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    Luis Cosme Pinto

    Luis Cosme Pinto é carioca de Vila Isabel e vive em São Paulo. Tem 63 anos de idade e 37 de jornalismo. As crônicas que assina nascem em botecos e esquinas onde perambula em busca de histórias do dia a dia.

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    Disfarce

    Celso descobre uma carona diferente, que queima calorias em vez de combustível

    Pedestres (Foto: Pixabay)

    Perdiz bota ovo que nem galinha, cisca que nem galinha, mas não é galinha.

    Pinheiro é árvore que não dá fruto nem flor. Também é nome de rio e sobrenome de gente.

    Aqui em São Paulo, Perdizes e Pinheiros têm P maiúsculo. São dois bairros próximos e importantes. E é entre eles, a escalar ladeiras e alisar a sola do tênis, que acontece a nossa história.

    Sandro mora em Perdizes, Celso vive em Pinheiros. Os dois se olharam na faculdade e se tronaram amigos. Dividiram apartamento, aflições, alegrias e até o PFF, o Prato Feito Fundo da pensão da Lena.

    O único compartilhamento que não deu certo foi com a esfuziante Thaís. A moça  começou o namoro com um antes de terminar com o outro. Astuta, respondeu com charme ao perdedor enciumado. “Você fica muito mais bonito quando sorri, acaba com esse bico.” Até hoje os dois amigos evitam o assunto.

    Sandro e Celso marcaram o último encontro em Perdizes. Era o dia do rodízio do carro do Celso e Sandro trouxe a solução.  “Vou até aí e te dou uma carona.” Celso pensou:  “Por que vir de lá pra cá e depois voltar? Por que não se encontrar aqui mesmo no meu bairro? ”

    Pensou e calou para não contrariar o amigo.

    Birinaites, Catiripapos e Borogodó, de Luis Cosme Pinto
    Birinaites, Catiripapos e Borogodó, de Luis Cosme Pinto(Photo: Reprodução)Reprodução

    Na hora marcada, Sandro chamou Celso. Os dois caminharam juntos, 30, 50, 100 metros e nada do carro do Sandro. Celso desconfiou de traquinagem, mas alimentou a caminhada a tagarelar da aposentadoria, da final da Libertadores, do botox nas bochechas do prefeito.

    Como provoca a Sofia, mulher do Sandro, “esses dois têm solução pra tudo, ainda vão consertar o Brasil.”

    Foi aí que Celso, ofegante depois da terceira ladeira, quis saber afinal onde estava o carro de Sandro, que respondeu com sorriso maroto:

    - Na garagem de casa.

    - E a carona?

    - Ué, eu não disse que a carona era de carro. A carona é a pé.

    Celso riu da própria ingenuidade e, conformado, pagou a água de coco na avenida Sumaré.

    Mudaram de rua e aí foi Celso quem sugeriu o chiste, aprendido com a sobrinha Bruna, de 14 anos. Que tal descobrir o que está por trás do disfarce dessa gente? Basta cutucar a imaginação. Sandro levantou a sobrancelha, só a direita, como faz nos momentos de dificuldade.

    - Você vai se divertir, Sandro. Tá vendo aquele caminhoneiro que desceu para descarregar as caixas de refrigerante e agora faz alongamento?

    - Sei...

    - Ele está disfarçado de caminhoneiro. Isso tudo que a gente vê é teatro. Teatro da vida, entendeu?

    - Tá tudo bem com você?

    - Vamos imaginar, o tal caminhoneiro é casado e pai de dois filhos. A mãe das crianças é uma linda mulher, uma professora de Geografia de escola pública. Dois alagoanos que se acharam em São Paulo.

    - Saquei a brincadeira. Ele de Delmiro Gouveia e ela de Japaratinga. Somando as duas viagens são 5 mil quilômetros para se encontrar.

    - Sabia que você ia gostar, Sandro. Os outros motoristas reclamam porque não sabem que por trás de um caminhão tem uma família.

    - Por isso, ele acelera tanto na marginal. Não que seja um estressado ao volante. É pai saudoso, marido caloroso, amuado porque a mulher dará aula até a noite. Aquela buzinada não é raiva do carro da frente, é só um gesto de amor.

    - Não exagera...

    Sandro toma gosto.

    - Celso, tá vendo aquela moça?

    - Aquela disfarçada de ambulante, que vende meias?

    - Isso. É craque de bola. Deu azar e não passou na peneira do meu Corinthians, mas vale insistir. Chuta bem com a canhota. Lembra o Rivelino.

    A carona de três quilômetros já acabou. As calorias queimadas espantam a culpa do café da manhã, com fartura de rabanada e mortadela.

    Sandro oferece a carona de volta, agora por outras esquinas, com mais sombra e infinitos disfarces.

    A dupla só não sabe é que foi seguida de perto.

    Laura, não desgrudou de seus calcanhares. Disfarçada de dona de casa distraída, ela é espiã da conversa alheia. Ouve tudo, não esquece nada e depois presenteia um aventureiro qualquer da escrita.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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