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    Gisele Federicce

    Diretora-geral e de redação

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    Discurso hegemônico e campanha de desinformação na guerra

    A narrativa que se vê na imprensa corporativa é o deságue de algo modelado previamente: a formação de cabeças pensantes nas áreas de humanas a partir dos EUA

    Jovem Pan exibe imagens de videogame como sendo de guerra na Ucrânia (Foto: Reprodução)

    Por Gisele Federicce

    Desde o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, uma frase recorrente tem sido: “a primeira vítima quando a guerra chega é a verdade”. Ela é atribuída ao senador americano Hiram Johnson e teria sido dita em 1917.

    Este é um bom gancho para tratar de desinformação. As ‘fake news’, como ficaram popularmente conhecidas, têm diversos formatos. Um deles - muito usado pela máquina de ódio bolsonarista - une um pedaço de informação verdadeira com um falso ou descontextualizado, criando uma peça totalmente distorcida, mas não completamente mentirosa, o que acaba trazendo a confusão completa. Vídeos, fotos e textos com essa composição foram muito usados na pandemia e em todo o processo eleitoral de 2018.

    Outro tipo é a narrativa escolhida de forma desonesta - que suprime algumas informações para dar destaque a outras. Não apenas sem equilíbrio, mas de forma manipuladora. Não à toa que, nas grandes corporações de mídia ocidentais, assistimos, ouvimos e lemos apenas histórias positivas de um lado - o país invadido - que transformam seu presidente, Volodymyr Zelensky, num herói sem defeitos, e negativas de outro, a dos russos. A população russa, nessa narrativa, deve pagar por todas as decisões sobre a guerra, estando dentro ou fora do país, e o presidente Vladimir Putin é o antagonismo de Zelensky: o vilão, pura e simplesmente. O discurso midiático recusa-se a informar que não há mocinhos e bandidos. Em vez disso, cria uma novela para retratar justamente os personagens com esses dois perfis. 

    Como explicou em entrevista à TV 247 o professor do departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense Afonso de Albuquerque, um dos maiores pesquisadores de mídia e comunicação política no País, a narrativa que se vê na imprensa corporativa é o deságue de algo modelado previamente: a formação de cabeças pensantes nas áreas de humanas a partir dos Estados Unidos e exportadas para o mundo todo através de think tanks e programas universitários com um único objetivo, tornar hegemônica no mundo a ideia de que o Ocidente é o exemplo de democracia e de modo de vida e pensamento. Os entrevistados nas mídias “mainstream” fazem parte desse ciclo de formação. Não é à toa que, quando alguém “sai da linha” no discurso, é praticamente expulso. No episódio da guerra, com o roteiro estabelecido, o alarme começa a tocar toda vez que alguém ousa apresentar o contraponto russo.

    Paralelamente, a União Europeia aproveitou a guerra para proibir agências de notícias financiadas pelo governo russo, como RT e Sputnik, de circular em todos os países que compõem o bloco. Facebook, Youtube e Google foram no mesmo caminho e decidiram desmonetizar canais e páginas da Rússia. O discurso foi de que estavam combatendo desinformação. Como disse o professor Afonso, com ironia, “a censura só existe quando vem de Rússia e China. Quando ela é feita pelos EUA, é combate à desinformação, é segurança nacional”. 21 anos depois do novo século, a guerra tomou outra proporção, cibernética.

    A tomada de consciência sobre a origem e motivação de cada discurso nas mídias e a visão crítica sobre as narrativas são o caminho mais educativo e efetivo no combate à desinformação. Conseguir identificar que uma reportagem está enviesada, descentralizada ou que uma cobertura jornalística se transformou numa máquina de campanha é um avanço significativo nesse processo. 

    Para estimular e capacitar as pessoas a se moverem criticamente entre as mídias, a TV 247 transmitirá a partir desta sexta-feira (4 de março) às 21h um curso de formação de agentes de combate à desinformação. Organizado e executado pela Rede Conecta, da Universidade Federal Fluminense (UFF), o curso terá 12 aulas com professores de universidades de todo o país e depois o módulo de formação de brigadistas que conhecerão as ferramentas para a ação. A abertura será de Thaiane Moreira de Oliveira (UFF). Ela oferecerá um panorama amplo sobre o contexto em que se dá a desinformação e os desafios no enfrentamento desse tema no campo da ciência; Lênio Streck (Unisinos) apresentará o aspecto jurídico e filosófico do tema; Sérgio Amadeu (UFABC) descreverá a plataformização e gestão algorítmica da informação; João Cezar de Castro Rocha; Afonso de Albuquerque tratará das agências de checagem; dois jornalistas do Brasil 247, Mario Vitor Santos e Joaquim de Carvalho, falarão sobre investigação jornalística e crítica do discurso midiático. Aline Paes apresentará técnicas de pesquisas e defesa no ambiente virtual. Outras professoras e professores participarão das aulas (veja a lista completa abaixo), com participação do público ao final de cada uma delas.

    Não é preciso se inscrever para participar, basta acompanhar a programação da TV 247 e a divulgação nas redes sociais para acompanhar os programas no Youtube, e nem pagar. Como há muita gente envolvida na execução de todo esse trabalho, foi criada uma campanha de contribuição voluntária que pode ser feita por pix ou pelo Catarse. Pix: apoio@conectaedu.com. Catarse: catarse.me/rede_conecta_apoio

    Link da primeira aula: Curso de combate à desinformação - Aula 1 (com Thaiane Oliveira)

    Organização e coordenação: Reynaldo Aragon Gonçalves, diretor-executivo da Rede Conecta


    Módulo 1: Definições conceituais e desafios contemporâneos no enfrentamento à desinformação no contexto de crise democrática

    Aula 1 + debate: A desinformação relacionada à Ciência e os desafios para enfrentá-la
    Com Thaiane Moreira De Oliveira - Comunicação UFF

    Aula 2 + debate: A epistemologia como combate à desinformação?
    Com Lênio Streck - Direito Unisinos

    Aula 3 + debate: A disputa pela verdade em plena sociedade inquisitorial
    Com Kant de Lima - Antropologia UFF

    Módulo 2: Ferramentas da linguagem e comportamento no contexto de desinformação 

    Aula 4 + debate: Análise crítica dos signos
    Com Guilherme Nery - Comunicação UFF

    Aula 5 + debate: O pensamento crítico, definido pela capacidade de questionar o sistema de crenças e o método científico
    Com Wagner de Lara Machado - Psicologia PUC-RS

    Aula 6 + debate
    Com João Cezar de Castro Rocha - Literatura Comparada UERJ

    Módulo 3: Ecossistema Midiático e Jornalístico na produção de sentidos no contexto de desinformação

    Aula 7 + debate: Fake news, pluralismo e crise das democracias
    Com Mario Vitor Santos - Jornalista do Brasil 247

    Aula 8 + debate: A relação entre fact-checking e democracia nas disputas políticas pela informação
    Com Afonso de Albuquerque - Comunicação UFF

    Aula 9 + debate: A importância da investigação responsável nos processos de produção jornalística
    Com Joaquim de Carvalho - Jornalista do Brasil 247

    Módulo 4: Tecnologias da informação e comunicação no enfrentamento à desinformação

    Aula 10 + debate: Os riscos que a opacidade algorítmica traz para a democracia
    Com Sergio Amadeu - Ciências Políticas - UFABC 

    Aula 11 + debate: Metodologias de pesquisa, regras para publicações e o impacto de revistas científicas
    Com Marcelo Freitas Montenegro - Instituto Karolinska Suécia

    Aula 12 + debate: Aspectos básicos de computação e o fenômeno de crença em notícias falsas
    Com Aline Paes - Computação UFF

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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