E se Carlos Bolsonaro for gay?
Representante de um grupo político fascista, que financia o aparelhamento familiar do Estado as custas do sangue de minorias e grupos oprimidos, Carlos Bolsonaro é citado, frequentemente, como "homem gay no armário". Mas qual é o efeito deste discurso na promoção de avanços para a comunidade LGBT?
E se o vereador Carlos Bolsonaro for gay? E se ele, filho do assumidamente homofóbico presidente Jair Bolsonaro, for um dos milhares de casos de homens gays que vivem no armário, vestindo o manto da heterossexualidade para desfilar preconceitos? Isso é relevante para nós? Isso deve ser uma pauta para que gente gaste nosso tempo importante debatendo?
A gente resposta curta, se você for desses que tem pressa, é não.
Explico alguns dos motivos para que a gente não trate sobre este assunto.
O primeiro deles tem a ver com dizer que alguém é gay/lésbica/bissexual, ainda que a pessoa não se assuma como tal. Orientação sexual é auto afirmativa, ou seja, só é gay quem se diz gay, e há um motivo para isso.
Nossa sociedade criou caixinhas para o que é ser gay ou heterossexual, baseado em uma série de estereótipos e lugares comuns. Estes estereótipos, às vezes inofensivos, muitas vezes colocam, gays e heteros, numa posição de cumpri-los para que sejam aceitos. Não preciso explicar que isso seja fonte de ansiedade, frustrações e sofrimento.
Assim sendo, homens que não cumpram padrões esperados dentro desta sociedade heteronormativa, acabam sendo classificados como gays, ainda que não o sejam. E isso tem origem, é claro, na nossa homofobia institucional, que coloca os LGB em posição de inferioridade em relação aos heterossexuais.
Sair do armário é um passo importante para os LGBT e normalmente é um processo completo e por vezes, doloroso. E neste caso, pouco importa a orientação política do LGBT em questão: o outing é, ainda que se negue, um ato político, e este é pessoal e intransferível.
Segundo ponto que nos importa: qual a finalidade de fazer o outing por alguém se, em este ato é político e pessoal? Na maioria absoluta dos casos, tem a ver com usar a orientação sexual de outrem como arma de ataque, como demérito, como ofensa. É, essencialmente, homofobia.
Isso porque me parece não haver outra finalidade óbvia em denotar a orientação sexual de alguém que não quer ter sua orientação denotada.
Alguns podem argumentar que fazer parte de um grupo político e ideológico homofóbico o tornaria hipócrita. Dizem ainda que isso explicaria a homofobia de toda a família Bolsonaro. Ter um filho gay faria com que Jair odiasse gays, e por isso tirar Carlos do armário seria uma derrota para os fascistas que tomaram de assalto a presidência. Carlos, gay enrrustido, teria explicada aí sua homofobia, e ela explicaria ainda o ódio intolerante de seu grupo político.
Isso nos leva a um terceiro ponto: atribuir homossexualidade a pessoas homofóbicas, como explicação óbvia para a origem da intolerância a não-aceitação de sua condição é contraproducente em vários níveis.
A homofobia não é um problema interno dos homossexuais, não é uma guerra dentro da própria comunidade. Ela é gestada, incentivada e gerida pela sociedade heteronormativa, com a finalidade de garantir privilégios (inclusive financeiros) para um estrato social, ainda que sob o preço da opressão e ciência contra outro estrato.
É claro que muito da homofobia que o cidadão médio destila tem origem em inseguranças de ordem sexual, mas isso nem de perto quer dizer que este cidadão em questão seja gay.
Vocês lembram que eu disse que há padrões a serem cumpridos, que há estereótipos de como ser homem/heterossexual e que não cumpri-los coloca está construção de masculinidade em xeque? As inseguranças fazem com que homens heterossexuais que tenham medo de serem “confundidos” com homens gays, que seriam piores, e pra isso esticam a corda dos estereótipos ao máximo, inclusive tornando mais dura a homofobia que expressam.
Os pontos que levantei aqui não me deixam chegar a outra conclusão além da irrelevância para o debate e sua inerente essência homofóbica. Pra narrativa, é interessante desvelar a hipocrisia de que alguns dos homofóbicos notórios com uma saída do armário bombástica, mas pra vida prática de quem é arrancado da invisibilidade e, pior, para a população LGBT, os ganhos são poucos ou nulos.
Se Carlos Bolsonaro for gay, eu sinto muito que ele, como tantos LGBT tenham crescido em um lar onde não são aceitos, a ponto de ter de viver uma vida de mentira que é, certamente, cercada de sofrimento. Se ele for gay, espero que um dia se livre do jugo do conservadorismo que o impede de viver sua vida afetiva, que rompa com sua família homofóbica, que se arrependa sinceramente e se desculpe por ter reforçado a opressão sob tantos e tantos LGBT, que sentiram o peso da discriminação sobre seus ombros por conta da ideologia que Carlos e sua família representam.
Que ele possa ser feliz integralmente, uma sensação que é negada para tantos e tantos homens e mulheres não-heterossexuais ou não-cisgêneros no país que mais mata LGBT no mundo e que tem um projeto de extermínio da diversidade em vigor.
Até lá, ele será tratado como se apresenta: um homem heterossexual, homofóbico, mentiroso e desonesto, representante de um projeto fascista, de uso da máquina pública para benefício pessoal, financiado com o sangue de minorias e de grupos sociais oprimidos. E contra essa gente, não tem arrego.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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