Éden
O jardim do Éden é descrito como o lugar criado por Deus para que Adão e Eva vivessem em paz e amor
11 horas da manhã. Vinha eu com uma inocente sacola de compras e quase esbarrei no homem que, de repente, surgiu em meu caminho. O cidadão saiu por uma porta estreita e algo escura. A porta do motel Éden.
Com um pé na calçada e outro ainda no interior do motel, o sujeito fechou o zíper, enfiou a camisa social por dentro da cueca, abotoou a calça jeans e afivelou o cinto. Podia parecer vulgar, até um pouco grotesco, mas foi tão espontâneo, que soou natural. Acima de tudo, ali estava, a alguns centímetros do meu nariz, um homem feliz.
Um homem de pouco mais de 60 anos, nem alto nem baixo, nem magro nem gordo. Um homem comum, mas exultante, no esplendor daquela manhã encharcada de terça-feira. Nos cabelos grisalhos úmidos, no relógio pendurado no pulso direito, no cadarço do tênis ainda solto, sinais que confirmavam: o homem acabava de chegar do paraíso.
Impossível controlar a curiosidade. Admito: fui bisbilhoteiro, estiquei o pescoço lá pra dentro. No fundo do pequeno corredor do Éden, vi uma mulher mais jovem de vestido florido, a caminhar com pressa sobre saltos finíssimos, enquanto pintava a boca de violeta.
Eu tinha avançado alguns metros na calçada e olhei pra trás. Já com vários pedestres entre nós, enxerguei a mulher abrir o guarda-chuva verde limão. Ele sapecou-lhe a mão espalmada na cintura, os dedos deslizaram até o bumbum. Ela também lhe achou carne farta e assim os corpos seguiram grudados em direção ao metrô.
Ainda curioso, penso nos motivos que o amante teria para se arrumar quase na calçada em vez do quarto do motel. Será que alcançaram o clímax no momento em que a recepcionista avisou que o período chegara ao fim? Teriam cochilado e perdido a hora? Aproveitaram uma pausa qualquer no trabalho para uma transa relâmpago e precisavam voar de volta? Nunca saberemos.
O que posso dizer com certeza, é que nessa Vila em que moro, a Vila Buarque, o entra e sai do Éden e dos outros motéis da redondeza é dia e noite. Como poucos têm garagem, os casais saem pra rua à pé. Flutuam misturados à multidão apressada.
Esses motéis modestos são muito diferentes dos primeiros que vi na vida.
Na década de 1970, a Barra da Tijuca era tão inacessível que parecia estar em outra cidade. Pois era na Barra que os casais se deliciavam em noites inesquecíveis com camas redondas e banheiras de hidromassagem.
A Barra não tinha hospital, escola ou padaria, mas a abundância de motéis era estonteante.
Havia uma rua só deles. Elmo. Playboy. Mayflower. Marbella. Xá Xá Xá.
Nas noites de sexta e sábado, alguns casais não aguentavam esperar nas filas imensas e se resolviam ali mesmo. Deitavam-se os bancos, a escuridão ajudava e o resto acontecia.
Um amigo, de 18 anos, já ia com o Maverick do pai ao motel e se gabava das aventuras com as várias namoradas para quem quisesse ouvir. Uma tinha preferência por brincadeiras na banheira, outra só se animava depois de ver filmes picantes e tinha aquela mais velha, a Helena, que de tão entusiasmada quase não lhe dava tempo de deitar na cama gigante. Eu e pelo menos meia dúzia de adolescentes sonhávamos inconformados, sem nunca entender porque os 18 anos demoravam tanto. O que sentíamos ali era a mais genuína inveja do nosso criativo contador de histórias.
Enfim, conheci alguns motéis. Sempre achei a decoração estranha. Lençóis brilhantes, luzes coloridas, móveis esquisitos, mas como me ensinou o amigo namorador, o bom mesmo era prestar atenção a outros detalhes. Foi ele que me revelou a história saborosa, hoje já bem conhecida, de dois veteranos namoradores.
Um com 66, outro com 70 anos. O mais jovem sofre acabrunhado.
- Que cara é essa? Pergunta o mais velho.
O tristonho bebe o Campari e responde.
- Meu médico avisou que por causa do tratamento na próstata só poderei transar uma única vez, de 6 em 6 meses.
O mais velho ri e consola o amigo.
- Comigo é pior, sexo é só um dia por ano.
- Então por que essa alegria toda?
- Por que hoje é o dia.
E sai ligeiro, a caminho do paraíso.
*Luis Cosme Pinto é autor de Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da Kotter. O livro foi semifinalista do prêmio Jabuti 2024
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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