De Manchester a Goiânia, os dois mundos do futebol, entre o campo e a escola
"Enquanto no Brasil os apaixonados por futebol, que tiveram a oportunidade de estudar numa boa escola, estão olhando para a encruzilhada futebol/estudo, na Inglaterra esse dilema não existe", escreve Ricardo Kotscho, do Jornalistas pela Democracia
Por Ricardo Kotscho, no Balaio do Kotscho e para o Jornalistas pela Democracia
Vamos mudar um pouco de assunto?
Depois dessa overdose carnavalesca e antes que a política volte da ressaca, prefiro falar hoje de uma história familiar que pode interessar a outras pessoas com filhos que querem ser jogadores de futebol, mas têm medo de largar a escola quando chega a hora de se profissionalizar.
É uma história de vida bonita, que deu certo, e pode ser a semente para evitar que, no futuro, o Brasil continue sendo apenas um país exportador de pé-de-obra para o futebol de outros países.
Algumas TVs brasileiras até já fizeram reportagens sobre esse assunto, lá na Inglaterra, onde parte da família do meu irmão foi morar três anos atrás.
Em dezembro de 2016, quando a coisa estava ficando cada vez feia por aqui, meu sobrinho Gustavo Kotscho resolveu dar um tempo.
Executivo de logística em grandes farmacêuticas, deixou para trás uma carreira profissional de sucesso, juntou a família e seus trapos, e foi se aventurar na Inglaterra.
Por razões que desconheço, foi parar em Manchester, uma cidade industrial, que nos últimos anos se tornou mais conhecida por ser uma fábrica de jogadores e grandes times de futebol.
Aos 41 anos, com boa condição financeira, Gustavo tinha ainda uma vida inteira toda pela frente para se aventurar e podia fazer isso.
Queria oferecer aos três filhos boas escolas e melhores condições de vida, sem medo de andar na rua.
O que ele não podia imaginar é que os três meninos, hoje com 17, 15 e 11 anos, fossem logo parar nas equipes de base do Manchester City, do gênio Pepe Gardiola, que comanda todas as categorias de futebol do clube.
Carregado de medalhas e troféus, o caçula Tales, craque da família que brilhou nos gramados ingleses com a sua poderosa canhotinha, já voltou para a base do Goiás. Lucca, o do meio, também deve voltar logo, e Nicolas, o mais velho, quer estudar estatística para aplicar no futebol.
Nos três anos que passaram em Manchester, eles conheceram uma outra realidade, onde o estudo e o futebol caminham juntos na formação dos jovens, uma rica experiência que Gustavo quer agora trazer para o Brasil.
No final do ano passado, a família voltou para Goiânia, cidade da família de sua mulher, a professora Juliana, que tem uma rede de escolas de inglês.
Enquanto os meninos aprendiam a jogar bola com técnica e método, e a falar inglês, Gustavo se formou técnico credenciado pela Federação Inglesa de Futebol (FA) e voltou cheio de planos:
“Vou me dedicar a um projeto para criar oportunidades de intercâmbio, com programas exclusivos para meninos e meninas apaixonados por futebol. Quero trazer profissionais ingleses para treinar a garotada aqui no Brasil e levar a turma para vivenciar o fantástico mundo dos grandes clubes da Premier League. Vamos começar em Goiânia e depois levar o projeto para outras cidades brasileiras”, planeja ele, todo animado.
Pedi ao sobrinho Gustavo, um dos poucos da família que não virou jornalista, como o pai, o premiado fotógrafo Ronaldo Kotscho, para me mandar um relato sobre a sua vivência em Manchester, onde ele descobriu como é possível conciliar o esporte com a escola, algo ainda longe da realidade do nosso país.
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No Brasil, o futebol profissional é um esporte elitista às avessas. Com raríssimas exceções, apenas os garotos que não têm a oportunidade estudar em boas escolas, e que por isso, infelizmente, terão opções profissionais limitadas quando entram na fase final das categorias de base, acabam seguindo na carreira.
Provavelmente por influência da minha paixão por futebol, meus três filhos gostam de jogar bola desde que começaram a andar. A grande maioria das minhas manhãs de sábado e domingo são passadas nos alambrados de campos de futebol. Não há um dia em que eu não escute pais agoniados, questionando-se sobre o futuro do seu filho quando chegar a hora de decidir entre o futebol e os estudos. Até que chega o temido dia dessa bifurcação! E agora?
Nos três anos que vivi com minha família em Manchester, pude descobrir uma realidade completamente diferente. Lá, o futebol, dentro ou fora das quatro linhas, masculino ou feminino, é uma profissão como outra qualquer, a parte física não tem preferência sobre a intelectual.
Até os 16 anos, quando termina a educação secundária na Inglaterra, todos os alunos ficam dentro das escolas das 08:30 às 15:30 hs, de segunda a sexta-feira. Os clubes, sejam eles de bairro ou profissionais, começam as suas atividades após as 17:00hs. As escolas, por sua vez, não massacram os alunos com tarefas de casa, justamente porque entendem que crianças e adolescentes devem ter tempo suficiente para brincar e praticar seu esporte. Há um planejamento integrado, pensado no desenvolvimento integral do ser humano.
Com 16 anos, enquanto no Brasil os apaixonados por futebol, que tiveram a oportunidade de estudar numa boa escola, estão olhando para a encruzilhada futebol/estudo, na Inglaterra esse dilema não existe. Lá, meninos e meninas que se destacaram no futebol até aquele momento, estão entrando nos programas chamados “Football Apprenticeship jobs”. São empregos em clubes de futebol, onde o atleta joga e recebe em troca uma ajuda de custo. Nesses programas, o jovem é obrigatoriamente matriculado num “college”, na maioria das vezes parceiro do clube, onde continuará seus estudos.
Além disso, a convivência entre atletas vindos de várias partes do mundo e com diversas realidades econômicas e sociais, enriquece a todos. É um modelo que nós brasileiros deveríamos olhar com carinho, ou continuaremos perdendo grandes talentos esportivos para os estudos e grandes talentos intelectuais para o esporte.
Para maiores detalhes, sigam meu instagram @gkotscho_football ou minha página do facebook.
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Vida que segue
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* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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