E o vento levou
"A morte de Jimmy Carter, ex-presidente dos Estados Unidos (1977-1980), nos últimos dias dezembro foi tão real quanto simbólica"
A morte de Jimmy Carter, ex-presidente dos Estados Unidos (1977-1980), nos últimos dias dezembro foi tão real quanto simbólica. A longevidade, que lhe permitiu festejar um século de vida, proporcionou em paralelo uma longa trajetória de ativismo político. Carter foi um caso raro de engajamento político após o fim de mandato presidencial, dissociado de ambição política pessoal. Sua base de operações foi a Fundação Carter, onde fez uso extenso dos frutos de sua curta atuação na Casa Branca. Resumidamente seu legado foi a inclusão da defesa dos direitos humanos como um objetivo da política externa americana. É bom lembrar que tal feito foi favorecido pela dianteira do poder Legislativo, que a partir de 1973 com a aprovação da Lei de Ajuda Internacional, criou a condicionalidade de respeito aos direitos humanos para a concessão de assistência bilateral.
Sem pecar por ingenuidade, há de se lembrar também que nos anos da presidência de Carter, esta foi uma bandeira que tinha como alvo certeiro o regime soviético atacado por suas práticas de perseguição política. Não obstante, a presença na Casa Branca de uma jovem geração de funcionários solidários às lutas contra as ditaduras latino-americanas, que reconhecia a responsabilidade da administração Nixon pelo apoio concedido a estes regimes, permitiu a inclusão da região nesta cruzada. Com impactos diferentes e pesos bilaterais relativos, a pressão de Washington sobre os regimes autoritários por suas cruéis violações dos direitos humanos ganhou relevância na Argentina, Brasil, Chile e Uruguai na segunda metade dos anos 70. Mas a vitória eleitoral de Ronaldo Reagan em 1980, e seus dois mandatos consecutivos, a causa voltou as mãos dos movimentos e ONGs e flexibilizaram-se os controles inter burocráticos para governos aliados que eram agraciados com a assistência americana. O envolvimento da Casa Branca na Guerra na América Central foi um exemplo contundente neste sentido.
Com o fim da Guerra Fria, e sem perder seu sentido instrumental, a bandeira dos direitos humanos ganhou novas e mais poderosas companhias, as economias de mercado associadas à defesa da democracia, vulgarmente conhecidos com o neoliberalismo. Primeiramente os democratas, com Clinton, deram impulso a um internacionalismo liberal com intenções humanitárias cada vez mais intervencionistas. Depois os republicanos (Bush II), fazendo bom uso da legitimidade assegurada pela guerra contra o terror (11-09-2001), enterraram a defesa dos direitos humanos como causa internacional em lugar desconhecido sem deixar rastros. De fato, o retorno dos democratas com os anos Obama serviram essencialmente para internalizar a causa, o que por sua vez ativou todos os radares da direita americana e conferiu aos direitos humanos um sentido de ameaça aglutinou segmentos no país, ricos e pobres, de norte a sul. A chamada “homeland security” foi contaminada por ímpetos racistas e xenófobos que pouco a pouco apagaram a linha divisória entre agendas domésticas e internacionais.
Este processo foi um grande facilitador para a chegada e retorno de Trump ao poder. O enterro do internacionalismo liberal pode avançar de mãos dadas com a cultura do ódio em casa. A edificação de um arco de apoio interno-externo a partir de uma extrema direita organizada, vociferante e sustentada socialmente tornou-se central para virar a página da política externa americana com narrativa inaugurada nos idos anos do nascimento de James Carter- o que fora rotulado como o liberalismo Wilsoniano.
Chegamos assim à porta de entrada de uma fase sombria e de miséria humana disseminada. O enterro da bandeira dos direitos humanos pelos que professam a ira tem encontrado seu rebanho na América Latina. Um fanático seguidor de Trump como Javier Milei deu viva mostra de sua adesão quando em dias recentes tomou medidas como o fechamento da Secretaria de Direitos Humanos, do Arquivo da Memória e do Centro cultural Harolds Conti. Além do desmonte de um esforço de 40 anos, que não deixou de acompanhar o retorno à democracia na Argentina, o pacote levou ao desemprego de 2000 pessoas.
A extrema direita das Américas despreza de desqualifica por completo a defesa dos direitos humanos. Por um lado, é uma sorte que Carter não complete 101 anos para ser obrigado a tomar conhecimento do avanço à galope desta realidade. Mas também dá pena que não tenha tido a satisfação de assistir a bela obra cinematográfica brasileira “Ainda Estou Aqui”. Assim conheceria uma tardia, porém brava, demonstração de que apesar dos pesares seguimos aqui carregando o bastão da mais nobre causa.
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