de Ecaterimburgo. De lá para cá, dez encontros foram realizados. Em julho de 2020, está prevista a realização da 12ª cúpula dos BRICS que ocorrerá na cidade de São Petersburgo, na Rússia, sob a presidência de Vladimir Putin.  

    O PIB estimado desta articulação de países gira em torno de 18,84 trilhões de dólares. Se considerarmos o PIB da Terra em torno de 80 trilhões de dólares, significa dizer que esta articulação de apenas cinco países já representa um quarto do total do PIB do planeta. Em termos populacionais, a estimativa é que a população da Terra em 2017 fosse de 7,6 bilhões de habitantes. Dados mais atualizados mostram que esses cinco países juntos possuíam, naquele mesmo ano, um total de 3,06 trilhões de habitantes. Ou seja, 40,26% de toda a população do planeta.

    Por fim, vamos falar sobre a área geográfica desses países. Se considerarmos que a superfície terrestre do nosso planeta representa hoje 510,072 milhões de quilômetros quadrados, esses cinco países juntos tomariam para si 40,1 milhões de quilômetros quadrados. Ou seja, 7,8% de toda a superfície da Terra.

    2. Movimento dos Países Não Alinhados – MPNA Essa é uma articulação fundada nos anos 1950, fruto da divisão do mundo em dois campos: o capitalista e o chamado campo do socialismo real, liderado pela União Soviética. A China, que tinha feito a sua revolução em 1949, ainda não havia se firmado como potência entre o concerto das nações. Havia um conjunto de países que não se sentiam contemplados em nenhum desses dois campos, ou seja, não se colocavam nem como países capitalistas, nem como países socialistas. Algo como se quisessem dizer ao mundo que adotavam atitudes e valores de ambos os sistemas.

    Em 1955, foi convocada a sua primeira conferência, que ocorreu na cidade de Bandung, na Indonésia. Os principais líderes desse conclave foram Sukarno, o anfitrião; Nehru, da Índia e Nasser, do Egito. A formalização do Movimento deu-se apenas em 1961, na cidade de Belgrado (Tchecoslováquia), em função da adesão do Marechal Yosip Broz Tito. Nesse mesmo evento, a China uniu-se ao bloco com a presença na Conferência de Chu En Lai. Esse Movimento perdura até os dias atuais, mas não tem mais tanta força, até em função da unipolaridade que vivemos no mundo. Ao todo, o MPNA realizou 16 conferências de cúpula, sendo  a última delas em Havana (Cuba), em 2006.  

    3. OUA e OLP – Estas duas siglas são importantes na articulação do campo da resistência. A primeira delas trata-se da Organização da Unidade Africana, fundada em 25 de maio de 1963, na cidade de Adis Abeba, na Etiópia, convocada que foi pelo seu imperador Haile Salassie. Nesse primeiro evento estiveram presentes 32 países fundadores. Seu grande objetivo é promover a unidade dos estados africanos. Na época a questão central era a luta anticolonialista. Esse mesmo local foi designado para a última sessão extraordinária da Assembleia da União Africana, em novembro de 2018.

    A segunda sigla – OLP, significa Organização para a Libertação da Palestina. A sua fundação ocorreu em maio de 1964, a partir de uma convocação feita pela Liga dos Países Árabes. A assembleia de fundação deu-se na cidade de Jerusalém e seus estatutos foram promulgados no dia 28 de maio. Seu primeiro presidente foi Ahmad Shukairy, um advogado moderado. Yasser Arafat assumiu a liderança somente em 1969, quando o grupo Al Fatah já era a maior organização entre as dez que compõem a sua estrutura. Arafat torna-se o chefe do Estado Maior das forças revolucionárias palestinas em 1971 e, em 1973, já era o seu líder político. Em 1974, fez um pronunciamento histórico na Assembleia Geral das Nações Unidas.  

    4. Islã Xiita – Ainda que eu sempre diga que o conflito no Oriente Médio é essencialmente político e não religioso, é preciso reconhecer que os muçulmanos de orientação xiita possuem, seguramente, uma compreensão mais nítida e clara sobre o inimigo principal da humanidade. A revolução que eles fizeram no Irã em fevereiro de 1979 foi a expressão máxima disso. Até os dias atuais, o Irã segue na linha de frente do chamado Arco da Resistência na região, integrado  também pelo Iraque, Síria e Líbano, além do Partido de Deus Libanês (Hezbolláh).  

    5. América Bolivariana – O comandante Hugo Rafael Chávez Frias (1954-2013) venceu as eleições presidenciais venezuelanas e tomou posse em dezembro de 1998. Ele inaugurou ali um novo ciclo em todo o continente latino-americano, mais progressista e de centro-esquerda. Sofreu uma tentativa de golpe em abril de 2002, ano em que Lula venceria as eleições pela primeira vez, abrindo também um novo ciclo no Brasil de quase quatro mandatos de governos progressistas, só interrompido com o golpe de 2016 e a eleição de Bolsonaro em 2018.  

    Chávez expande pelo continente a sua chamada revolução bolivariana, ou o seu “socialismo do século XXI”. Por mais que a grande imprensa mencione de forma unificada que se vive na Venezuela uma “ditadura” (sic), em 22 anos de governos bolivarianos na Venezuela, mais de 20 eleições e/ou consultas populares foram feitas. Após a sua vitória, veio a de Evo Morales na Bolívia e Rafael Corrêa no Equador, todas inspiradas no ideal de Simon Bolívar (1783-1830), considerado o libertador da América Espanhola (hoje esses dois países são governados pela extrema direita). Vivemos neste momento, um franco retrocesso em vários países do cone Sul do continente.

    Com os governos progressistas de Chávez e Lula, foram criadas instituições como a UNASUL (União das Nações Sul-Americanas), a CELAC (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), esta última em uma clara tentativa de isolar a velha (e pró EUA) OEA (Organização dos Estados Americanos). Criou-se ainda a TeleSur, a primeira rede progressista de notícias alternativas para enfrentar os monopólios da mídia.  

    6. Fórum Social Mundial – Organizado por ONGs e movimentos sociais do mundo inteiro, a partir de 2001, na cidade de Porto Alegre, inaugura-se um evento de caráter internacional que atrai pessoas e organizações de todos os cinco continentes. Seu slogan era: “Um outro mundo é possível”. As suas seis primeiras edições foram realizadas naquela cidade gaúcha. A partir da sétima, outros países abrigaram o evento, que era organizado a partir de um Comitê Internacional. A 16ª edição do FSM ocorreu na cidade de Salvador, em março de 2018. O Fórum tem suas limitações. Ele não é uma articulação. Ao final, ele aprova um documento como se fosse uma espécie de resolução, mas que não contém orientações de como devemos nos organizar em todos os lugares para opor resistência ao imperialismo. De qualquer forma, é uma instituição do campo da resistência.

    7. Entidades representativas internacionais dos segmentos – São antigas instituições, geralmente do auge da chamada Guerra Fria, e apoiadas pela antiga União Soviética. Agregam os setores da juventude, estudantes, trabalhadores, mulheres e luta pela paz. Todas essas entidades seguem existindo até os dias atuais, mas vivendo sempre com muita dificuldade. São as seguintes: FDIM – Federação Democrática Mundial de Mulheres; CMP – Conselho Mundial da Paz, também presidida por uma brasileira, Socorro Gomes (ex-deputada federal pelo PCdoB do Pará, ainda nos anos 1990); UIE – União Internacional dos Estudantes; FMJD – Federação Mundial da Juventude Democrática e FSM – Federação Sindical Mundial, que representa em torno de 100 milhões de trabalhadores sindicalizados e tem sede na cidade de Atenas, na Grécia. A FSM tem como filiadas as maiores e mais combativas centrais sindicais nacionais de países importantes. Tem uma orientação claramente anticapitalista e a favor do socialismo. No Brasil apenas a CTB e a CGTB são filiadas a ela. A CUT e a Força são filiadas à Central Sindical Internacional, fruto da fusão de uma central sindical católica com uma outra social democrata.  

    8. Organização de Cooperação de Xangai – Ou, na sigla inglesa, Shangai Cooperation Organization. É uma organização política e econômica de cooperação, mas fundamentalmente militar, que atua na Eurásia. Foi fundada em Xangai, em 2001 e, inicialmente, reunia apenas a China, a Rússia, o Cazaquistão, o Quirguistão, o Tadjiquistão e o Uzbequistão. Em 2017, a Índia e o Paquistão tornaram-se membros plenos da organização. Seu objetivo é estabelecer a cooperação para a segurança multilateral dos países membros, em especial, na sua luta contra o terrorismo financiado e apoiado pelo imperialismo estadunidense. Luta também contra o separatismo e o extremismo. Na prática, é uma organização de cooperação militar que visa fazer frente ao poderio militar da OTAN. Tal qual os BRICS, a OCX menciona também a criação de moedas alternativas ao dólar para o comércio exterior. Tem dado total apoio à nuclearização dos seus países membros. Ainda ouviremos falar muito dessa instituição.

    9. Foro de São Paulo – É uma organização política que reúne os partidos de esquerda e progressistas da América Latina. Atualmente congrega 111 organizações. Foi fundada em São Paulo, no dia 4 de julho de 1990. Sua principal proposta é defender a integração latino-americana e lutar contra as políticas neoliberais que assolam o subcontinente. Até o ano de 2019, foram realizados 24 encontros do Foro de São Paulo, que normalmente ocorrem a cada dois anos. Lula foi um dos fundadores, a partir da primeira reunião convocada pelo Partido dos Trabalhadores.  

    10. Encontros Internacionais de Partidos Comunistas e Operários – Já realizou, ao todo, 20 encontros, sendo que o de 2018 foi realizado em 25 de novembro, na Grécia. O primeiro ocorreu em 1998 e tem periodicidade anual. Reúne em torno de 70 partidos comunistas (o nome “operários” vem do fato de  alguns PCs, em alguns países, não levarem o nome de “comunista”, apesar de o serem. Alguns estão no poder (China, Cuba, Laos, Camboja e Vietnã), e a maioria são de oposição. Em alguns poucos casos, os comunistas participam de governos progressistas e patrióticos, mesmo não tendo hegemonia. Não se propõem a ser uma Internacional Comunista, como foi a Primeira, fundada pelo próprio Karl Marx, com o nome de Associação Internacional dos Trabalhadores, em 1867. Houve uma Segunda, que não funcionou. A melhor organizada foi fundada pelo próprio Lênin, em março de 1919, pouco depois de sua revolução de outubro de 1917. Lênin convocou  todos os partidos comunistas existentes no mundo inteiro para debater como deveriam organizar-se para combater o capitalismo e como fortalecer e prestar solidariedade à jovem República Socialista da Rússia (a URSS só sería constituída formalmente em 30 de dezembro de 1922). A Terceira Internacional foi dissolvida em 15 de maio de 1943, para ampliar as frentes de combate ao fascismo e ao nazismo, que tinham os comunistas na linha de frente, mas que era muito mais ampla que isso. Leon Trotsky articula ainda uma outra, que chamou de 4ª Internacional, em 1938, a qual teve muitos rachas, mas tem ainda alguma expressão e aglutina exclusivamente partidos e organizações trotskistas.  

    Como disse no início deste artigo, vivemos uma longa transição entre um mundo unipolar para um mundo de multipolaridade. Ainda não vejo, em curto prazo, um mundo de maior equilíbrio de poder, tanto político quanto econômico e, especialmente, militar. Nenhum país do mundo hoje, nem a grande China, consegue fazer frente ao poderio militar estadunidense. Mas não é só nesse aspecto que existe a hegemonia dos EUA. É também no campo econômico, quando ele emite a moeda que é praticamente universal, tem a língua considerada franca e mais falada como segundo idioma das pessoas, e conta com uma hegemonia cultural e ideológica que está longe de ser alterada.  

    Seus valores morais se espalham pelo mundo afora e penetram até em sociedades mais fechadas, como as de religião islâmica, que ainda resistem à sua ideologia. No caso do nosso Brasil, vemos isso diariamente, quando centenas de palavras inglesas invadem nosso cotidiano, nos centros de compras (shoppings centers), nos canais de televisão. A sua festa de Halloween já é o dia das bruxas, comemorado no dia 31 de outubro em nosso país em várias escolas privadas da elite do país.

    Viveremos ainda muitas idas e vindas. Agora mesmo, em nosso Brasil e em vários outros países latino-americanos, vivemos imensos retrocessos civilizatórios e perda de direitos dos trabalhadores com a posse do governo reacionários e entreguistas, como o de Jair Bolsonaro aqui no Brasil. No entanto, estou convicto de que a marcha inexorável da história nos levará a um caminho luminoso de um mundo de justiça e paz para os povos amantes da liberdade e que defendem a sua soberania nacional.

    Em tempo: este artigo é o resumo e a atualização do Capítulo 3 do meu livro de Geopolítica Mundial (Editora Apparte, 2019, 512 páginas, R$59,90 que pode ser adquirido no site www.apparteditora.com.br), publicado nas páginas 45-70.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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