Decisão do Cade no caso Eldorado tem precedente histórico e serve de alerta: Brasil não admite concorrência desleal
Repercussão expôs a proximidade de parlamentares bolsonaristas com empresário indonésio suspeito de financiar ações da extrema direita
A decisão da Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre a situação de conflito de interesses na Eldorado Brasil Celulose S.A. expôs os vínculos de parlamentares de extrema direita com o grupo empresarial estrangeiro Paper Excellence.
O Cade suspendeu os direitos políticos da acionista minoritária CA Investment S.A. na governança da empresa, ao acatar uma representação do grupo nacional J&F, com provas que indicavam a interferência lesiva das C.A. Investment, empresa controlada pela Paper Excellence.
A C.A. Investment detém 49,41% das ações da Eldorado, e, embora minoritária, pode barrar decisões estratégicas, como fez recentemente, ao bloquear os planos de expansão da Eldorado.
O que é ruim para a fábrica brasileira, pode ser positivo para sua controladora, a Paper, já que esta possui indústrias em outros países que vendem celulose para os mesmos mercados disputados pela empresa brasileira, inclusive a China.
A Paper também anunciou que pretende instalar uma fábrica própria no mesmo Estado onde a Eldorado está sediada, o Mato Grosso do Sul. Além disso, com assentos no Conselho de Administração, a C.A. Investment tem acesso a informações estratégicas de uma concorrente da sua controladora, a Paper.
A J&F também apresentou acusou a C.A Investment de rejeitar propostas de governança, como a contratação de auditorias independentes.
Apesar dessas evidências de situação de conflito de interesses em prejuízo de uma empresa brasileira, três parlamentares do Partido Novo, Adriana Ventura (Novo-SP), Ricardo Salles (Novo-SP) e Marcel van Hattem (Novo-RS), saíram em defesa do grupo estrangeiro, com um requerimento de informações dirigido ao Ministério da Justiça, a que o Cade está vinculado.
“Nota-se que argumentos utilizados pela Eldorado, representando sua controladora, e acatados ainda que parcialmente ou preliminarmente pelo CADE, no caso concreto, não possuem razoabilidade nem fundamentação técnica, com tramitação excepcional considerando a praxe daquela entidade”, dizem os parlamentares, na justificativa do requerimento.
Os deputados ignoram ou fingem ignorar que a nota técnica que gerou a decisão da Superintendência elenca os motivos para fundamentá-la. Um deles é o precedente no caso da Usiminas x Companhia Siderúrgica Nacional, julgado em 2014.
A CSN, que atua no mercado de aços planos, o mesmo da Usiminas, tinha adquirido quase 20% das ações da concorrente. O caso foi parar no Cade, porque a Usiminas não queria continuar abrigando representantes da CSN na sua administração.
E por que deveria? Eram raposas no galinheiro.
A nota técnica elaborada no caso da Eldorado lembra a posição do Cade naquele episódio, em que se discutiu a concessão de uma medida preventiva para cessar abuso de poder político por parte da Companhia Siderúrgica Nacional.
“O Conselheiro Olavo Chinaglia consignou: ‘a) A CSN e as sociedades do grupo deverão abster-se de indicar, direta ou indiretamente, quaisquer membros para o Conselho de Administração, Conselho Fiscal e demais órgãos de gestão e fiscalização da USIMINAS; b) A CSN e as sociedades do seu grupo deverão abster-se de acessar, ou de implementar quaisquer medidas com o intuito de ou que possam facultar-lhes acesso a informações estratégicas ou que possam ter impactos na dinâmica de concorrência, tais como, mas não se limitando a, critérios de precificação, planos de investimento, associações empresariais de qualquer espécie e relacionamento com clientes, salvo na medida em que tais informações tenham sido veiculadas de forma legítima para o mercado de capitais; c) a CSN e as sociedades do seu grupo deverão abster-se de exercer quaisquer direitos decorrentes de sua participação acionária na USIMINAS, principalmente os direitos políticos de convocação e voto em Assembleia Geral, ressalvando o exercício de direitos meramente financeiros, como a participação nos dividendos da companhia”, registra a nota técnica
A posição de Chinaglia foi acompanhada pelos demais conselheiros. Veículos de extrema direita que defendem a Paper alegam que esta não atua no Brasil e, portanto, não se poderia alegar conflito de interesses.
Como não? Eldorado e Paper disputam o mesmo mercado mundial de celulose. Atrapalhando a produção da Eldorado, o que representa prejuízo ao Brasil, a C.A. Investment fortalece a Paper.
Talvez seja esta a razão da C.A. Investment defender que, em vez de financiar a expansão, a Eldorado deveria distribuir todo o seu resultado mais recente como dividendos.
A pergunta que não quer calar é: Por que a extrema direita está alinhada à Paper? A resposta pode estar no financiamento de movimentos extremistas.
Sabe-se que seu antigo executivo, Josmar Verillo, é um militante de extrema direita, que promoveu nas redes sociais ataques ao presidente Lula, à primeira-dama Janja, ao então ministro da Justiça Flávio Dino, e ao Supremo Tribunal Federal.
Quando esses ataques se tornaram públicos, Verillo deixou de falar em nome da Paper, mas continuou, indiretamente, vinculado ao grupo indonésio.
Parlamentares que defendem a Paper são os mesmos que realizaram, no primeiro ano do governo Bolsonaro, a CPI do BNDES, em que se atacou a J&F, sem apontar uma única prova de irregularidade da relação do grupo brasileiro com o banco de fomento.
O deputado Eduardo Bolsonaro, um dos líderes do movimento de extrema direita mundial, e o então vice-presidente Hamilton Mourão foram ao encontro do presidente da Paper, Jackson Widjaya na Ásia, e posaram para foto com um cheque fictício, numa clara ação de marketing favorável ao grupo.
A suspensão dos direitos políticos da CA Investment na Eldorado cria um precedente importante, destacando que a atuação de acionistas deve ser alinhada com os interesses da empresa, especialmente quando envolve concorrência direta. O Cade, ao intervir nesse caso, reforça a mensagem de que não tolerará abusos que comprometam a competitividade e a governança corporativa no país.
Essa decisão também serve de alerta para investidores estrangeiros que buscam espaço no mercado brasileiro, mostrando que as autoridades regulatórias estão atentas a práticas que possam desestabilizar a concorrência.
O autor dessa decisão saneadora, Alexandre Barreto de Souza, é funcionário público de carreira desde 1993. foi presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica de 2017 a 2021 e atuou em órgãos como Tesouro Nacional, Receita Federal, Senado Federal e Tribunal de Contas da União (TCU).
Doutorando em Ciência Política pela Universidade de Lisboa, mestre em Administração Pública pela Universidade de Brasília, especialista e bacharel em Administração Pública pela Universidade de Brasília, Barreto de Souza é conhecido pelas decisões corajosas e postura independente.
Antes de assumir a superintendência-geral do Cade, ocupou posições estratégicas no Tribunal de Contas da União (TCU) e no Ministério da Justiça, desenvolvendo expertise em análise de mercados, regulação e políticas públicas.
Em 2017, assumiu a presidência do Cade, posição que ocupou até 2021, sendo posteriormente nomeado superintendente-geral, cargo em que continua a desempenhar um papel central na análise e decisão de casos que envolvem a defesa da concorrência no Brasil.
A decisão de suspender os direitos políticos da CA Investments exemplifica a atenção de Barreto às situações que envolvem conflitos de interesses. Ele possui um histórico de decisões marcantes no Cade, sendo várias delas voltadas à prevenção de conflitos de interesse e concorrência desleal.
No TCU e no Cade, assessores lembram que o trabalho de Alexandre Barreto de Souza tem sido pautado pelo rigor técnico e pela busca de equilíbrio entre os interesses de mercado e a proteção da concorrência. Ao longo de sua carreira, ele reforçou o papel do Cade como uma instituição independente e alinhada aos princípios de governança e justiça econômica.
A decisão de Barreto no caso da Eldorado Brasil reforça não apenas sua trajetória, mas também o compromisso do Cade em combater práticas que possam comprometer a competitividade no mercado brasileiro. Sua liderança em casos emblemáticos consolida sua reputação como uma das figuras centrais na defesa econômica do país, protegendo empresas nacionais de interferências externas e promovendo um ambiente saudável para o crescimento econômico.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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