Deixando de conversa fiada
"Bolsonaro vai disputar a eleição tentando esconder seus erros com mentiras e malabarismos verbais, sem nada ter de positivo a apresentar. Ganha? É impossível garantir que não, mas é certo que suas chances são menores do que em 2018, quando eram pequenas", avalia Marcos Coimbra
Ao contrário do que talvez parecesse inevitável a quem acompanha a imprensa brasileira, Bolsonaro não caiu há duas semanas e não se tornou favorito a vencer a próxima eleição na semana seguinte. Apesar do agravamento da crise sanitária, nada de fundamental mudou naquilo que as elites querem dele e nada vai mudar na opinião pública em função das escolhas dos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados.
Bolsonaro não esteve perto de sofrer um processo de impeachment porque, conforme nos mostram todo dia, o que realmente interessa a nossas elites é o barulhinho do dinheiro entrando na caixa registradora. Enquanto acreditarem que vão continuar a enriquecer, não dão a mínima importância a outras coisas. No máximo, ficam desconfortáveis com a falta de modos e a breguice do capitão.
Mortes e doentes, por exemplo, entram em seus radares, mas estritamente como números para elaborar cenários. Afinal, se morrer gente demais, quem vai trabalhar e fazer funcionar a máquina de produzir lucros?
Os muito ricos de nosso país, os banqueiros e operadores do mercado financeiro, os altos poderes da República, os militares e os bilionários da mídia, em seu comportamento, não são muito diferentes do capitão Bolsonaro, em sua sociopatia e insensibilidade. Como ele, acreditam que todo mundo vai morrer mesmo e que não há motivo para tanto cuidado e cautela.
Afundamos em uma crise de saúde pública sem precedentes, com um idiota na presidência e outros zurrando ao redor. Sua condução da pandemia, ridícula desde o começo, tornou-se dramática na incompetência com que lidam com a falência do atendimento médico e os estrangulamentos da vacinação. Pergunta: isso muda alguma coisa no modo como a elite se comporta em relação ao governo? Não. Como disse o inacreditável presidente do Supremo Tribunal Federal, o impeachment de Bolsonaro ”seria um desastre para o País”.
Errou quem acreditou que a saída do capitão estava na ordem do dia. Errou quem supôs que seu governo havia atingido um volume inaceitável de fracassos e que sua amoralidade havia se tornado insuportável. Nossas elites deixaram evidente, outra vez, que não têm problemas com Bolsonaro.
A ilusão de que o impeachment estava próximo foi rapidamente desfeita com os resultados das eleições para as Mesas do Senado e Câmara. A vitória do Centrão e de nomes do agrado do Planalto nas duas Casas fez com que o clima de aparente fim da festa bolsonarista virasse da água para o vinho. Os mesmos comentaristas que achavam que Bolsonaro ia cair passaram a vê-lo como grande favorito em 2022.
Nem uma coisa era verdade, nem a segunda. O sucesso da galera do Centrão é irrelevante na eleição que se avizinha.
Existe um conceito difundido na análise politica brasileira, daqueles que parecem auto evidentes, mas que são o inverso. Do golpe militar de 1964 em diante, nunca tivemos um presidencialismo que se pudesse chamar “de coalizão”. No máximo, como confessa Fernando Henrique Cardoso, o que seria um “presidencialismo de cooptação”, um sistema onde o Executivo coopta parlamentares, mediante favores e recursos públicos, para obter apoio e fazer com que suas iniciativas tramitem sem problemas. Mais claramente, se quisermos: um “presidencialismo de aquisição”, no qual o Executivo simplesmente compra o apoio de que acredita precisar, principalmente através de nomeações e verbas para emendas parlamentares.
Até o atual governo, a aquisição desse apoio se deu na margem da constituição de maiorias parlamentares, formadas em torno do partido do presidente da República. Foi assim com FHC e nos governos do PT, mas não com o capitão. Como não tem partido, projeto ou propostas, a cara do bolsonarismo no Congresso é a do Centrão, que tampouco os tem e sempre foi marginal.
Haver políticos como esses na liderança do Congresso é apenas natural em um momento como o que atravessamos, com Bolsonaro, seu legítimo representante, no Executivo. Mas em nada aponta para um quadro favorável aos interesses do capitão na próxima eleição.
A qualidade do governo não vai melhorar, sua capacidade de responder aos problemas do País não vai aumentar. Continuaremos a ter um impressionante elenco de fracassos, a começar pela saúde e a economia, e incluindo a educação, o meio ambiente, as relações internacionais, a ciência, a tecnologia, a cultura e tudo o mais. Bolsonaro vai disputar a eleição tentando esconder seus erros com mentiras e malabarismos verbais, sem nada ter de positivo a apresentar.
Ganha? É impossível garantir que não, mas é certo que suas chances são menores do que em 2018, quando eram pequenas.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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