Dinheiro na porta
Crônica de Carlos Castelo
Malaquias estava na mesma firma desde os funerais do general Dutra. Talvez um pouco menos, mas a sensação entre seus pares era por aí.
Falam que a pandemia de Covid-19 espalhou mais vírus do que vira-lata sarnento se coçando em ambiente fechado. No entanto, também espalhou muito bilhete azul pelo planeta azul.
Foi o caso do Malaquias. A sorte foi que, devido ao dilatadíssimo tempo de casa, seu Fundo de Garantia teve de ser entregue em um treminhão e dois carros-fortes. A dinheirama foi tanta que permitiu ao defenestrado abrir negócio próprio com pompa e circunstância. Sem sequer pedir nem 200 réis a parente, ou solicitar empréstimo consignado a banco, o inativo montou sua banca.
Como estávamos todos em apresamento coletivo, Malaquias decidiu ofertar ao bairro da Lapa de Baixo um novo serviço: o delivery de agiota. A situação financeira do paulistano, naquele momento epidêmico, estava mais para não conduzo, sou conduzido. Então, a escolha do novo empreendedor caiu no gosto dos moradores feito funchicórea em boca de recém-nascido.
Por outro lado, mesmo o negócio mais rentável do mercado, tem lá os seus senões. No caso de Malaquias, o problema era quando não estava com a mínima vontade de trabalhar. Nesses momentos, durante as décadas e décadas de CLT, mentia ao chefe que adoecera. Mas agora era ele o dono…
Certa segunda-feira cinzenta acordou mergulhado na ressaca, estufado, sem a menor vontade de labutar. Naquela manhã mesmo, afinal, solucionou o tal do fiapo de manga no ciso. Escanhoou-se, enternou-se, gravateou-se e foi até o espelho da sala.
- Estou com febre, patrão - disse de si para si.
- Tudo bem, Malaquias. Descanse e melhoras - sua imagem respondeu no ato.
Dali em diante, Malaquias passou a faltar ao serviço sempre que necessitasse. E nunca mais permitiu que o trabalho fosse o agiota da sua vida.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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