Educação e Neoliberalismo – A que ponto chegamos
Esta eleição do Nikolas Ferreira não é o único descalabro nem a única manifestação do movimento dos Cara de Pau que parece ter a educação brasileira como alvo
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Nos anos 20 do século passado o movimento Pau Brasil do Oswald de Andrade era notícia por todo o país. Cem anos depois parece que o principal movimento brasileiro é o dos Cara de Pau. A recente eleição do Nikolas Ferreira como Presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados é de um cinismo, de uma irresponsabilidade e de uma absurdo tão evidentes que só mesmo a imensa cara de pau dos que o elegeram pode começar a explicar. É necessário recorrer a outras dimensões para dar uma ideia das reações a um tamanho despropósito.
Do Centro Espírita Vladimir Ilich Ulianov, por exemplo, nos chegaram algumas importantes informações. Este centro reúne os espíritas de esquerda que afirmam que “ a luta de classes é uma realidade inegável e que sem a dialética do materialismo histórico não se pode entender nada do que acontece aqui em baixo.”
As várias mensagens psicografadas pelos médiuns do centro revelam que até mesmo entre os defuntos integralistas – o movimento fascista no Brasil dos anos 30 – esta eleição provocou revolta. Lá onde está, ao receber a notícia, o católico Alceu Moroso Lima, começou a bater no peito gritando “Minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa!” O seu companheiro de integralismo Luis da Câmara Cascudo pensou em cometer suicídio, tamanha a sua vergonha, mas aí se lembrou que já tinha feito a passagem e não podia mais se matar, restou-lhe uma depressão profunda e um arrependimento devastador. Mário de Andrade,que era amigo dos dois, tem tentado animá-los , mas a notícia também o deixou chocado e confessou – segundo uma das mensagens psicografadas – que “devia ter apoiado mais os comunistas no Brasil. Mas eu nunca imaginei, nunca poderia ter imaginado, que meu país pudesse chegar a isso...”
O grande líder do integralismo, Plínio Salgado, negacionista, tem sido visto perambulando pelos campos elísios, agitado e confuso, repetindo em voz alta: “Não tenho nada a ver com isso! Não tenho nada a ver com isso!” Ele tem recebido ajuda de espíritos mais esclarecidos para sair do estado de choque em que ficou.
Já o poeta romântico Gonçalves Dias, ainda segundo as revelações psicografadas, reagiu à notícia escrevendo uma segunda Canção do Exílio, dedicada aos professores do Brasil, estes “novos exilados”, como os chama no poema. E parece que ouviram por lá o Manuel Bandeira dizer para o Carlos Drummond de Andrade, procurando consolá-lo, entre triste e irônico: “Não era uma pedra no meio do caminho não, Carlos, era uma pedreira...”
Esta eleição do Nikolas Ferreira não é o único descalabro nem a única manifestação do movimento dos Cara de Pau que parece ter a educação brasileira como principal alvo. A presença da Fundação Lemann dentro do Ministério da Educação é outro problema sério.
O nome Le(h)mann , com ou sem o ‘h’ , evoca estranhas coincidências. A família de João Paulo Lemann vem originalmente da Suíça, de onde o seu pai emigrou para o Brasil. O nome original parece ter sido Lehmann – com o ‘h’- que provavelmente desapareceu na grafia brasileira. Mas com ou sem o ‘h’, as coincidências são:
- A crise financeira de 2008 começou com a falência do Banco LEHMANN Brothers...
- Em 1 de outubro de 2021, Alex P. LEHMANN foi eleito para o Conselho de Administração do Grupo Crédit Suisse. Em 17 de janeiro ele foi eleito Presidente deste mesmo conselho. E foi quem presidiu a transferência dos ativos do Crédit Suisse para o UBS depois do colapso do Crédit Suisse...
Parece mesmo que o nome Lehmann traz consigo uma maldição para o sistema financeiro global... Alguns estudiosos do Centro Espírita Vladimir Ilich Ulianov dizem que era o universo tentando nos avisar, que era para prestarmos atenção ao nome Le(h)mann e mantermos distância... Não ouvimos o recado do universo e deu no que deu: rombo gigantesco e quase falência nas Lojas Americanas....E ainda permitimos ao João Paulo Lemann comprar parte da Eletrobrás! Que Deus nos ajude!
Talvez esta fase final de autodestruição do sistema capitalista seja chamada pelos historiadores do futuro de “A Era Lemann”. E acredito até mesmo que o nome Lemann venha a se incorporar ao vocabulário cotidiano, podendo vir a significar, por exemplo:
-Roubo ou assalto à mão armada, como em: “Mãos ao alto, isso é um Lemann!”
-Golpe com o objetivo de ganhos financeiros, como em: “Fulano levou um Lemann, perdeu tudo!”
- Incompetência administrativa, como em: “ X foi demitido, era um Lemann, não tinha condições de gerenciar aquela padaria.”
- Sofrer lavangem cerebral ou lobotomia, ser mentalmente incapacitado, como em: “ Coitada, ela foi lemannizada, não tem a menor qualificação, nunca vai conseguir um emprego decente.”
Este último caso, aliás, é o objetivo tanto do novo ensino médio quanto da Fundação Lemann , do Nikolas Ferreira e de seus apoiadores.
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Existe uma ultradireita internacional, isto é um fato. Mas há também uma diferença fundamental entre a ultradireita latino-americana, o nosso fascismo e a ultradireita dos países do Norte. Retomo aqui o que escrevi em um texto anterior (1):
Em 1979, Noam Chomsky e Edward S. Herman publicaram um dos livros mais importantes sobre o fascismo latino-americano: The Washington Connection and the Third World Fascism, onde escreveram:
“(...) O velho mundo colonial foi destruído durante a Segunda Guerra Mundial, gerando ondas de nacionalismo radical que ameaçaram a tradicional hegemonia ocidental e seus interesses econômicos. Para conter esta ameaça, os Estados Unidos se alinharam com elementos da elite e das forças armadas do Terceiro Mundo cuja função tem sido a de conter os ventos de mudança. (...) Com o apoio frequente dos Estados Unidos, o Estado de Segurança Nacional neofascista (National Security State) e outras formas autoritárias tornaram-se o padrão dominante dos governos no Terceiro Mundo”.
“... a massiva intervenção (dos EUA) e subversão nos últimos 25 anos se limitaram quase exclusivamente à derrubada de governos reformistas e democracias radicais... (Os EUA) raramente ‘desestabilizaram’ regimes militares de direita, não importa o quão corruptos ou terroristas. (...) A ‘junta militar’ foi considerada como um bom modelo de governo e os Estados Unidos fizeram com que este modelo crescesse e se difundisse. Tortura, esquadrões da morte e liberdade para investimentos são elementos relacionados neste modelo patrocinado e apoiado pelo país líder do Mundo Livre. Nestes Estados, o terror é funcional, favorecendo um bom ‘clima para investimentos’(...) Assim, se olharmos para além da barreira midiática e de propaganda, Washington se converteu na capital mundial da tortura e do assassinato político.” (Grifo dos autores).
Esta é a razão porque Chomsky e Herman chamam o fascismo latino-americano de ‘sub-fascismo’, ou ‘fascismo clientelista’ ( client fascism). Ao contrário do modelo clássico, nacionalista, do fascismo dos anos 20 e 30 na Europa do século XX, o fascismo latino-americano é profundamente anti-nacionalista. Chomsky e Herman o descrevem assim:
“A economia do ‘sub-fascismo’ implica em uma rápida mudança em direção a uma ampla abertura ao comércio e aos investimentos estrangeiros, à austeridade monetária e aos cortes no orçamento de programas sociais, ou seja, uma mudança conforme as políticas econômicas promovidas pelos interesses do poder dominante e de seus sócios institucionais como o FMI e o Banco Mundial. A prioridade passa a ser o serviço da dívida externa, através do aumento das exportações e da redução das importações, com a maioria da população arcando com os custos através da redução de salários e do agravamento do desemprego”.
Na verdade, o projeto sub-fascista latino-americano representa um retorno ao status de colônia, mantendo as mesmas velhas oligarquias no poder. Como estas oligarquias obviamente não contam com nenhum apoio da maioria da população em seus próprios países, todas são profundamente antidemocráticas. Com o intuito de preservar seu próprio poder e riqueza, elas escolheram representar e defender os interesses econômicos estrangeiros – o ‘mercado’ – cujo objetivo é manter os países latino-americanos como produtores subdesenvolvidos de matérias primas para as companhias transnacionais e instituições financeiras sediadas nos países do norte. Em troca, estes interesses protegem e mantêm estas oligarquias no poder. Como concluem Chomsky e Herman : “(...) sob o fascismo clientelista as bases de apoio da liderança política passam a ser os interesses estrangeiros”.
(fim da citação do meu texto anterior)
Podemos ver com mais clareza esta distinção fundamental entre a ultra-direita – o fascismo – latino-americano e o europeu fazendo um simples exercício de imaginação : se a Marine Le Pen fosse eleita na França, ela faria com a cultura, com a educação e com a pesquisa científica na França, o que Bolsonaro fez com estas áreas no Brasil e o que Javier Milei faz agora na Argentina? Creio que não, porque a Marine Le Pen sabe muito bem que cultura, educação e pesquisa científica são elementos FUNDAMENTAIS para a manutenção do capitalismo na França... Destruir a cultura, a educação e qualquer possibilidade de desenvolvimento científico e tecnológico são os caminhos para a subserviência e é o objetivo do projeto neocolonial do neoliberalismo, apoiado pela Fundação Lemann, pelo Nikolas Ferreira , pelo MBL e por todos que os apóiam. Querem transformar o Brasil numa imensa colônia do capital internacional, provedor de matérias primas e mão de obra barata e desqualificada. É isso que quer o neoliberalismo brasileiro.
Não há na verdade uma diferença muito significativa entre o neoliberalismo e o fascismo. Vamos ser claros: o fascismo é o neoliberalismo de botas e uniforme. Ou, colocado de outra forma, o neoliberalismo é o fascismo à paisana.
E sempre que a sociedade civil procura se defender das múltiplas agressões neoliberais – contra o meio ambiente, contra a educação, contra as leis de proteção ao trabalhador, contra a cultura....- o neoliberalismo começa a calçar as botas.
(1) https://jornalggn.com.br/artigos/os-estados-unidos-e-o-fascismo-na-america-latina-por-franklin-frederick/
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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