Eleições tudo bem, mas não venham mexer na política econômica
"Para a mídia conservadora brasileira não tem cabimento Lula querer governar com o programa do... PT", escreve o deputado Paulo Pimenta
Por Paulo Pimenta
A crise das democracias liberais contemporâneas, no centro ou na periferia do sistema, é inseparável da radicalização do modelo de acumulação capitalista hegemonizado pelo capital financeiro, que atende pelo nome de neoliberalismo e não cultiva dramas de consciência em adotar métodos de mando com características fascistas para realizar-se.
Esse é o resumo do enredo neoliberal: no centro sacrifica a soberania popular, fere a legitimidade das instituições democráticas, na periferia passa o rolo compressor, servindo-se da revolução tecnológica, dissolve qualquer tentativa de soberania nacional. Busca assim, perpetuar um neocolonialismo high-tech.
O economista Pedro Malan, ex-ministro de FHC costumava repetir, com certo enfado, nos anos 90, que eleições não deviam se ocupar de economia, mas de alternar os condutores. Algo assim, bastante singelo: o povo não entende de economia. Portanto, tiremos a economia para fora do alcance do voto popular. Deixemos a economia para quem entende. O modelo está dado. Não há o que debater sobre ele.
Para os neoliberais como Pedro Malan e seus seguidores, que disseminam o ideário da democracia sem povo, defendido pelas elites brasileiras, a soberania popular, base legitimadora mesmo da limitada democracia liberal clássica, é uma invenção de seus avós sonhadores e ultrapassados, incompatível com a boa gestão da economia contemporânea.
A leitura dos editoriais e artigos dos primeiros dias do ano, assinados por quem entende de economia nas páginas dos meios de comunicação corporativos revela facilmente que Malan fez escola.
Para os porta-vozes das oligarquias, estejam eles no agronegócio, na Faria Lima, nos telejornais ou nas páginas editoriais da imprensa corporativa, a democracia não deve incluir o debate sobre os rumos da economia... Ainda que a laboriosa construção da “ponte para o futuro”, como sabemos, tenha conduzido o país ao pântano econômico, ao desastre social e ao autoritarismo político ao longo do governo Temer e desses três anos de governo Bolsonaro.
A direita convencional brasileira não consegue escapar da armadilha que armou para si mesma ao se tornar caudatária de Bolsonaro, nas eleições de 2018. Pretende pela repetição convencer seus leitores de que combate Bolsonaro, embora defenda a política econômica de Paulo Guedes. O motivo é simples: a direita bem comportada não dispõe de um programa econômico que se diferencie do ultraliberalismo posto em prática pelo governo neofascista, para apresentar aos seus eleitores.
Essa é a razão central do fracasso da terceira via até aqui. Quando se acendem os holofotes do processo eleitoral e seus representantes são chamados a apresentar seu programa, a direita cheirosa não oferece nada diferente do que Bolsonaro/Guedes já aplicaram em doses cavalares em três anos de um governo que, em termos de política econômica, já acabou.
Daí a reação indignada contra qualquer menção de Lula em mexer no teto de gastos que retirou o povo do orçamento, ou na Reforma Trabalhista de Temer que, em lugar de gerar empregos como anunciava, ampliou o desemprego em escala nunca vista no Brasil. Em 2019, 11,9% da mão de obra do país estava desempregada. Em 2021, essa cifra alcançou 14,4%, o que significa algo em torno de 14 milhões e trezentos mil brasileiros desempregados (Jamil Chade, FSP, 17/01/22).
Depois de uma sequência de ataques da mídia corporativa, foi necessário que a presidenta do PT, deputada Gleisi Hoffmann, viesse a público refutar em bom português o conteúdo do editorial “Salto sobre navalha”, publicado pela Folha de S. Paulo, em 16 de janeiro, em que o jornal acusa Lula de ambiguidade e cinismo.
Antes de dar sua resposta à acusação, Gleisi advertiu o editorialista contra a falsificação da história. A Folha tentou vender a certa altura uma falácia quando afirma a “manutenção e aperfeiçoamento da responsabilidade fiscal, que marcou o fim da era FHC no Planalto.”
Ora, o Governo FHC não foi nenhum exemplo de rigor fiscal na política econômica no fim do seu mandato. Lula recebeu o país em janeiro de 2003 com uma inflação de 12%, juros praticados a 40% e uma dívida pública equivalente a 2/3 do PIB. Esses são os dados, para fazer justiça à nossa memória.
Dito isso, Gleisi afirmou:
“Não foi com a receita neoliberal que o Brasil cresceu e mudou. Foi com investimento forte do Estado em políticas públicas, obras, aumento do salário real e geração de emprego e renda para os mais pobres em escala nunca vista. O oposto do que pregam a Folha e a Faria Lima”.
“Ambiguidade e cinismo é dizer que é contra Bolsonaro e ao mesmo tempo defender a política econômica de Paulo Guedes, como faz a grande mídia. Incendiária é a Reforma Trabalhista que achatou salários, retirou direitos e agravou a crise social do país.
“O Projeto que Lula representa é muito claro. Colocar o povo de novo no orçamento, para o país voltar a crescer e garantir vida mais digna à nossa gente. Pensar primeiro na economia popular como sempre fizemos.”
Apresentar Guido Mantega como cavaleiro do apocalipse depois da publicação do artigo que circulou dias antes em defesa do legado dos governos do PT é um evidente exagero. Com ele à frente da pasta o país alcançou o investment grade, o Brasil pagou uma dívida externa crônica e se tornou credor do FMI, conheceu já no governo Dilma o pleno emprego e emplacou um crescimento médio do PIB de 4,5% por ano.
Para a mídia conservadora brasileira não tem cabimento Lula querer governar com o programa do... PT. Só será aceitável se governar com o programa do Temer/Bolsonaro. E da Faria Lima, certamente.
Vinte anos depois, a Folha reitera a pergunta do herdeiro Otávio Frias Filho ao candidato Lula, em 2002 num almoço que afinal foi interrompido: “O quê o faz pensar que está preparado para governar o Brasil?”
Não parece razoável a esta altura esperar que o ex-Presidente Lula vá pedir à Faria Lima, aval ou licença para restaurar a soberania popular! Aparentemente, o eleitor brasileiro compreendeu antes dos entendidos de economia que em 2022 “vai escolher entre dois modelos que ele já conhece muito bem: o que reduziu a desigualdade e o que aumentou a injustiça”. Sem ambiguidades. Para desalento dos defensores do projeto neoliberal, a sociedade brasileira já entrou no debate da questão econômica: reforma trabalhista, teto de gastos, desemprego e – tudo indica – não se afastará dele até que se abram as urnas de outubro/novembro.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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