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    Ricardo Nêggo Tom

    Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

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    Educando com o cérebro

    Se o c.. fosse para ser visto por todo mundo, ele ficaria na testa

    Tertuliana Lustosa (Foto: Reprodução/X/@TumultoBR)

    A polêmica da vez está por conta de um seminário realizado na Universidade Federal do Maranhão, no qual a historiadora da arte, escritora e cantora, Tertuliana Lousada, subiu na mesa, empinou o popozão e o exibiu para a plateia como método “educativo”. A performance educacional aconteceu durante I Encontro de Gênero do Grupo de Pesquisa Epistemologia da Antropologia, Etnologia e Política (Gaep) da UFMA, que tem como título: “Gênero para além das fronteiras: tendências contemporâneas na América Latina e no Sul global”, que teve na participação de Tertuliana, uma palestrante que propõe o uso do monossílabo sem acento para educar. Uma ideia que ela publicou em seu livro “Manifesto Traveco-Terrorista”, e sugere a aplicação no meio acadêmico.

    Tudo bem que a nossa academia precisa de uma reformulação, principalmente, no que se refere a invisibilidade da cultura e de pensadores não brancos, como se estes não fossem produtores de conhecimento e de saberes. Os filósofos gregos, sempre louvados e incensados pela branquitude acadêmica, sabem que sim, e a história do Kemet não me deixa mentir. Porém, entender que o dito cujo seja uma fonte de produção de conhecimento, é, no mínimo, um equívoco filosófico. Sob a égide da liberalidade e do protesto contra a repressão de corpos historicamente odiados e violentados, mostrar a bunda como resistência a esse processo faz parte do direito individual de cada um. No entanto, não devemos ficar com a bunda exposta em qualquer janela, correndo o risco de alguém passar a mão nela.

    Imaginemos um homem preto cansado de ter o seu corpo racializado sendo vítima de preconceito, arriando as calças durante um seminário acadêmico e mostrando o seu afro derrière para o público, com a intenção de chamar atenção para a causa antirracista. Provocaria reflexão? Educaria os racistas? Acho que não. Mas certamente reforçaria o estereótipo do homem preto selvagem, instintivo e naturalmente promíscuo e sexualizado. Claro que Tertuliana não estava preocupada em reforçar o estereótipo que a hipocrisia conservadora atribui às mulheres trans e a membros de grupos estruturalmente marginalizados. O que ela queria era aparecer. E conseguiu. E tá tudo bem. Faz parte do show. O dito cujo é dela, o corpo (muito bonito, por sinal) é dela, e ela mostra para quem ela quiser. Desde que o espaço seja adequado e a sua inovação pedagógica não seja associada a toda esquerda e a toda a população trans do país.

    Aproveitamos a polêmica do dito cujo, para falarmos sobre o excesso de academicismo e de filosofias identitárias dentro da atual esquerda brasileira. A pedagogia proposta por Tertuliana Lustosa não pode ser assimilada do ponto de vista educacional, simplesmente porque ela não tem a menor razão de ser para a coletividade. Nem para concordar, nem para discordar. Diferentemente de uma proposição, por exemplo, de uma pedagogia de gênero para preconceituosos, onde ela poderia usar o cérebro e os corpos transsexuais para promover reflexão e conscientização a partir da incompreensão de muitos a respeito da transição dessas pessoas, educando de forma libertadora quem tiver boa vontade para se libertar do ódio cultural destinado contra esse grupo. Até porque, lendo o roteiro da palestra dada por ela na UFBA, em 2023, percebe-se que capacidade cognitiva não lhe falta.

    “O prazer é uma forma de educar. Então, quando estudamos a dízima periódica, ela não fica tanto na nossa mente quanto coisas que amamos muito.  O conhecimento está intimamente ligado ao prazer.  Quando conseguimos conciliar o sentimento de prazer à educação, tornamos a educação efetiva e não chata e não o que vem acontecendo nas escolas, com crianças e adolescentes cometendo ataques. Isso decorre de um sistema educacional que nos oprime, que reforça o racismo, a transfobia, a homofobia, o etnocentrismo, uma série de estruturas que vão tornando a experiência pedagógica completamente desgastante e a sensação de expulsão é permanente para pessoas trans, por exemplo.” Trecho da palestra “Educando com o Cu: Introdução às pedagogias do corpo e do prazer”, realizada na UFBA, em 2023, por Tertuliana Lustosa.

    Embora cada um tenha o seu dito cujo, a autora dá ênfase à realidade de crianças e adolescentes trans, como ela já foi um dia, para propor, sem nenhum fundamento, pelo menos na minha opinião, um conceito pedagógico prazeroso de ensino. Provavelmente, Cu = 3,14, mesmo não formando uma dízima periódica, ficasse mais na mente dos estudantes do que o velho e chato Pi (π), e o famoso “beijo grego” passaria a se chamar “beijo tertuliano”.  Freud dizia que o ânus é a zona erógena primária e o prazer é derivado do controle dos esfíncteres da bexiga e do intestino. Um momento de construção de sua segurança psíquica e criação dos seus valores pessoais, que acontece entre os 18 meses de idade e 2 anos e vai até os 4 anos de idade. Trocando em miúdos, ter o controle do próprio dito cujo desde a infância irá impactar nosso comportamento na vida adulta. Segundo Freud, a “fase anal” da criança está ligada a compreensão à realidade, onde ela entende que não é o centro do universo, que existe o outro e que ela precisa seguir regras e obedecer aos adultos ao seu redor.

    Se Tertuliana Lustosa tivesse lido Freud saberia que não deve mostrar o seu dito cujo onde bem entender, porque existem regras a serem seguidas. Não as regras morais ou tradicionais que os conservadores hipócritas estabelecem para eles mesmos descumprirem. Mas a regra do respeito ao direito do outro de não querer ver o dito cujo alheio contra a sua vontade e sem o menor cabimento. A construção do “ego ideal”, segundo Freud, parte dessa compreensão. E o ego de Tertuliana falou mais alto, irrompendo o direito dos demais que não querem ser educados com o dito cujo. Como a extrema-direita gosta de dizer, a historiadora quis lacrar. E só. Eu já vi filosofia de boteco com muito mais conteúdo e viés acadêmico. Contudo, é importante que não entremos no jogo sujo dos oportunistas moralistas e puritanos, e não apedrejemos e nem cancelemos Tertuliana Lustosa, mesmo não concordando com a sua, digamos, pedagogia. Mulheres trans já sofrem ódio e preconceito demais em nossa sociedade.

    A historiadora e compositora brinca em uma de suas músicas que um dia será ministra da educação, e os fascistas terão que engolir o seu rebolativo dito cujo. Ora! Se já tivemos uma ministra da cultura que educava com o “pum do palhaço”, e um presidente que sugeriu o uso do dito cujo para fins fisiológicos dia sim, dia não para preservar o meio ambiente, por que não poderíamos ter uma ministra que educa com orifício de onde saiu tal arte circense e propõe o seu uso todos os dias da semana sem danos à causa ambiental?

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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