TV 247 logo
    José Guimarães avatar

    José Guimarães

    Advogado, deputado federal e Líder do Governo na Câmara dos Deputados

    131 artigos

    HOME > blog

    Cria-se tecnologia para trabalharmos menos, mas o capital se apropria dela para multiplicar lucros

    Deputado José Guimarães defende "alternativas de amparo às vítimas do desemprego tecnológico, agora acelerado com a Inteligência Artificial (IA)"

    Letras iniciais de Inteligência Artificial (AI, na sigla em inglês) sobre placa-mãe de computador. Ilustração de 23 de junho de 2023 (Foto: REUTERS/Dado Ruvic)

    Pensar alternativas de amparo às vítimas do desemprego tecnológico, agora acelerado com a Inteligência Artificial (IA), entrou na pauta dos governos de vários países como emergência social.

    Preocupado com a falta de debate sobre esse assunto, no Brasil, apresentei o Projeto de Lei-6015/2023, à Câmara dos Deputados, que taxa máquinas, equipamentos e softwares que mais desempregam, em setores de alta tecnologia de automação e da Inteligência Artificial, para financiar ações públicas de proteção e alternativas para os desempregados. Em síntese, o projeto institui a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre operações com máquinas, equipamentos e aparelhos, sobre desenvolvimento de “softwares” para automação, sobre prestação de serviços digitais para automação e sobre operações de venda não presencial. Gostaria muito que esse projeto caminhasse ao lado da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da deputada Erika Hilton, do Psol, que reduz a jornada de trabalho, como item da pauta de debates do movimento sindical e de outros movimentos sociais, para que toda a sociedade possa se posicionar em relação às grandes transformações do mundo do trabalho, que estão acontecendo tão rapidamente.

    A Inteligência Artificial (IA) chegou como um furacão no mundo do trabalho, transformando definitivamente os meios e os modos de produção, ceifando empregos de forma devastadora, exigindo das autoridades, das instituições, providências para proteção de trabalhadoras e trabalhadores do que ainda está por vir. 

    A redução da desigualdade está gravemente ameaçada. O desalento desponta no horizonte como uma sentença. Máquinas estão fabricando máquinas. Pela primeira vez, desde o início da industrialização, as inovações tecnológicas ameaçam destruir mais postos de trabalho do que podem criar. 

    Em recente artigo, o bilionário Vinod Khosla, investidor da Amazon, do Google e da OpenAI, divulgou resultados de uma pesquisa na qual a conclusão é de que 80% dos empregos serão substituídos pela IA nas próximas décadas. Estudo do FMI também apontou que a IA afetará 40% dos empregos no mundo. Nos mais afetados, Estados Unidos e Reino Unido, o impacto será de 60% e 70%, respectivamente. No Brasil, estudos recentes estimam que a perda de empregos deve atingir cerca de 58% dos empregos nos próximos 10 ou 20 anos, em função da automação. 

    A necessidade de um novo contrato social, capaz de recompor forças políticas, se tornou inevitável. Precisamos construir novos modelos produtivos sobre os quais possamos assentar novos padrões de relacionamento social, para o surgimento de uma sociedade na qual a vida seja resgatada do jugo do trabalho penoso, degradante, de jornadas exaustivas e, assim, poder dispor de mais tempo para o convívio familiar, para o desenvolvimento pessoal, mais fruição da cultura, do lazer, enfim, uma sociedade democrática, mais justa, solidária e sustentável.

    Relativizar o poder de agentes concentradores de patrimônio e de capital também é um debate inevitável, para reduzir efeitos da revolução tecnológica como a alienação e a submissão à escalada da multiplicação de lucro das empresas, a precarização do trabalho e a pobreza. 

    Estudos recentes do Banco Mundial concluíram que a automação deve levar 68% de trabalhadoras e trabalhadores ao desemprego na Índia, que tem uma população de aproximadamente 1,5 bilhão de habitantes. Para o FMI, a IA vai agravar a desigualdade salarial, prejudicando principalmente a classe média. Agentes públicos têm a responsabilidade de criar alternativas, programas de segurança social e de atualização profissional para os mais vulneráveis. A insegurança atinge do vendedor ambulante ao microempresário.

    O trabalho informal por plataformas digitais, sem garantia de nenhum direito social, gera lucros astronômicos para empresas como Amazon, Google, YouTube ou Facebook, enquanto quem trabalha é submetido à exploração, a uma vida precária, desprovido de direitos, sob argumentos da lei do livre mercado. 

    Em junho, na Conferência Internacional do Trabalho, na OIT, o presidente Lula fez duras críticas à alta concentração da riqueza. Destacou que o mundo nunca teve tantos bilionários. Hoje, 3 mil pessoas detêm quase US$ 15 trilhões em patrimônio. Isso corresponde à soma dos PIBs do Japão, Alemanha, Índia e Reino Unido.

    Na abertura dos trabalhos da Assembleia-Geral da ONU, no ano passado, o presidente Lula e o Presidente Joe Biden assinaram um protocolo de cooperação para promoção do trabalho digno, estímulo ao emprego de qualidade e proteção de trabalhadoras e trabalhadores. Todas as nações do mundo foram conclamadas a integrarem o movimento global.

    Em diversos fóruns internacionais já se discute formas de compensação do desemprego gerado pela automação, tamanha preocupação aflorada no mundo. A ideia mais debatida tem sido a criação da renda mínima universal. Recentemente, economistas de renome, como o norte-americano Joseph Stiglitz e o francês Thomas Piketty, se manifestaram favoráveis à aprovação de uma renda mínima universal desatrelada do emprego. 

    Na Europa, o debate avança no sentido de uma mudança total do sistema tributário, com taxação sobre transações monetárias, lucros financeiros e dividendos. Taxação de robôs de empresas com alto nível de automação, pagamento de taxas para criação de fundos de renda para trabalhadoras e trabalhadores, por setores que mais desempregam. A tendência é a renda universal se firmar como medida fundamental para um novo pacto social. Esse debate surgiu ainda no início do século XX e entrou no século XXI como emergência do nosso tempo, diante da hiper concentração da renda e do patrimônio nas mãos de apenas 1% da população enquanto a desigualdade, a pobreza e a fome se alastram no mundo. 

    A renda mínima universal e o salário-mínimo devem assegurar condições dignas de sobrevivência. O senador Eduardo Suplicy, precursor da renda mínima no Brasil, conseguiu que seu projeto fosse aprovado. Foi sancionado pelo Presidente Lula em 2004, com o nome de ‘renda básica de cidadania’, mas ainda não foi regulamentado. Programas de transferência de renda como o Bolsa Família e outros, de certa forma cumprem suas funções na rede de proteção social, mas precisam ser atualizados, diante da ameaça concreta do desemprego tecnológico. 

    A ideia da Renda Mínima Universal (RMU) surgiu nos anos 60, com experimentos na Europa, nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e outros países. Os resultados são surpreendentes. Segurança para as famílias foi identificado como o mais importante dos benefícios, seguido pela erradicação da pobreza, aprimoramento dos estudos, desenvolvimento pessoal, melhoria da sociabilidade, do bem-estar, e redução da violência, atribuída à elevação do nível educacional. Além disso, como faz o salário-mínimo, a RMU provoca elevação dos salários na economia. 

    A sociedade brasileira precisa discutir as transformações tecnológicas, o desemprego tecnológico e o amparo aos trabalhadores deslocados pela automação, a geração de novas ocupações qualificadas e especializadas, na perspectiva de uma estratégia de desenvolvimento nacional inclusiva.  

    Minha proposta de lei tem como objetivo fundamental financiar ações públicas de proteção e apoio a trabalhadoras e trabalhadores com planejamento para recolocação no mercado de trabalho, reposicionamento laboral com empregos qualificados e especializados em atividades de elevado nível tecnológico e de inovação. Estamos atrasados nesse debate, precisamos recuperar o tempo perdido.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

    ❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.

    ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

    iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

    Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

    Relacionados