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    Adilson Roberto Gonçalves

    Pesquisador científico em Campinas-SP

    206 artigos

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    Crimes e troca

    Na superação de tais desafios, não surpreenderia um afastamento de Bolsonaro por ordem médica e até uma renúncia negociada. As forças progressistas precisam estar atentas a isso, pois, perdendo o foro privilegiado, Jair Bolsonaro deve responder pelos crimes que cometeu e pelos que ainda cometerá até seu impeachment

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    Voltou à discussão a possibilidade de afastamento do presidente da República por insanidade mental, motivo não previsto na Constituição Federal e na legislação brasileira. Ainda que se constate a insanidade, que não é razão legal para impeachment, os crimes de responsabilidade de Jair Bolsonaro são praticados há muito tempo. A dúvida recai sobre quais os melhores argumentos serão usados no processo que está na iminência de acontecer.

    O vice-presidente e general Hamilton Mourão enalteceu o golpe cívico-militar de 1964, por ele rotulado de ‘movimento revolucionário’, também incorrendo em crime de apologia à ditadura, mas acenando para os correligionários da extrema direita. Face à catastrófica condução da crise da pandemia de coronavírus por Bolsonaro, houve algumas poucas manifestações de grupos mais progressistas – a chamada esquerda – pregando o impeachment de Bolsonaro para que Mourão assumisse. Isso, obviamente é uma postura equivocada da esquerda, pois a única solução democrática viável e de proteção aos interesses nacionais é a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão pelos crimes eleitorais que promoveu, especialmente o disparo em massa de mensagens mentirosas, fartamente comprovada e sequer analisada pela Justiça brasileira. Isso é o desejável, mas não acontecerá.

    No entanto, tal manifestação serviu de alerta nas altas esferas do poder, o que leva a uma leitura provável de que a saída de Bolsonaro já está sendo articulada pelos militares e que o estapafúrdio aceno da esquerda contaminou o processo, pois não vão querer que o impeachment de Bolsonaro tenha a oposição como protagonista. A manifestação criminosa de Mourão foi um aviso de que ele continua sendo o representante da extrema direita, acalmando seus cerca de 30% de adeptos. Ou seja, a linha dura retrógrada continuaria no poder, mesmo com a saída de Bolsonaro. A esquerda ficará em situação inusitada, pois não votará a favor de Bolsonaro, mas não pode receber a pecha de conivência e aceitação de um novo governo Mourão. Seu voto será pelo impeachment, mas haverá discursos duros e enfáticos de que o caminho a seguir não significa alinhamento com o governo do vice, mantendo-se na oposição. Discurso inócuo. Mourão, por seu turno tem ao menos cinco frentes de atuação e eliminação de obstáculos:

    1. Tem de convencer que não é Temer para desdizer tudo o que fora aprovado nas urnas, ainda que sua chapa tenha um plano de governo superficial e omisso, que não foi debatido durante o período eleitoral pela ausência de Bolsonaro, seguindo, exclusiva e especificamente naquela ocasião, recomendações médicas;

    2. Manter a base de apoio na população. Pesquisa mostra que os que acreditam nas patacoadas do governo são ricos, idosos e evangélicos. Não é à toa que as emissoras de TV ligadas à crença religiosa são as que mais receberam recursos federais para a campanha da reforma da Previdência Social e fazem um noticiário tendencioso, buscando apenas mostrar o lado bom do governo e da pandemia em que vivemos.

    3. A lotação de cargos e ministérios já está militarizada – até a Casa Civil é ocupada por um militar – e, portanto, resolvida. Talvez haja apenas alterações de nomes, não de conteúdos;

    4. Os votos no Congresso para Mourão assumir não serão grande obstáculo, obtidos facilmente por troca de emendas parlamentares como tem sido feito até aqui;

    5. A familícia Bolsonaro é forte, retratando um grupo pequeno em importância, mas ainda com grande penetração nas redes sociais. O desafio será restringir a importância do gabinete de ódio e substituí-lo por algo inócuo para convencer o gado bolsominion de que é o caminho certo a fazer.

    Na superação de tais desafios, não surpreenderia um afastamento de Bolsonaro por ordem médica e até uma renúncia negociada. As forças progressistas precisam estar atentas a isso, pois, perdendo o foro privilegiado, Jair Bolsonaro deve responder pelos crimes que cometeu e pelos que ainda cometerá até seu impeachment.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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