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Jeffrey Sachs

Professor da Columbia University (NYC) e Diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável e Presidente da Rede de Soluções Sustentáveis da ONU. Ele tem sido um conselheiro de três Secretários-Gerais da ONU e atualmente serve como Defensor da iniciativa para Metas de Desenvolvimento Sustentável sob o Secretário-Geral da ONU, António Guterres.

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Eis a verdade: é a falta de uma solução de dois Estados que mais ameaça Israel

Israel persiste em sua intransigência porque acredita que tem o apoio incondicional dos Estados Unidos

Benjamin Netanyahu (Foto: Reprodução/The Times of Israel)

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Publicado originalmente pelo Common Dreams em 6 de outubro de 2024

Jeffrey D. Sachs & Sybil Fares

Como resultado de sua beligerância e intransigência, Israel agora está quase completamente ostracizado pela comunidade internacional e também enfrenta graves ameaças econômicas e militares à medida que a guerra regional se expande.

Israel rejeita a solução de dois Estados porque afirma que um Estado soberano da Palestina colocaria em profundo perigo a segurança nacional de Israel. Na verdade, é a falta de uma solução de dois Estados que ameaça Israel. A ocupação ilegal de terras palestinas por Israel, seu contínuo regime de apartheid sobre milhões de palestinos e sua extrema violência para defender esse regime colocam a sobrevivência de Israel em risco, pois Israel enfrenta ameaças terríveis de isolamento diplomático global e da guerra em curso, incluindo os enormes custos econômicos, sociais e financeiros da guerra.

Existem três razões básicas para a oposição de Israel à solução de dois Estados, refletindo uma variedade de ideologias e interesses na sociedade israelense.

A primeira, e mais convencional, é a afirmação de Israel de que os palestinos e o mundo árabe não podem viver ao seu lado e apenas desejam destruí-lo. A segunda é a crença entre a crescente população nacionalista-religiosa de Israel de que Deus prometeu aos judeus toda a terra desde o Eufrates até o Mediterrâneo, incluindo toda a Palestina. Recentemente escrevemos sobre essa ideologia, apontando que ela está aproximadamente 2.600 anos fora de sintonia com as realidades de hoje. A terceira é a busca de ganho material direto. Com sua ocupação contínua, Israel visa lucrar com o controle sobre os recursos hídricos da região, zonas costeiras, depósitos de gás natural offshore, destinos turísticos e terras para assentamentos.

Esses diversos motivos estão misturados na intransigência contínua de Israel. No entanto, tomados individualmente ou como um pacote, eles falham em justificar a oposição de Israel à solução de dois Estados, certamente não da perspectiva do direito internacional e da justiça, mas também não em relação à própria segurança ou interesses econômicos restritos de Israel.

Considere a afirmação de Israel sobre segurança nacional, conforme foi recentemente repetido pelo PM Benjamin Netanyahu na Assembleia Geral da ONU em 27 de setembro. Netanyahu acusou a Autoridade Palestina, e especificamente o presidente Mahmoud Abbas, de travar uma "guerra diplomática incessante contra o direito de Israel de existir e contra o direito de Israel de se defender".

Após o discurso de Netanyahu, Ayman Safadi, Ministro das Relações Exteriores da Jordânia, ao lado do Primeiro-Ministro palestino Mohammad Mustafa, respondeu a Netanyahu em uma coletiva de imprensa:

“Todos nós no mundo árabe aqui queremos uma paz em que Israel viva em paz e segurança, aceito e normalizado com todos os países árabes no contexto de terminar a ocupação, retirando-se do território árabe, permitindo o surgimento de um Estado palestino independente e soberano nas linhas de 4 de junho de 1967, com Jerusalém Oriental como sua capital.”

O Ministro Safadi falava em nome dos 57 membros do comitê muçulmano-árabe, todos dispostos a "garantir a segurança de Israel" no contexto de uma solução de dois Estados. O Ministro Safadi, juntamente com o Primeiro-Ministro palestino, articulou a proposta de paz da região, uma alternativa às guerras intermináveis de Netanyahu.

No início deste ano, a Declaração de Bahrein em maio de 2024 da 33ª Sessão Regular do Conselho da Liga dos Estados Árabes, em nome dos 22 Estados membros, reiterou:

“Nós conclamamos a comunidade internacional a assumir as suas responsabilidades para acompanhar os esforços de avanço do processo de paz, para alcançar uma paz justa e abrangente baseada na solução de dois Estados, que incorpore um Estado palestino independente com Jerusalém Oriental como sua capital nas linhas de 4 de junho de 1967, capaz de viver em segurança e paz ao lado de Israel, de acordo com as resoluções da legitimidade internacional e referências estabelecidas, incluindo a Iniciativa de Paz Árabe.”

As muitas declarações árabes e islâmicas pela paz, incluindo aquelas da Organização da Cooperação Islâmica (OCI), nas quais o Irã é um signatário repetido, remontam à Iniciativa de Paz Árabe de 2002, em Beirute—onde os países árabes propuseram pela primeira vez a disposição da região para estabelecer relações com Israel no contexto da solução de dois Estados. A iniciativa declarou que a paz se baseia na retirada de Israel dos territórios ocupados da Palestina, Síria e Líbano.

Israel afirma que, mesmo que os Estados árabes e o Irã queiram a paz, o Hamas não a quer, e portanto ameaça Israel. Há dois pontos cruciais aqui. Primeiro, o Hamas aceitou a solução de dois Estados, já há 7 anos, em sua Carta de 2017. "O Hamas considera a criação de um Estado palestino totalmente soberano e independente, com Jerusalém como sua capital nas linhas de 4 de junho de 1967, com o retorno dos refugiados e deslocados para suas casas de onde foram expulsos, como uma fórmula de consenso nacional." Este ano novamente, o Hamas propôs desarmar-se em troca da independência palestina nas fronteiras de 1967. Israel, por sua vez, assassinou o chefe político do Hamas e negociador de cessar-fogo, Ismail Haniyeh.

Segundo, o Hamas está muito longe de ser um ator independente. O Hamas depende de fundos e armas do exterior, notadamente do Irã. A implementação da solução de dois Estados sob os auspícios do Conselho de Segurança da ONU incluiria o desarmamento de atores não estatais e arranjos de segurança mútua para Israel e Palestina, em conformidade com o direito internacional e a recente decisão da CIJ, a qual o Irã votou a favor na Assembleia Geral da ONU.

A evidência de que o Hamas é uma desculpa, e não uma causa profunda, da intransigência de Israel é que Netanyahu tem apoiado taticamente, ainda que de forma discreta, o Hamas ao longo dos anos em uma estratégia de dividir para conquistar. O truque de Netanyahu tem sido prevenir a unidade das diferentes facções políticas palestinas para impedir que a Autoridade Palestina desenvolva um plano nacional para forjar um Estado palestino. O ponto todo da política de Netanyahu por décadas tem sido impedir o surgimento de um Estado palestino usando qualquer argumento à disposição.

Israel e seus apoiadores costumam afirmar que a falha em Camp David em 2000 prova que os palestinos rejeitam a solução de dois Estados. Essa afirmação também não está correta. Como documentado por muitos, incluindo Clayton E. Swisher em seu meticuloso relato em "The Truth About Camp David: The Untold Story about the Collapse of the Middle East Peace Process" [A verdade Sobre Camp David: A Estória Não-Contada sobre o Colapso do Processo de Paz no Oriente Médio], as negociações de Camp David em 2000 falharam devido à abordagem de última hora de Bill Clinton para a negociação, combinada com a covardia política do então Primeiro-Ministro israelense Ehud Barak em não honrar as obrigações israelenses sob o Acordo de Oslo.

À medida que o tempo se esgotava em Camp David, Clinton foi um intermediário desonesto, assim como os negociadores estadunidenses claramente pró-Israel, que se recusaram a reconhecer a reivindicação legal da Palestina às fronteiras de 4 de junho de 1967 e a tergiversação sobre o direito da Palestina a sua capital em Jerusalém Oriental. A "oferta final" abruptamente empurrada pelos israelenses e seus apoiadores estadunidenses aos palestinos não garantiu os direitos básicos dos palestinos, nem os palestinos tiveram tempo para deliberar e responder com propostas alternativas. Os palestinos foram então falsamente culpados pelos estadunidenses e os israelenses pela falha nas negociações.

Israel persiste em sua intransigência porque acredita que tem o apoio incondicional dos Estados Unidos. Graças a décadas de grandes contribuições de campanha e de um lobby assíduo, o lobby israelense nos Estados Unidos não apenas controla os votos no Congresso, mas também colocou sionistas radicais em posições de destaque em todas os governos. No entanto, devido à brutalidade de Israel na Palestina e no Líbano, o lobby israelense perdeu a sua capacidade de controlar a narrativa e os votos na sociedade mainstream dos EUA.

Trump, Biden e Netanyahu acreditavam que Israel poderia "ter tudo" — a Israel Maior e paz com os Estados árabes, enquanto bloqueava um Estado palestino — por meio de um processo de normalização mediado pelos EUA. Os Acordos de Abraão (que estabeleceram relações diplomáticas entre Israel, Bahrein e os EAU [Emirados Árabes Unidos]) deveriam ser o modelo para normalizar as relações entre Israel e o Reino da Arábia Saudita. Essa abordagem sempre foi cínica (já que visava bloquear um Estado palestino) mas agora é certamente delirante. O Ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita deixou claro em seu artigo de opinião no Financial Times em 2 de outubro, que a solução de dois Estados é o único caminho para a paz e normalização.

"Uma solução de dois Estados não é apenas um ideal; é o único caminho viável para garantir a segurança a longo prazo da Palestina, de Israel e da região. Ciclos escalonáveis não-controlados são os blocos de construção de uma guerra mais ampla. No Líbano, estamos testemunhando isso em primeira mão. A paz não pode ser construída sobre uma fundação de ocupação e ressentimento; a verdadeira segurança para Israel virá do reconhecimento dos direitos legítimos do povo palestino."

A contínua oposição intransigente de Israel à solução de dois Estados, recentemente reiterada por uma votação da Knesset [parlamento israelense], tornou-se o maior perigo para a própria segurança de Israel. Israel está agora quase completamente ostracizado pela comunidade internacional e também enfrenta graves ameaças econômicas e militares à medida que a guerra regional se expande. Como apenas um indicador do desarranjo econômico emergente, a classificação de crédito de Israel já está despencando, e Israel provavelmente perderá a sua classificação de crédito-grau de investimento em breve, com consequências econômicas graves a longo prazo.

Além disso, a busca violenta de Israel por sua visão extremista não serve à segurança ou aos interesses dos EUA, e o povo estadunidense se opõe ao extremismo de Israel. O lobby israelense provavelmente perderá o seu controle. Tanto o público estadunidense quanto o "deep state" dos EUA são muito propensos a retirar o seu apoio acrítico e incondicional a Israel.

Os elementos práticos da paz estão ao nosso alcance, como detalhamos recentemente. Os EUA podem salvar a região de uma conflagração iminente e o mundo de uma possível guerra global entre grandes potências. Os EUA devem abandonar o seu veto à adesão da Palestina à ONU e apoiar a implementação da solução de dois Estados sob os auspícios do Conselho de Segurança da ONU, com a aplicação de segurança mútua para Israel e Palestina com base na justiça e no direito internacional.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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