E o motorista, quem responde pela vida do trabalhador?
Professora relata sequestro em veículo de aplicativo no Rio de Janeiro
A professora Ana Cláudia de Souza, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que chegou para uma capacitação na área da Educação, assiste ao roubo do carro de aplicativo que estava junto ao sequestro do motorista no Rio de Janeiro. Em um relato detalhado, ela descreve os momentos de terror que viveu na noite do incidente.
De acordo com a professora, após conseguir sair do carro pela porta traseira, ela correu para o meio da rua gritando por ajuda, mas ninguém atendeu. "Eu consegui sair pela outra porta e continuei gritando muito no meio da rua, muito, muito, muito. Ninguém atendeu, ninguém fez nada." Desesperada, tentou abrir o carro pelo porta-malas para ajudar o motorista, que ainda estava dentro do veículo. "Eu não consegui fazer diferente", disse ela. Em meio à confusão, alguém abriu a cancela, e o carro saiu acelerando e freando bruscamente. Dois funcionários de um pedágio a retiraram da pista, preocupados com sua segurança, mas sua única preocupação era com o motorista. "Eu só sabia dizer para eles: o motorista. Tem que achar o motorista."
A polícia foi acionada pelos funcionários do pedágio através do aplicativo da Uber, pois a professora estava nervosa demais para fazer o contato. Quando a polícia chegou, o motorista ainda estava sendo mantido refém dentro do carro, que havia sido forçado a abrir por homens armados. A professora conseguiu escapar ilesa fisicamente, mas além da experiência da violência emocional e da perda de seus objetos que foram levados com veículo, ficou profundamente preocupada com o destino do motorista.
Na delegacia, a professora registrou um boletim de ocorrência e entrou em contato com a Uber, mas a resposta da empresa foi insatisfatória. "Eles me disseram que se preocupam com a segurança dos passageiros e que lamentavam minha experiência, e que não iriam me cobrar os 85 reais", relatou. "Respondi que não é sobre 85 reais, é sobre a vida de um motorista trabalhador que estava sequestrado".
Além de tentar localizar o motorista, a professora critica a falta de segurança oferecida pela Uber e as autoridades locais. Ela menciona que um dos policiais se recusou a registrar o sequestro, alegando falta de dados, e que os funcionários do pedágio e a Uber falharam em fornecer a devida assistência. "Eu disse para o policial: eu não tenho os dados, a Uber tem os dados".
A professora destaca ainda o tratamento recebido pelas autoridades, mencionando comentários sexistas dos policiais sobre ela estar na rua à noite. "Dificilmente eles diriam isso para um homem, mas para uma mulher isso é facilmente dito", desabafou.
Finalmente, ela expressa sua indignação com a forma como a Uber e outras instituições lidaram com a situação e chama atenção para a necessidade de responsabilização dessas empresas. "As empresas tratam pessoas como números, só querem lucro. É preciso fazer algo para evitar outras vítimas".
A professora, que está no Rio de Janeiro para um período de capacitação, espera que a divulgação do caso ajude a localizar o motorista e responsabilizar os culpados. "Eu só quero saber do motorista, se ele está bem. A Uber e a polícia não dão qualquer informação sobre isso", concluiu.
Casos de sequestro a motoristas na Ilha do Governador
A situação relatada pela professora da UFSC se conecta diretamente com a crescente preocupação dos moradores da Ilha do Governador, na Zona Norte do Rio de Janeiro, sobre a segurança ao utilizar carros de aplicativos, denunciada a um mês pelo jornal “O Dia”. No fim de maio, a Polícia Civil começou a investigar uma série de sequestros e extorsões contra motoristas de aplicativos na Ilha, uma região onde os moradores já enfrentam dificuldades significativas para conseguir corridas.
Diante disso aumenta a dificuldade em encontrar motoristas dispostos a entrar na região devido ao aumento da percepção de risco. Um morador mencionou que deixou de usar aplicativos de transporte após a onda de sequestros e extorsões, destacando a relutância dos motoristas em aceitar corridas para a Ilha. "Infelizmente tive três corridas canceladas pelo seguinte motivo: 'a ilha está como área de risco e perigosa no Uber, não posso aceitar essa corrida'. Até que o quarto motorista aceitou, pois conhecia a Ilha e tive que mandar mensagem implorando pra não cancelar."
Esses relatos mostram um padrão de insegurança que afeta tanto passageiros quanto motoristas de aplicativos no Rio de Janeiro. A professora da UFSC enfatizou que a empresa não ofereceu suporte adequado após o incidente, focando em questões financeiras em vez da segurança dos envolvidos.
"Eles me disseram que se preocupam com a segurança dos passageiros e que lamentavam minha experiência, e que não iriam me cobrar os 85 reais. Respondi que não é sobre 85 reais, é sobre a vida de um motorista trabalhador que estava sequestrado."
O que dizem os responsáveis?
A Polícia Militar informou que reforçou o policiamento na região da Ilha do Governador, incluindo a utilização de veículos blindados e patrulhas de motocicletas. No caso da professora a delegacia não respondeu ao chamado.
A Uber informa em seu aplicativo que condena veementemente qualquer ato de violência contra seus motoristas e se coloca à disposição das autoridades para colaborar com as investigações. A empresa também lamenta profundamente os incidentes e reforça seu compromisso com a segurança dos motoristas e passageiros.
Quanto à responsabilidade da concessionária de pedágio na Linha Amarela, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabelece que a concessionária não tem responsabilidade civil por crimes cometidos na fila de pedágio, como assaltos ou sequestros. Esses eventos são considerados fortuitos externos, ou seja, fatos de terceiros que rompem o nexo de causalidade e afastam a responsabilidade civil da concessionária. A segurança pública é um dever do Estado, e a concessionária é responsável apenas pela manutenção e administração da rodovia.
Nota do editor: o motorista foi submetido a violência física e já encontra-se em casa.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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