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Paulino Cardoso

Historiador, analista geopolítico e Editor do Mundo Multipolar

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É possível explicar a vitória esmagadora de Paul Kagame em Ruanda?

Apesar dos problemas, o certo é que Paul Kagame conseguiu reconstruir o país depois de 1994

Paul Kagame (Foto: JEAN BIZIMANA/REUTERS)

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O presidente ruandês, Paul Kagame, venceu as eleições presidenciais do país com 99% dos votos, de acordo com os resultados preliminares das eleições, 80% dos votos contados, divulgados na noite de segunda-feira, 15, pelo órgão eleitoral do país. 

Kagame, no governo desde 1994, foi eleito presidente pelo parlamento do país em 2000, sendo eleito pelo voto em 2010, reeleito por ampla margem em 2017 e agora em 2024. As agências de notícias internacionais são unânimes em afirmar que os eleitores fizeram fila pacientemente a partir das 7h, horário local, de segunda-feira, para votar, dizendo que estavam entusiasmados para exercer seu dever cívico.

Neste ano, Kagame enfrentou dois outros candidatos, incluindo o candidato do Partido Verde Democrático, Frank Habineza, e o candidato independente, Philippe Mpayimana. Habineza terminou em segundo lugar com 0,53% dos votos, enquanto Mpayimana obteve 0,32%. Verdade seja dita que outros opositores, como Victoire Ingabire, foram impedidos pela Justiça. Victórie foi impedida por ter uma condenação judicial por terrorismo e negação do Genocídio, a 15 anos de prisão. Curiosamente ela recebeu o perdão presidencial que abreviou sua prisão, após 8 anos . Organizações de defesa de direitos humanos, como a Anistia Internacional, o acusam de perseguir a imprensa e opositores.

Segundo a Voz da América em Portugues (VOA), Kagame disse que as suas prioridades de construir e fazer crescer o país rumo à prosperidade não mudariam. E talvez aqui tenhamos a chave para entender o sucesso do dirigente ruandês. A capacidade de aproveitar as tensões geopolíticas ao seu favor tem sido decisiva para atração de investimentos importantes. Por exemplo, desde 2018, Ruanda integrou-se à Iniciativa Cinturão e Rota, BRI em sua sigla em inglês, popularmente conhecida como Nova Rota da Seda Chinesa, que está contribuindo para mudar a vida dos quase 14 milhões de ruandeses.

A Vatican News, agência católica,  afirma, citando o Banco Mundial que a economia do país teve um crescimento médio superior a 7% entre 2008 e 2022. Sendo que  essa transformação foi acompanhada por uma melhoria substancial do nível de vida. A população que vive abaixo do limiar da pobreza caiu de 75,2% em 2000 para 53,5% em 2013, embora desde então tenha estagnado para 52%. Além disso, o país registrou um declínio acentuado na taxa de mortalidade de menores de 5 anos. Apesar de Ruanda continuar a debater-se com elevadas taxas de desemprego juvenil, continua a ser uma das economias de crescimento mais rápidas na África.

Em entrevista ao Global Times, o embaixador ruandês na China, James Kimonyo, afirmou que nos últimos anos, Ruanda colaborou de perto com o governo chinês e, nesse sentido, agradecia os esforços para a abertura de pistas verdes para que produtos agrícolas africanos e ruandeses cheguem ao mercado chinês. Segundo ele, as iniciativas da China proporcionam grandes oportunidades para as nações africanas. Contratos foram assinados entre empresas chinesas e africanas, aumentando a presença dos produtos de Ruanda no mercado chinês. Além disso, as plataformas de tecnologia por meio de transmissão ao vivo funcionaram para atingir consumidores e compradores. “No entanto, ainda há um desafio de atender à demanda. Portanto, estamos envolvendo estrategicamente empresas chinesas com o apoio do governo chinês para investir na agricultura, é preciso aumentar a produção de café, pimenta, abacate, soja e assim por diante. Vamos nos concentrar na transferência de tecnologia, a fim de agregar valor, criar empregos e impacto econômico significativo. Outras áreas incluem o setor de mineração, desenvolvimento industrial, infraestrutura, desenvolvimento energético e educação.”, disse.

Neste sentido, o uso da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) no sistema educacional de Ruanda está inegavelmente desempenhando um papel importante na melhoria da qualidade da educação, com o Ministério da Educação (MINEDUC) pressionando por estratégias para usar a TIC como um facilitador para alcançar uma educação de qualidade, equitativa e acessível, relevante para o mercado de trabalho. De acordo com a ALLAfrica, agência de notícias, o MINEDUC lançou o 'Smart Education Project', com a pretensão de atingir um total de 1.500 locais (escolas, todas as universidades e centros de pesquisa incluídos). A estrutura é um empréstimo concessional de US$ 30 milhões do Exim Bank da China, e desse modo contribuir com a digitalização do sistema educacional em Ruanda.

Outra agência importante,o Banco Africano de Desenvolvimento, em parceria com o AGTF,  mobilizaram 250 milhões de dólares para melhorar o acesso da população aos serviços de água e saneamento, a reabilitação da estação de tratamento de águas residuais de Nzove 1, para fornecer água potável a mais 227 mil pessoas. O Programa de Abastecimento de Água Sustentável e Saneamento para a Transformação, atualmente na fase I, receberá um empréstimo de 199,5 milhões de dólares do Banco e outro de 50 milhões de dólares do Africa Growing Together Fund (AGTF), um fundo de financiamento conjunto criado pelo Banco Africano de Desenvolvimento e pelo Banco Popular da China. O Governo de Ruanda contribuirá com 24,7 milhões de dólares para o financiamento do programa. A execução do projeto tem uma duração prevista de cinco anos, de janeiro de 2024 a dezembro de 2029.

Diante dessa significativa presença chinesa, as organizações ocidentais estão correndo atrás para apresentar seus préstimos. O Fundo Monetário Internacional, informou em sua página em junho de 2023, que Ruanda e parceiros fecharam financiamento pioneiro de 300 milhões de euros para atrair investimento privado e desenvolver a resiliência climática após acordo com o Fundo no âmbito do Fundo Fiduciário para a Resiliência e Sustentabilidade. Participam, o Fundo Fiduciário para a Resiliência e Sustentabilidade (RSF) do Fundo Monetário Internacional, o Governo de Ruanda, em conjunto com a Agence française de développement (AFD), o Banco Europeu de Investimento (BEI), a Cassa Depositi e Prestiti (CDP) e a Corporação Financeira Internacional (IFC).

Já a União Européia, no início deste ano firmou contratos com o Governo de Ruanda para exploração de minérios. Segundo um comunicado da UE, Ruanda é um dos principais extratores mundiais de tântalo, produzindo ainda materiais como estanho – o país tem a única fundição ativa em África deste metal -, tungstênio, ouro e nióbio, tendo ainda potencial para lítio e elementos de terras raras. São recursos da ordem de 300 milhões de euros.

No entanto, sabemos que nem tudo são flores na Administração Kagame, diferentes grupos de direitos humanos pelo seu governo “autocrático”. Os críticos acusaram o homem forte de Kigali de não permitir qualquer oposição e até de orquestrar assassinatos transfronteiriços de dissidentes permanecesse no poder.

Além disso, é de todos conhecido seu apoio militar aos rebeldes M23 no leste da República Democrática do Congo (RDC) e à milícia Resistência pelo Estado de Direito (RED-Tabara) no Burundi causando conflitos crescentes com esses dois países vizinhos.

Entretanto, nem todos os vizinhos estão tristes com Paul Kagane,  o Jornal Observador, informou que nesta quarta-feira, o presidente Filipe Nyusia, parabenizou o presidente ruandês pela vitória, fruto , segundo ele, da conduta altruísta do mandatário. Afinal, existem 2000 militares ruandeses ajudando o governo moçambicano a enfrentar a violência jihadista no norte do país. 

Para finalizar, há ainda o mal afamado acordo de deportação de requerentes de asilo entre Reino Unido e Ruanda, construído pelo governo Conservador do Reino Unido e que o novo primeiro-ministro, Keir Starmer, trabalhista, pretende cancelar. Ruanda recebeu um adiantamento aproximado de 350 milhões de dólares para o custeio do projeto.

O certo é que Paul Kagame conseguiu reconstruir o país depois de 1994, deixando para trás o registro de pertencimento étnico nas cédulas de identidade, proporcionando uma melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes, equilibrando-se como possível, entre gigantes geopolíticos e seus vizinhos imediatos. Ninguém permanece tanto tempo no poder sem ter méritos.

Fontes:

https://www.cartacapital.com.br/mundo/presidente-kagame-vence-eleicoes-em-ruanda-segundo-resultados-parciais/. 

https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2024-07/eleicoes-ruanda-provavel-confirmarem-kagame-como-presidente.html

https://www.voaportugues.com/a/paul-kagame-vence-as-elei%C3%A7%C3%B5es-presidenciais-de-ruanda-com-vit%C3%B3ria-esmagadora/7699815.htm

https://www.afdb.org/pt/noticias-e-eventos/comunicados-de-imprensa/ruanda-banco-africano-de-desenvolvimento-e-o-agtf-mobilizam-250-milhoes-de-dolares-para-melhorar-o-acesso-da-populacao-aos-servicos-de-agua-e-saneamento-66877

https://www.imf.org/pt/News/Articles/2023/06/21/pr23224-rwanda-partners-euro-300m-financing-prvt-investment-climate-resilience-rsf-imf

https://executivedigest.sapo.pt/noticias/ue-assina-acordo-com-ruanda-sobre-materias-primas-como-estanho-tantalo-e-ouro/

https://observador.pt/2024/07/17/presidente-da-republica-de-mocambique-ve-reeleicao-de-kagame-como-recompensa-pela-dedicacao-altruista/

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