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Pedro Cláudio Cunca Bocayuva

Professor do PPDH do NEPP-DH/UFRJ

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Diante da guerra: soberania e barbárie

Como produzir a trégua e a paz armada entendendo a força dos complexos militares

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Se na luta das fronteiras as guerras coloniais, a expansão imperialista e as rivalidades racistas, militaristas e nacionalistas mostram sua face soberanista com o uso da força no século XXI. Se nos momentos de declínio de um ciclo de hegemonia os poderes estatais difundem as dimensões do antagonismo geopolítico na redefinição de fronteiras como marcadores para reafirmar posições e construir monopólios ameaçados . As forças de potências declinantes se precipitam, definem cenários que ameaçam abrir a guerra por todo lado, mas com foco delirante no risco aniquilador. Uma forma perversa de adiar o reconhecimento do novo mapa do poder na direção de novas geografias e com o renascimento do "ReOriente". 

A partir das invasões e cruzadas neocoloniais atuais, das explosões das formas de terror do Estado e na sociedade, das lógicas genocidas nos aproximamos do que na crise geral do século XVII europeu foi chamado de "Estado de Natureza", com a generalização das guerras religiosas até a construção do direito à guerra nos termos do "paradigma Westfaliano". Referencia que não dá conta da análise das guerras na sua complexidade e amplitude de fenômeno social e de abrangência que afeta a totalidade da vida social. História e guerra estão sempre relacionadas na longa duração.

A fórmula antropocêntrica e o etnocentrismo da montagem e difusão das máquinas estatais nacionais, com seus aparatos bélicos desiguais, não conteve o fenômeno da guerra na era moderna. Como fenômeno da vida social se transforma, intensifica e se adapta. Os novos processos tecnológicos se combinam com formas seculares, a guerra transborda atualmente sem velamento e sem declaração formal, com suas invasões cada vez mais sem limites na cena internacional. Na era contemporânea, apesar de explosões revolucionárias pontuais, que acabam se submetendo ao padrão hegemônico constitutivo das ordens e ciclos do sistema mundo moderno colonial-capitalista, a forma da soberania com seus aparelhos repressivos e máquinas de guerra opera e define as fronteiras, muros e exclusões em meio a momentos de rebeldia e perda de monopólio do uso da força ou de fissuras na capacidade de operar na política como polícia. 

No momento me permito o risco de afirmar que uma leitura realista não pode se sustentar numa adesão superficial aos discursos dominantes "europeu-ocidental" e "russo", que acaba retirando o potencial de análise crítica para ler os mapas da cartografia dominante. Como desconstruir os discursos das formas totalitárias e dos processos mórbidos que constroem narrativas legitimadoras para a produção de cenários devastadores, como no Iraque, no Afeganistão, na Siria ou na Ucrânia. Basta ver o quadro das novas guerras norte-americanas. Resgatar a autodeterminação dos povos e as convenções e pactos interacionais ajuda, mas é preciso ir além na construção de limites para a militarização e a guerra na política internacional.   

Como chegamos a um quadro de escolhas tão perversas depois da Queda do Muro? Quais os processos que liberaram e permitiram entre 1989 e 2022 perdermos oportunidades únicas de criar uma outra mundialização? Teremos capacidade de compreender e formular alternativas, com algum cosmopolitismo realista, limitado diante dos antagonismos que deslocam a soberania pela via da guerra neoliberal contra as populações, assim como, pelas novas guerras neocoloniais. Guerras difusas travadas em fronteiras diversas que revelam os limites militares do uso da força. Vivemos a naturalização forçada da inevitável destruição e crueldade banalizadas, por força das guerras desiguais e golpes de Estado que só produzem ruína e dor, com a sensação de que a catástrofe se amplia com o calor, a sede, a fome e o medo.

Como sair das leituras simplistas que manipulam o sentimento residual de humanidade ou o sentimento nacionalista de tipo totalitário? Humanitarismo militarizado e prepotência cruzadística, avançam nas novas guerras envoltas pelo cinismo das diferenças culturais, com respaldo em ações da chamada guerra híbrida que destrói as instituições e as conquistas sociais. A razão instrumental delirante é a versão final do mito do progresso  da "destruição criativa" tecno-financeira, hoje a narrativa do ódio é alimentada pelo retorno dos arquétipos e mitos imperiais e patriarcais, que proliferam com a ampliação do ciberespaço destruindo a possibilidade do exercício da política. Aquela que questionaria o poder, por estar fora dos termos mórbidos da banalização da crueldade.  Como romper com as tendências  que acentuam a espetacularização e a sedução da barbárie, que se repetem na forma de uma hipervisibilidade que cega a consciência crítica?

A razão comunicativa não prospera diante do desenvolvimento desigual. Como produzir a trégua e a paz armada entendendo a força dos complexos militares, das paixões perversas e do imaginário que se identificam com a psicologia de massas do fascismo, nas suas distintas faces culturais e nacionais?

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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