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    Helena Iono

    Jornalista e produtora de TV, correspondente em Buenos Aires

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    Cristina Kirchner desmonta o lawfare da Causa pelo memorandum com Irã

    Neste 17 de julho, a atual vice-presidenta e ex-presidenta (2007/2015), Cristina Kirchner, numa audiência pública perante o Tribunal Federal Oral (TOF 8), deu uma aula magistral e comovedora de jurisprudência e politica

    (Foto: Reuters UK)

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    Neste 17 de julho, a atual vice-presidenta e ex-presidenta (2007/2015), Cristina Kirchner, numa audiência pública perante o Tribunal Federal Oral (TOF 8), deu uma aula magistral e comovedora de jurisprudência e politica. Através do zoom por youtube ao qual assistiram ao vivo cerca de 23.800 pessoas, desmontou a teia de aranha do lawfare que o macrismo lhe armou com a acusação de traição à Pátria na “Causa pelo memorando com o Irã”. Assista intervenção completa.

    De que se trata esta causa? 

    Há 27 anos, em 1994, durante o governo de Menen, uma terrível explosão na AMIA (Associação Mutual Israelita) provocou a morte de 86 pessoas e cerca de 300 feridos, cuja causa até hoje a Justiça não descobriu. Cristina Kirchner conta que em 1996 era senadora e se interessou pelo tema e participou de uma Comissão Bicameral que funcionou até 2001, para seguir os casos dos atentados à embaixada de Israel (1992) e à AMIA (1994). 

    O atentado à AMIA foi um fato que provocou enorme comoção e preocupação na Argentina, com consequências políticas internas e externas.  A causa judicial permaneceu estagnada por vários anos, e foi retomada somente nos governos de Néstor/Cristina Kirchner.  Na busca pela verdade e pelo respeito aos direitos humanos dos familiares e das vítimas, estes governos kirchneristas criaram a Procuradoria especial pela causa AMIA, chamada UFI-AMIA. Desde então, o promotor Alberto Nisman foi encarregado pela causa. Mas, posteriormente, este se transformou num herói midiático, num agente do chamado partido judicial, dos poderes hegemônicos (Clarin, La Nación e do grupo Magnetto) e dos serviços de inteligência argentinos (SIDE e depois AFI), historicamente tutelados pelos EUA e Israel. Nisman, arma a acusação sobre supostos responsáveis do atentado à AMIA contra cidadãos iranianos e membros do governo do Irã, incluindo o Hezbolá do Líbano.

    Em 2013, Cristina Kirchner e o seu ministro das Relações Exteriores, Héctor Timerman (falecido de câncer em fins de 2018, após um impiedoso linchamento midiático), com a intenção de seguir adiante na busca da verdade, firmam um memorando de entendimento Argentina-Irã (na gestão do ex-presidente Ahmadinejad), aprovado pelo Parlamento argentino, para que se pudessem tomar declarações dos imputados iranianos no seu próprio país, sem que se suspendesses os alertas vermelhos da Interpol.

    A ex-presidenta expõe, no final veemente e comovedor do seu pronunciamento perante o Tribunal, uma foto dela e do ex-presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, que na época era publicada nas revistas e jornais da mídia internacional, em inglês: “Argentina e Irã, aliança vergonhosa. Um pacto com o diabo?”

    Cristina diz na sua apelação no Tribunal: “Este acordo que havia sido assinado em janeiro de 2013 tinha o único objetivo de conseguir que os acusados de haver sido os autores ideológicos do atentado contra a Mutual Israelita pudessem ser indagados pelo juiz, pois sem indagatória não havia possibilidade de processamento e muito menos de julgamento”. Leia detalhes no artigo de R. Kollmann sobre como os representantes da Interpol desmentem as acusações de Nisman de que Cristina/Timerman fizeram gestões para suspender as ordens para a captura dos cidadãos iranianos acusados.


    Em janeiro de 2015 (ano eleitoral), o promotor Nisman, sempre sob os ditames dos EUA, formulou uma denúncia contra a presidenta Cristina Kirchner e o chanceler Timerman, de encobrimento aos iranianos imputados, acusando-os de “traição à pátria“.  Quatro dias depois Nisman apareceu morto . No documentário – "O promotor, a presidenta e o espião" – se revelam situações pessoais e políticas vividas por ele, como um provável suicida, constringido a declarar inverdades contra a  ex-presidenta Cristina Kirchner, perante o Parlamento. Até hoje, a oposição política tenta acusá-la midiaticamente pela morte de Nisman. O escritor, Pablo Duggan, autor do livro ¿Quem matou Nisman? argumenta sobre a hipótese do suicídio.


    Cristina Kirchner, uma das maiores vítimas do lawfare, com fibra e sabedoria política de quem não defende a si mesma, mas a verdade histórica das maiorias pobres e injustiçadas do planeta, esmiúça a Causa do Memorando com o Irã e defende a dignidade de Timerman, Larroque e todos os acusados como Carlos Zannini, Luis D’Elia,  e outros perseguidos sem prova, por delito de encobrimento. “Isso é um disparate judicial, institucional e político” (...) “Estamos acusados de encobrir o atentado, gente que não tinha nenhum tipo de responsabilidade institucional, nem conexão no tempo e no espaço com esse delito; delito este, ainda impune. A impunidade do atentado é produto desta manobra politica que se deu à causa”. A advogada Graciana Peñafort do ex-chanceler Timerman, também expôs uma comovedora defesa e leitura de suas palavras antes de morrer de câncer, acusado, e sem poder ver sua absolvição.

    O juiz federal Daniel Rafecas havia encerrado a causa em fevereiro de 2015 por inexistência de delito, segundo as normas do Direito, confirmadas na Câmara de Apelações. Mas em fins de dezembro de 2016, já eleito presidente, Maurício Macri, o processo pelo Memorando é reaberto.

    Os autores desta Causa de lawfare
    Assim que Macri ocupa o poder político, o lawfare e a perseguição aos seus opositores se apodera na Argentina. A exposição da ex-presidenta Cristina, sobre todos os fatos ocorridos nos 4 anos de macrismo, põe à luz fatos e nomes que desnudam o conluio entre vários juízes indicados a dedo pelo Executivo e a mídia hegemônica, para perseguir opositores:

    “Nos primeiros dias começaram a surgir fatos institucionais graves, com a clara intenção de tomar controle do poder judicial por parte do executivo para usá-lo como instrumento de perseguição a opositores políticos”. (..) “Tudo isso ocorreu na Argentina durante os quatro anos do governo de Maurício Macri, enquanto este falava de independência do Poder Judicial”.

    Cristina revela como todas as causas contra a ela caíam nas mãos dos mesmos juízes de primeira instancia, como Claudio Bonadio (uma espécie de Moro, já falecido) e Julián Ercolini. E todas terminavam na Câmara de Cassação superior controlada automaticamente pelos juízes Gustavo Hornos e Mariano Borinsky, que foram comprovadamente denunciados de visitas constantes ao ex-presidente Macri na sua residência de Olivos e na Casa Rosada. Isso sem contar outros juízes indicados a dedo pelo Executivo, como Leopoldo Bruglia e Pablo Bertuzzi, que compunham a famosa doutrina Irurzun que permitia a prisão preventiva de um funcionário do governo anterior, sem que tivesse sido condenado. 

    Cristina citou também procuradores agora processados como Carlos Stornelli, responsável pela perseguição montada contra políticos kirchneristas e empresários na causa dos Cadernos, através de “arrependidos”(delatores premiados); e um operador judicial de Macri como Pepin Rodriguez Simon, processado e prófugo no Uruguai. São tantas as garras do lawfare que atingiram a inolvidável e injustiçada líder social, e deputada do Parlatino, Milagro Salas, ainda presa pelo governador Gerardo Morales de Jujuy, desde o início da gestão macrista. Enfim, essa é a teia tenebrosa do lawfare na Argentina, denunciada por Cristina Kirchner:

    “Querem fazer crer que todas estas causas judiciais são legítimas e legais. Nunca vi uma ilegalidade, ilicitude deste tamanho! Juízes mentindo acerca dos seus próprios atos vinculados com suas próprias causas nas quais são juízes. É uma escândalo monumental! Nunca visto! E isso é tolerado. É ocultado ou dissimulado pelos grandes meios hegemônicos.”

    O pedido de anulação da causa já foi feito pelo Dr. Carlos Beraldi e o corpo de advogados, com chances de aprovação no TOF 8.  O que fica claro da intervenção da ex-presidenta é que urge finalizar a votação da Reforma Judicial, proposta pelo presidente Alberto Fernandez, na Câmara dos Deputados e já aprovada no Senado. Os apoiadores da Frente de Todos pressionam por agilizar os mecanismos constitucionais e políticos e remover os empecilhos para uma Justiça verdadeira na Argentina.

    A raiz desta Causa do Memorando

    Com um desfecho contundente e comovedor, Cristina Kirchner expôs a razão econômica-política central por trás desta Causa do Memorando com o Irã. Entre 2014/2015, o seu governo que contava com Axel Kicilloff,  então ministro da economia, finalizava os acordos para a renegociação do pagamento da dívida externa com os seus credores. Os Fundos Abutres, haviam declarado guerra à Argentina e insistiam em cobrar com altíssimos juros. 

    “Naquela época o chanceler, Timerman, num triunfo diplomático ressonante, havia conseguido aprovar na ONU uma legislaçãoo global em que se estabelecia como deviam negociar-se as dívidas soberanas dos países. Graças a essa lei, agora se requer que 66% dos países estejam de acordo com a reestruturação das dívidas”. 

    Nesse momento, Cristina expôs a foto de uma revista internacional, financiada por lobistas dos Fundos Abutres, que fazia campanha contra o memorando com o Irã. “Pagados pela Task Force da Argentina, tropas de choque dos Fundos Abutres para conseguir torcer nossa mão. Quiseram dobrar as minhas mãos, há anos, para que pagasse uma quantidade enorme e me neguei. (..) : Queriam que pagássemos, dizendo que depois vinha a bonança. Era injusto que pagássemos aos que representavam somente 7% dos credores. Não pode ser!”. 


    Para encerrar, expôs um gráfico sobre a evolução da dívida em relação ao PBI. “Em 2004 devíamos 116% do PBI. Em 2015, quando termina o nosso governo, 37,4% do PBI”. Agora no fim do governo Macri em 2019, a curva da dívida subiu a 72,6% do PBI. Isso se deu graças à perseguição a dirigentes do governo peronista-kirchnerista e à colocação de macristas em postos da Procuradoria Geral da República, da Oficina Anti-corrupção (OA), Unidade de Informação Financeira (UIF) com funcionários do FMI e do Banco HSBC. Depois da completa radiografia na fala de Cristina Kirchner, não resta dúvidas de que o chamado lawfare serve para sustentar poderosos grupos financeiros internacionais.
    Cristina Kirchner finaliza:

     “Não posso acreditar que a 27 anos da tragédia da AMIA, estamos ainda discutindo isto, que é uma montagem mentirosa para ganhar eleições (este ano há eleições legislativas) e para colocar a culpa naqueles que, bem ou mal, podemos dizer que, quando tivemos que governar a Argentina, o fizemos para as pessoas poderem viver melhor”.


    Antes de fechar este artigo, foi notificado que Maurício Macri e sua ex-ministra de Segurança, Patrícia Bullrich, acabam de ser acusados e serão investigados pelo envio da Argentina de um arsenal de 70 mil munições e material repressivo contra o povo irmão da Bolívia, em novembro-2019, apoiando o golpe militar contra o ex-presidente Evo Morales. O lawfare dos “golpes suaves” através da Justiça e das fakenews, se desmascara com a atuação de Macri neste golpe boliviano. Quando a forma suave fracassa, o golpe apela para a força. Fica evidente a sintonia entre lawfare e Plano Condor contra a democracia, a justiça e o bem estar dos povos. Fica claro também que o lawfare não é nacional, mas é internacional.

    A intervenção de Cristina Kirchner não é uma simples autodefesa do kirchnerismo em uma das tantas causas judiciais. É uma denúncia completa do mecanismo do lawfare inerente a vários processos na América Latina de imposição do neo-liberalismo sob as asas do Plano Condor; é um alerta e um chamado a pôr um ponto final a esse mecanismo de perseguição e golpe judicial-político-midiático que se repetiu na Bolívia, no Equador e no Brasil, em todas as campanhas eleitorais (Peru), e nos ataques a todos os partidos, movimentos (Colômbia e Chile) e governos (Cuba, Venezuela, Nicarágua) que tentem questionar as políticas do poder e do establishment dos EUA, sobretudo quando se alinham à Rússia e à China.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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