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    Danilo Molina

    Jornalista, foi assessor do Ministério da Educação e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) durante o governo Dilma Rousseff e servidor do Ministério durante o governo Lula

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    Educação e a garantia do Estado laico

    Nestes tempos de crescentes ameaças de retrocessos e do obscurantismo, somos obrigados a voltar a defender valores civilizatórios e conquistas sociais, que, há poucos anos, pareciam inegociáveis e inquestionáveis na nossa sociedade

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    Nestes tempos de crescentes ameaças de retrocessos e do obscurantismo, somos obrigados a voltar a defender valores civilizatórios e conquistas sociais, que, há poucos anos, pareciam inegociáveis e inquestionáveis na nossa sociedade. Partimos de um cenário, desde as eleições presidenciais, em que o debate político tem sido marcado pelo uso massivo de fake news, que corrompem o processo democrático e favoreceram a candidatura vitoriosa, no qual princípios essências da Constituição Cidadã de 1988, como a separação entre estado e igreja, a liberdade religiosa e o Estado laico, são atropelados constantemente pelo alto escalão do governo.

    Agora, além da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, que ainda precisa descobrir que Genebra não fica na Alemanha, e que utiliza o ensino da cultura afro-brasileira nas escolas, assegurado pelo Plano Nacional de Educação, para atacar de forma gratuita as religiões de matrizes africanas e que diz ter visto Jesus no pé da goiabeira, podemos ter uma nova defensora incondicional do criacionismo no alto escalão do governo. É que o ministro colombiano da Educação, Vélez Rodrigues, indicou para Secretaria Executiva, posto mais importante da pasta depois do próprio ministro, a pedagoga e pastora evangélica Iolene Lima.

    Para a sociedade brasileira pouco importa a crença ou a religião da futura secretária-executiva, desde que a mesma respeite a Constituição Federal, o estado laico, a diversidade e a liberdade religiosa e não tente impor sua visão de mundo obscurantista às nossas escolas. Para isso, a futura número 2 do Ministério da Educação terá que agir diferente de suas próprias declarações, que circulam nas redes sociais, em que aparece defendendo a educação "baseada na palavra de Deus". Mas, qual é essa palavra de Deus a que a pastora se refere? Seria a bÍblia , o corão, a torá, ou alguma outra escritura sagrada?

    Ao descrever sua experiência educacional como gestora de uma escola no interior de São Paulo, disse Iolene Lima: "uma educação baseada em princípios, ou seja, baseada na palavra de Deus. É uma cosmovisão cristã ". "O aluno aprende que o autor da história é Deus. O realizador da geografia é Deus. Deus fez as planícies, fez os relevos, fez o clima. O maior matemático foi Deus. (...) Os alunos menores de primeiro ano, o primeiro contato que eles têm com a matemática é pelo livro de Gênesis. É todo o currículo escolar organizado sob a ótica das Escrituras. Elas não limitam o conhecimento, mas é a partir delas que o professor invade as áreas do conhecimento e apresenta o conhecimento formal para os alunos. (...) Somente em Cristo nós podemos educar bem", complementa.

    A declaração da pastora evangélica e futura secretária-executiva do MEC é válida para um ambiente e um contexto de ensino da religiosidade cristã, no qual ela diz acreditar, mas não para o ambiente escolar, muito menos para as escolas públicas. Quando extrapolado como política de educação, além de inconstitucional, a tal educação "baseada na palavra de Deus" agride a ciência, o método científico e as consciências de milhares de alunos e de alunas, adeptas de outras religiões e, até mesmo, daqueles e daquelas que não possuem, e tem esse direito, qualquer religiosidade.

    No cargo, o bússola da futura secretária-executiva do MEC deve ser o cumprimento do Plano Nacional de Educação, não o obscurantismo e o criacionismo . Além disso, é imperativo que os conteúdos a serem ensinados em nossas escolas estejam em consonância com Base Nacional Curricular Comum, respeitados os princípios da autonomia das redes de ensino e da liberdade de exercício do magistério. Não há espaço para qualquer tipo de ideologia ou políticas que atentem contra esses requisitos.

    A futura secretária precisa se lembrar que , no Brasil, a separação oficial entre o Estado e a igreja é um fato concreto, ainda que tardio, desde a proclamação da república, em 1890, logo após o fim da escravidão. Infelizmente, nos tempos atuais, até mesmo esse grande avanço civilizatório, que foi a construção de um Estado laico, separado da igreja, aparenta estar ameaçado por iniciativas como o movimento Escola Sem Partido, que tenta impor uma visão fundamentalista e censurar a liberdade de cátedra, de pensamento e de expressão no ambiente escolar, ou quando figuras do alto escalão do governo tentam impor doutrinas teológicas em nas nossas escolas ou obrigar crianças a entoarem o slogan do governo ao arrepio da lei.

    Por isso, nos tempos atuais, a luta e a mobilização em defesa do direito de todos e de todas terem acesso a uma educação que assegure o desenvolvimento humano e o pleno exercício da cidadania, independente de cor, gênero, raça ou crença religiosa, deve ser permanente. E, para a futura secretária, nunca é demais lembrar que o limite de sua atuação deve ser as leis e a própria Constituição Federal.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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