TV 247 logo
    Carlos Carvalho avatar

    Carlos Carvalho

    Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

    119 artigos

    HOME > blog

    Dalton Trevisan: vampiros não dizem adeus

    O escritor Dalton Trevisan foi embora, mas Nelsinho, o vampiro de Curitiba, continuará por aqui até o fim dos tempos

    Dalton Trevisan (Foto: Edição/247)

    ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

    Diz a lenda que o vampiro só entra na sua casa quando é convidado. Se é fato ou ficção, não sei. Só sei que foi assim que, abusando da minha boa vontade e do meu interesse em desbravar o mundo através da literatura, que Nelsinho, o vampiro de Curitiba, se instalou nas prateleiras das parcas estantes da minha casa, e de onde nunca mais saiu. Mudei de casa algumas vezes, mas aonde quer que eu fosse lá estava o vampiro. Contudo, ao contrário do que faz o vampiro gótico tradicional, Nelsinho jamais enfiou suas presas (dizem que ele tem uma presa cariada) no meu pescoço, com a intenção traiçoeira de sugar meu diabético sangue. 

    Na época em que Nelsinho me seduziu e me obrigou a segui-lo pelas noites suburbanas em busca da sua Curitiba perdida, eu era apenas mais um rapaz latino-americano sem parentes militares e nascido nas plagas por onde já caminhara Iracema. Não tinha vindo do interior. Era um bicho urbanoide, sem dinheiro no banco, mas com uns míseros trocados no bolso, que me permitiam entrar em um sebo e sair com meia dúzia de livros usados, consciente de que “nada é divino, nada é maravilhoso”. E foi assim que, aos 16, 17 anos, deparei-me com a literatura de Dalton Trevisan (1925 – 2024). Num átimo, fui arrebatado por uma narrativa que ainda não compreendia o que era, mas sabia bem que era aquilo que havia buscado. 

    Dizem que é praticamente impossível se livrar da maldição de um vampiro. Será? O que bem sei é que a bela “maldição Dalton Trevisan” se apossou de mim de tal forma, que vivi por anos sugando o “sangue” e o néctar daquelas linhas que me encantavam livro após livro, o que resultou em uma Dissertação, a primeira sobre Dalton Trevisan no Mestrado em Letras da Universidade Federal do Ceará. Conheci, é claro, outros autores, mas Dalton Trevisan se manteve em um lugar inarredável na minha formação leitora, ocupando um importante espaço nas estantes da minha biblioteca: o primeiro vampiro a gente nunca esquece. 

    Hoje, meus alunos e alunas do Curso de Letras na Universidade Estadual do Ceará sempre me ouvem falar de Dalton Trevisan, quando discorro sobre a arte de se escrever um conto, pois não há como falar do Conto em língua portuguesa sem falar de Dalton Trevisan, uma vez que tudo na contística do autor está exatamente onde deveria estar, ou seja, na sua narrativa nada sobra, nada falta. O uso que o autor faz da forma e do conteúdo, por exemplo, é algo simplesmente magistral. 

    Além disso, que já não é pouco, o que também fascina na literatura do autor de O Vampiro de Curitiba (1965) são os nomes das obras, que se constituem como um léxico especial e exclusivo do universo literário daltoniano. Como não ser seduzido por títulos como: Desastres do amor (1968), A faca no coração (1975), Abismo de rosas (1976), Capitu sou eu (2003) e Violetas e pavões (2009) entre inúmeros outros? No ano de 2023 Dalton Trevisan publicou uma Antologia pessoal, e há a possibilidade da reedição dos livros Sonata ao Luar (1945) e Sete anos de pastor (1948), que foram publicados, mas renegados pelo autor. Aguardemos.

    Dalton Trevisan morreu na segunda-feira, dia 09/12/2024, aos 99 anos, quase como um personagem dos seus próprios contos, como diria meu amigo Tiago Vale, deixando uma gigantesca contribuição à literatura brasileira. O escritor Dalton Trevisan foi embora, mas Nelsinho, o vampiro de Curitiba, continuará por aqui até o fim dos tempos, pois vampiros não dizem adeus. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

    iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

    Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

    Relacionados