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    Roberto Santana Santos

    Professor da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (EDU-UERJ). Doutor em Políticas Públicas e Mestre em História Política

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    Eleições EUA 2024: vitória de Trump escancara que moderação não detém o fascismo

    O fascismo age como instrumento do capital para o controle da classe trabalhadora em momentos de crise aguda

    Donald Trump em Palm Beach County, na Flórida, 6/11/2024 (Foto: REUTERS/Callaghan O'Hare)

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    Donald Trump venceu as eleições presidenciais estadunidenses e retorna à Casa Branca. Venceu apesar de suas grosserias, barbaridades, falas racistas, demagógicas e xenofóbicas. E, principalmente, mesmo tendo tentado fraudar as eleições de 2020 – como revelam gravações em que “solicita” que as autoridades da Geórgia “encontrassem” 11 mil votos, e sua tentativa de golpe transmitida ao vivo para o mundo inteiro em 6 de janeiro de 2021. Ao que parece, a maioria do eleitorado americano não se importa nem um pouco com isso. É necessário, mais do que constatar essa realidade evidente, compreender porque tantas pessoas mantêm seu apoio firme à extrema-direita.Há um elemento prévio, no entanto, que não pode fugir à análise. A economia estadunidense apresentou sinais de melhora com o governo Biden. A média de crescimento do PIB do presidente em final de mandato é de 3,27% contra 1,42% do governo Trump. Mesmo se retirarmos da conta o ano de 2020 (quando iniciou a pandemia de Covid-19), o primeiro mandato de Trump permanece aquém (2,6%) ao de Biden. O desemprego na sociedade norte-americana, que se manteve em queda permanente durante toda a década de 2010 (governos Obama e Trump), explodiu em 2020, chegando a 8,06%. Biden, entretanto, o trouxe de volta para patamares pré-pandêmicos (3,63% em 2023).

    Na inflação, sim, encontra-se a fraqueza do governo democrata. No século XXI, o índice nos EUA nunca esteve até então acima dos 4%. A média no governo Trump foi de 1,90%. Porém, o pós-pandemia levou a uma crise inflacionária mundial, que coincidiu com o governo Biden, atingindo o pico de 8% em 2022, baixando para 4% em 2023. Ou seja, há uma tendência de queda dos preços, mas estes permanecem ainda em patamares altos, o que castiga a classe trabalhadora e restringe o consumo dos setores médios. 

    Perante uma realidade amarga economicamente, não surtiram efeito os apelos de “defesa da democracia” por parte de Biden. A “batalha pela alma da nação” (seu lema de campanha em 2020) pretendia fazer dos “valores democráticos”, aparentemente tão caros ao cidadão estadunidense, um instrumento ideológico para combater o avanço da extrema-direita. Um bom slogan, porém, não muda a realidade, mas sim, a organização popular, a mobilização da militância e a disputa permanente de ideias na sociedade. E isso está muito distante da política institucional norte-americana, como de qualquer sistema liberal-representativo.

    Como o fascismo não se importa com o modo “certo” de fazer política, Trump se manteve ativo desde que deixou a cadeira presidencial. Transformou o partido Republicano de conservador numa agremiação de extrema-direita fundamentalista. Resistiu contra seus indiciamentos e condenações. Sustentou a narrativa de que a eleição de 2020 foi fraudada, o que justificaria o 6 de janeiro de 2021 não como um golpe, mas como um levante popular contra “o sistema”. E, com isso, não só garantiu uma terceira indicação sucessiva como candidato republicano, algo inédito na história contemporânea do país, como entrou na disputa como favorito.

    Para usar um termo muito caro à esquerda, podemos classificar Trump e seus seguidores como “militantes”. O fascismo quando adquire projeção de massas empolga, engaja e cultiva o sentimento de que o seguidor faz parte de uma coletividade ofendida que se levanta contra aqueles que lhe negaram o sucesso e o bem-estar. Assim, o fascismo age como instrumento do capital para o controle da classe trabalhadora em momentos de crise aguda, trabalhando o ressentimento gestado pela precariedade e o direcionando não para os reais culpados – os capitalistas, classe a qual Trump pertence -, mas, ao “outro” (imigrantes, LGBTs, comunistas, feministas, muçulmanos, intelectuais), o “inimigo” construído pela oratória extremista, que canaliza o ódio ressentido das maiorias para a manutenção do sistema e não para sua contestação.

    Desde a primeira candidatura de Trump em 2016, os estados do “rust belt” (cinturão da ferrugem, como Michigan e Wisconsin), outrora uma área densamente povoada de indústrias e operários, que fazia parte do “blue wall” (a parede azul, estados que sempre votavam nos democratas), se tornaram “estados-pêndulo” (que não possuem orientação definida, mudando a cada eleição), evidenciando o estrago que o neoliberalismo e a desindustrialização fizeram com esse setor da classe trabalhadora. Por outro lado, estados antes parte do “pêndulo” se tornaram definitivamente republicanos, como a Flórida, povoada por uma comunidade latino-americana reacionária e que nutre ódio pelos governos de esquerda/progressistas de seus países de origem, como Cuba, Venezuela e também o Brasil. 

    Transpassando classes e grupos sociais, o fascismo estadunidense mobiliza o descontentamento real imposto pelo neoliberalismo tardio, contra um “outro”, representado pela ameaça do “diferente” e do “amoral”, contra um liberal-centrismo que parece viver no idealismo de uma “democracia” cada vez mais repudiada pelos seus próprios cidadãos que deveriam usufruir dela. Aparece assim como elemento disruptivo, adquirindo contorno de movimento de massas, mobilizando um sentimento verdadeiro para um objetivo falso, se apresentando como antissistêmico, quando em verdade é um mecanismo eficiente de proteção desse mesmo sistema.

    Na véspera da votação nos Estados Unidos, Guilherme Boulos (Psol) concedeu sua primeira entrevista após o segundo turno das eleições municipais brasileiras, chamando a atenção justamente para o suicídio político que representa uma esquerda querendo adotar uma postura de “centro”, em um momento de profundo repúdio a essa posição. Seria, como mencionou, não uma derrota eleitoral, mas histórica, deixando a contestação a um sistema disfuncional nas mãos da extrema-direita que teria caminho aberto para uma longa hegemonia. Na vizinha Argentina também vimos o preço pelo fracasso de um “governo progressista” (Alberto Fernández) que preferiu adotar um “extremismo de centro” do que uma postura de mobilização ativa, o que selou a vitória de Milei.

    Mais do que a vitória eleitoral, a resiliência e o crescimento da extrema-direita liderada por Trump são um exemplo (de enorme influência) de que em conjuntura polarizada, dados positivos na economia e defesa abstrata da “democracia” não são garantidoras da vitória. A polarização contra o fascismo é uma necessidade imperiosa, não um capricho retórico. Os apelos à “moderação” não o detém, porque o fascismo só se torna uma opção de massas justamente quando os mecanismos convencionais da política liberal-representativa não têm propósito para amplas camadas da população. Em tempos de clamores ao centro por parte de setores vacilantes do campo popular brasileiro, os sinais vermelhos da conjuntura vindos (não só) de Washington são evidentes e demarcam que contra o fascismo é necessário calçar as luvas e encarar o confronto.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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