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    Eugênio Trivinho

    Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

    11 artigos

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    Destronem a rede genocida

    A aposta programática (que não se confunde com esperança) supõe que, para o desmantelamento institucional da rede genocida, a decência inconformada não tenha de pedir àqueles que podem desencadeá-lo que também coloquem seus cargos à disposição

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    Milhões de vozes iradas da sociedade civil pedem, há tempos, ao Congresso Nacional, ao Ministério Público Federal e ao Supremo Tribunal Federal o afastamento imediato do Presidente da República e seus asseclas

    Cui prodest scelus, is fecit.

     [Quem se beneficia 

                        de crime também o comete.]

    Cui bono?

                        [A quem interessa?]

    Provérbios gregos antigos

    Mais de 300 mil mortes por cepas do SARS-Cov-2, pico próximo a 4 mil enterros diários, e uma lentidão imunizadora sem precedentes (entre os países de economia desenvolvida e emergente), desde a circulação da primeira vacina.

    Ranqueado a marginal global, o Brasil ameaça a saúde pública e o bem-estar de todos os países. A seleta comprobatória passou a falar a língua franca, uma das mais influentes no mundo (conforme abaixo, em tradução quase literal):

    The New York Times:

    https://www.nytimes.com/2021/03/03/world/americas/brazil-covid-variant.amp.html;

    [Crise da COVID-19 no Brasil é um alerta para o mundo inteiro, dizem cientistas]

    The Washington Post:

    https://www.washingtonpost.com/world/2021/03/17/brazil-coronavirus-disaster-bolsonaro/?outputType=amp;

    [Desastre contínuo do coronavirus no Brasil é um problema global]

    The Wall Street Journal:

    https://www.wsj.com/amp/articles/covid-19-variant-rages-in-brazil-posing-global-risk-11616845889;

    [Variante da COVID-19 se torna mais agressiva no Brasil e coloca o mundo em risco]

    The Economist:

    https://www.economist.com/the-americas/2021/03/27/brazils-mismanagement-of-covid-19-threatens-the-world.

    [Má gestão da COVID-19 no Brasil ameaça o mundo]

    A aventura novata no Poder Executivo, sufragada pelo desaviso agora arrependido, revelou-se – grifo – genocida.

    O bolsonarismo como rede política é um escândalo histórico de indiferença dolosa e lesa-humanitária, que se explica pelo desejo insano de vencer, a qualquer custo, a "guerra cultural" em curso, projetada delirantemente para o século inteiro. Um vexame que rebaixa o país ao lodo no cenário internacional e envergonha toda uma população perplexa e acuada pelo medo da morte e pelo luto.

    Até quando as instituições republicanas e civis, responsáveis por decisões constitucionais e legais inadiáveis, permitirão que um mandatário pró-pandêmico, de antiexemplo sanitário na origem de tantos óbitos em nossas famílias e na dos vizinhos, continue, sem remorsos, no principal assento executivo da República, sustentado com impostos que obriga a higiene diametralmente oposta?

    Até quando as duas mesas do Congresso Nacional, a cúpula do Ministério Público Federal (MPF) e os históricos democratas do Supremo Tribunal Federal (STF) permitirão que um ferrenho adepto da mentira compulsiva e estratégica como razão de Estado (1), corresponsável pelo maior vandalismo sanitário da história política brasileira, na linhagem caricata da escola romana antiga e quejandos, todos cruentos – como a população atenta, e irada, passou a inferir e a ouvir, nas entrelinhas e aos quatro cantos, à luz inspiradora da Carta Magna de 1988 e da imorredoura imaginação antiautoritária de Guimarães e Graciliano: trata-se, não tem jeito, de um sub-Tibério, um proto-Calígula, um fantoche de Nero, ignaro sequaz de Domiciano, um Cômodo fake, um Caracala estrito, Heliogábalo pusilânime, um jactante da insolência, à “generalete” extrapatente, prosélito de segunda mão de Ricardo III e Hitler –, até quando, repita-se, permitirão que ele, fürherzinho à Mussolini de esquina, prostrado aprendiz de Pinochet, continue a bradar ares de mouco, semeando delinquência institucional e social sem precedentes na história republicana? Somente neofascistas, supremacistas e terraplanistas vestem biombo tosco, da testa às ventas – assevera, boquiaberta, a indignação.

    Cinza-pálida, essa aquarela metafórico-literária do mal, contra o qual se avultaram Arendt, Castoriadis e Ricoeur, entre outros, jamais será culpa das vítimas atuais do féretro induzido. O débito, milionário, foi contraído pelo próprio hóspede do Palácio do Planalto, antes da cadeira: um gigantesco déficit de solidariedade, a partir de 1955. O mandatário deve desculpas ao Brasil e ao mundo.

    A legitimidade de tantos deprimentes adjetivos, arroláveis facilmente à sombra pública da história do horror, tem, entre nós, repercussão imediata, expressa nesta indagação também básica: acaso a aura do mais alto assento republicano, antes próxima de um glamour político e jurídico incomparável, se desgraçou tanto para restar abaixo de porões malditos -- com todos os seletos discordantes agora acovardados, na fila conivente de títeres e lacaios?

    Em particular, quando a Procuradoria Geral da República (PGR) cessará 

    de sangrar a seriedade e a isenção do Ministério Público Federal para, enfim, cumprir, sem simulação, funções constitucionais que deveriam levá-la a acolher e desdobrar a representação feita pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), referendada pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns)? Quando a PGR interromperá o longo silêncio e a politização da instituição para abrir denúncia contra o hóspede do Palácio no STF, em razão da catástrofe da administração federal na crise pandêmica? (2)

    Acaso o inominável precisará dar às escâncaras mais escombros de ação pública em favor da escabrosidade para ferir de morte o pétreo preceito constitucional da dignidade humana?

    A garganta asfixiada – “Não posso respirar” – de George Floyd e de todos os negros se universalizou. No Brasil, a homenagem a eles e a todas as vítimas da COVID-19 içará novo marco com o destronamento do ocupante-mor de Brasília.

    E não nos depreciem os ardis: a cabeça tem falange armazém de pólvora afora, especialmente na linha de frente. Deleuze inspira a nota: esta prole é rizoma – o rizoma genocida –, ora explícito, ora ocluso. Em bronca fidelização, envolve todos com comportamento e discurso pró-pandêmicos e com seus inacreditáveis procedimentos higiênicos, de escárnio a cuidados. Inclui, obviamente, a fleuma de lentidão na tomada de providências institucionais e administrativas contra a propagação das cepas viróticas.

    Quando as autoridades executivas do parlamento federal mobilizarão, com coragem irreversível, os recursos democráticos vigentes para interromper a sanha dessa megacorruptela constitucional e mortuária e dispersar sua malta de apoio, que jamais poderia ter alcançado o poder de Estado?

    Esperarão as chefias legislativas e judiciárias brasilienses o marco de 400, 500 mil mortes? Talvez um milhão?

    A decência não precisa estar irada para cumprir a ortodoxia de seu mister – ela não trafica conveniências --: parem!

    Nem um dia mais de mandato de carnificina, selada a dinheiro público. Nem uma hora mais de caos social fabricado, nem de colapso nos hospitais de milhares de cidades. Nem um minuto mais de perda de vidas.

    Chega de contínuo vilipêndio ao decoro do cargo maior e à Constituição Federal. Chega de crime de responsabilidade, sem nenhuma apuração. Cumplicidade e inércia são outros nomes para assassinato em massa. A decisão que não vem, sob pressão multilateral e recorrente, põe igualmente o genocídio nas mãos dos covardes do oficialato.

    Essa "panela de pressão" não pode continuar estourando nos ombros dos profissionais da saúde e no colo da população, sobretudo a vulnerável, periférica e pobre.

    Na estatística grosseira, 1 hora representa mais de 100 mortes. Passou 1 minuto agora: são dois ou mais lutos. Passou 1 segundo: centenas de entubados.

    A história da cultura ocidental proverbia (como nas epígrafes) que quem não toma providências, e tem poderes ou chance para tal, comunga do sinistro. Quererão limpar-se depois da pecha de crime contra-humanitário?

    Que a história política, a contar pelas próximas eleições, não perdoe ninguém de estirpes carmins, em plena reta para a comemoração dos 35 anos da Carta Magna.

    A aposta programática (que não se confunde com esperança) supõe que, para o desmantelamento institucional da rede genocida, a decência inconformada não tenha de pedir àqueles que podem desencadeá-lo que também coloquem seus cargos à disposição.

    Quanto à malta, tenha vida plena e vacinada (para não ameaçar a saúde alheia) -- longe igualmente dos estratos de governo e de Estado.

    Referências

    (1) Para seleta de mentiras e falseamentos, entre invenções, exageros e imprecisões – este labor de desinformação em prol da tal “guerra cultural” –, ver https://www.aosfatos.org/todas-as-declara%C3%A7%C3%B5es-de-bolsonaro.

    (2) Mais detalhes sobre a representação da OAB e da Comissão Arns em https://www.cartacapital.com.br/politica/comissao-arns-e-oab-se-unem-para-cobrar-de-aras-processo-contra-bolsonaro.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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