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    Ana Maria Baldo

    Professora da Rede Pública, Mestranda em Educação pela UERGS

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    Crie o impossível- com que investimento, senhor?

    (Foto: Shutterstock)

    No sábado 03 de junho de 2022, a cidade de Porto Alegre, capital gaúcha, teve a honra de sediar o encontro do ‘Crie o Impossível 2022’. Um evento para mostrar aos jovens que é preciso sonhar o impossível e acreditar que ele poderá ser real... Um evento para marcar a vida dos estudantes deste país! (Contém ironia).

    Assim dizia reportagem do G1: “estudantes do ensino médio de escolas públicas de todo o país participam, no dia 3 de junho, do Crie o Impossível 2022, no estádio Beira Rio, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O evento é uma aula inspiracional para despertar os alunos por meio do empreendedorismo. São esperados 10 mil estudantes”.  Ainda conforme a reportagem, “segundo a cofundadora e CEO do Embaixadores da Educação, Guilhermina Abreu, o projeto busca, por meio das histórias dos palestrantes, trazer referências positivas, abrir perspectivas e despertar sonhos em jovens estudantes”.  

    E Guilhermina ainda afirma que: “os palestrantes são escolhidos de forma estratégica por representarem o sucesso e a superação, mas também porque muitos deles passaram pela escola pública. São profissionais que trazem inspiração e representatividade para os estudantes por terem origens semelhantes às deles e que vão compartilhar suas histórias de vida, falando sobre dificuldades, desafios e caminhos possíveis para superação e conquistas”. Seria um dia feliz se não soubéssemos a realidade em que vivem os estudantes da escola pública deste país. Passemos a analisar apenas algumas das declarações acima citadas.  

    Primeiramente, chama a atenção que o foco do evento seja a falácia do empreendedorismo, leia-se trabalho informal. Compreensível em um país onde as taxas de desemprego crescem de forma gritante a cada dia nos últimos cinco anos (novamente contém ironia).  

    Em um segundo momento, gostaria de salientar que a ideia do evento é criar expectativas nos estudantes da escola pública tendo como exemplo os palestrantes que tem em suas histórias de vida trajetórias similares aos dos estudantes ali presentes, segundo a organizadora do evento. Entretanto, me salta aos olhos a notável diferença histórica existente entre o período em que os palestrantes viveram sua fase de estudantes, período em que governos de viés progressista investiam pesada e fortemente na educação, na ciência, na tecnologia, em bolsas de estudo no Brasil e no exterior, em infraestrutura, em criação de novas universidades e institutos técnicos, etc. Hoje, sabemos bem que tivemos um corte de 92% neste valor. Sabemos que atualmente vivemos sob um governo que não valoriza a educação e a ciência, e, além da não valorização, investe em teorias negacionistas, em formas de educar não convencionais – como a recentemente aprovada Homeschooling -, em teorias vinculadas à religião em detrimento do conhecimento científico, e por aí vai. A mim, me inquieta esta visão anacrônica e descontextualizada incutida em tal evento.  

    Terceiro ponto que me instiga a hoje escrever estas linhas está relacionado ao foco dado à superação e aos sonhos. Superação individual, sonhos com evidente ênfase no financeiro...  Criar o impossível, verdadeiramente, é superar as desigualdades sociais cada dia maiores neste país; criar o impossível é ter comida no prato de todos os brasileiros e brasileiras. É ter escolas com a infraestrutura necessária, com profissionais valorizados e com material didático adequado. É ter escolas com acesso a mais alta tecnologia e investimento pesado na ciência. É bolsa de estudo, é universidade pública e gratuita para o filho e a filha do trabalhador e da trabalhadora. É sonhar um sonho real e não uma ilusão individual. É ter bolsa de iniciação científica para poder se dedicar à pesquisa e não ter que passar o dia no trabalho pesado para à noite tentar estudar. Criar o impossível é investimento pesado nos cérebros deste país!  

    Criar o impossível, verdadeiramente, é o que os trabalhadores e trabalhadoras da educação fazem todos os dias neste país diante da precarização existente em nossas escolas e universidades, diante da falta de investimento, de salários defasados. Criar o impossível é conseguir aprender mesmo em estado de subnutrição como bem sabemos estão muitos de nossos estudantes. Criar o impossível é ainda enxergar alguma perspectiva sendo pobre no Brasil. Criar o impossível é o mutirão que alimenta o morador de rua. Criar o impossível é não desviar os parcos recursos da saúde e da educação. Criar o impossível é ainda esperançar diante de nossa realidade.  Porque criar o impossível não pode ser apenas, miseravelmente, sobreviver.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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