Decisão do STF deve reconduzir Eduardo Appio à 13a. Vara Federal em Curitiba
Jurista Pedro Serrano, que defende o juiz, diz que o ministro Tofolli mostrou as "incongruências" do TRF-4 e devolveu "a dignidade a Appio, no plano pessoal"
A consequência natural da decisão do ministro Dias Toffoli é a recondução de Eduardo Appio para a 13a. Vara Federal de Curitiba.
"A decisão do ministro Toffoli invalida a suspeição dele nos casos da Lava Jato e suspende o processo administrativo contra o juiz Appio. Ao suspender o processo administrativo, me parece óbvio que ele retorna ao cargo, porque não pode haver afastamento do cargo sem processo administrativo instaurado. Se está suspenso, está suspenso também o afastamento dele", disse o jurista Pedro Serrano, que defende Appio no processo administrativo e conduz as iniciativas para a recondução do juiz à 13a. Vara Federal.
"Se eles (TRF-4) negarem isso, vamos recorrer, como fizemos nesse caso e conseguimos vitória", acrescentou.
Os fundamentos da decisão de Toffoli são uma paulada no TRF-4, que havia afastado Appio sem lhe dar direito de defesa, com base em uma gravação feita pela filha de Sergio Moro, cujas decisões estavam sendo verificadas por Appio, no cumprimento do que é dever funcional deste.
Foi por iniciativa de Appio que a Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), realizou a correição na 13a. Vara Federal em Curitiba e também no TRF-4. Na semana passada, o resumo do relatório parcial confirmou as suspeitas de Appio. O texto do CNJ é citado por Toffoli na decisão desta terça-feira (19/09).
“O trabalho correcional encontrou uma gestão caótica no controle de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência firmados com o Ministério Público Federal e homologados pelo juízo da 13a Vara Federal de Curitiba", diz o relatório do CNJ, assinado pelo corregedor nacional, Luis Felipe Salomão, e citado por Toffoli.
Appio foi afastado pelo TRF-4 quatro dias depois de encaminhar ao CNJ o relato dos desmandos que encontrou na 13a. Vara Federal. Toffoli relata como ocorreu esse afastamento, ao determinar a suspensão do processo administrativo disciplinar contra ele.
O ministro menciona o envolvimento direto de Sergio Moro no movimento que levou a corte administrativa do TRF-4 a remover Appio da 13a. Vara Federal, obrigá-lo a devolver notebook e celular funcionais, e proibir a entrada dele no fórum da Justiça Federal.
Toffoli lembra que a origem do afastamento é uma gravação em vídeo de um telefonema no qual uma pessoa diz ao filho do desembargador Marcelo Malucelli que o pai dele anda aprontando. É um trote.
A gravação do telefonema-trote teria sido feita pela filha de Moro, que é namorada de João Eduardo, o filho do desembargador, e um laudo da PF informa que a voz do autor do telefonema se parece com a de Appio, mas não garante que seja dele.
João Eduardo também é sócio do ex-juiz e atual senador e da deputada federal Rosângela Moro, em um escritório de advocacia, além de ocupar um cargo de confiança no gabinete de um deputado estadual ligado a Sergio Moro.
Malucelli havia anulado decisões de Appio, apesar de estar impedido de atuar em processo de interesse de Moro, em razão das relações do filho com o ex-juiz. Malucelli omitia em suas decisões esse impedimento, razão pela qual passou a ser investigado pela Corregedoria Nacional de Justiça.
Moro também havia sido citado em situações que revelam indícios de crime por parte dele ou de pessoas ligada a ele. Foi no depoimento de Rodrigo Tacla Duran a Appio e no depoimento de Tony Garcia a Gabriela Hardt, em 2021 (este engavetado pela juíza). Cópias dos dois depoimentos haviam sido enviadas por Appio ao STF, por conta do foro por prerrogativa de função do senador.
É natural suspeitar que Moro, que teve ações expostas por Appio, quisesse o afastamento dele da 13a. Vara Federal.
Como o CNJ já investiga os desembargadores Malucelli e Loraci Flores de Lima e também a juíza Gabriela Hardt, não se justificaria que apenas o titular da 13a. Vara fique sob autoridade do TRF-4. E sujeito à ação de magistrados suspeitos.
"Por todo o complexo cenário aqui evidenciado, não há razão para que as reclamações disciplinares já instauradas em face dos desembargadores federais - Loraci Flores e de Lima e Marcelo Malucelli - e da juíza Gabriela Hardt tramitem perante o Conselho Nacional de Justiça e que apenas o juiz Eduardo Fernando Appio seja investigado disciplinarmente perante o Tribunal Regional Federal da 4a Região", escreveu o ministro do STF (abaixo, a íntegra da decisão de Toffoli.
"Para tanto, faz-se necessária, por ora, a suspensão do procedimento administrativo disciplinar em face do magistrado Eduardo Appio, notadamente enquanto se aguarda o desfecho da Correição Extraordinária promovida pela c. Corregedoria-Nacional de Justiça, a quem competirá, igualmente, analisar eventual avocação do referido processo disciplinar", afirmou ainda.
O ministro do STF diz com todas as letras que o relator dos casos da Lava Jato na 8a. Turma do TRF-4, Loraci Flores de Lima, desrespeita decisão do Supremo Tribunal Federal, reiteradamente, como a que declarou Appio suspeito, dia 6 de setembro, horas depois de Toffoli confirmar a anulação de todas as provas juntadas no processo de leniência da Odebrecht, por serem "imprestáveis".
"Esses gravíssimos fatos já seriam suficientes para a anulação integral da decisão proferida na exceção de suspeição, mas não é só. Como visto, constata-se que o relator da exceção de suspeição descumpriu frontal, consciente e voluntariamente reiteradas decisões desta Suprema Corte", afirmou Toffoli.
"Esse panorama revela o ambiente em que estão imersos os casos da operação Lava Jato e comunica-se, de igual modo, com o afastamento cautelar do magistrado Eduardo Fernando Appio", acrescentou.
Loraci Flores de Lima é irmão do delegado da Polícia Federal Luciano Flores de Lima, um dos mais ativos da Lava Jato, que presidiu o inquérito que levou à condução coercitiva de Lula e também à divulgação da interceptação telefônica ilegal da então presidente da república, Dilma Rousseff.
Descumprir ordem judicial, como faz Loraci Flores de Lima, não é apenas inadmissível para qualquer pessoa, especialmente magistrado, mas ilegal, comportamento punível com pena de prisão, conforme dispõe o artigo 330 do Código Penal. O infrator está sujeito à pena de de quinze dias a seis meses, além de multa.
Como a ação no TRF-4 é tomada com o concurso de mais pessoas, é preciso avaliar se os desembargadores não estariam também incorrendo em crime de formação de quadrilha.
A decisão de Toffoli ocorreu um dia depois de uma live na TV 247 em que o jurista Lenio Streck explicou o absurdo das decisões contra Eduardo Appio no TRF-4.
Lenio Streck lembrou que as graves irregularidades (talvez crimes, que serão apurados) encontradas na 13a. Vara Federal de Curitiba só estão sendo reveladas pela iniciativa de Appio. "E o que acontece com ele? É afastado".
E aqueles que Appio aponta como supostamente envolvidos na autoria ou acobertamento dos malfeitos estão entre os que o afastam, como é o caso Luiz Antonio Bonat, que sucedeu Moro na 13a. Vara Federal antes de ser nomeado desembargador do TRF-4 por Jair Bolsonaro.
Appio, que foi orientando de Lenio Streck na pós-graduação, viu a live e chegou a enviar dois superchats (comentários) e responder à manifestação de solidariedade de outros participantes. Um chegou a sugerir que ele fosse nomeado para o STF.
"O STF é para intelectuais como Lenio e Pedro Serrano. Muito me honraria poder voltar ao meu trabalho na 13a. Vara Federal", disse Appio.
Um dia depois, Appio terá seu desejo legítimo atendido. "A primeira condição está dada, que foi mostrar as incongruências do TRF-4. A decisão (do ministro Toffoli) desconstrói o caminho que o TRF-4 tem seguido e, por outro lado, suspende o processo contra ele, retoma uma condição digna dele, no plano pessoal", afirmou Serrano.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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