Em defesa do livro
"A velha censura prévia das ditaduras reaparece. E sempre ali onde ela é mais nefasta: na escola!"
Por mais que surjam novidades tecnológicas e o obscurantismo às vezes prospere, o livro já conquistou seu lugar como o mais importante depositário do saber universal. E quando digo livro, me refiro a este produto de papel, cheio de folhas com letras, com “um montão, um amontoado... Muita coisa escrita”, como já reclamou um certo energúmeno por aí. Pois é, existem aqueles que não gostam do livro, do saber, da cultura. Por eles fariam uma grande fogueira, repetiriam os feitos de Hitler e transformariam todos os serem em carneirinhos obedientes, ou melhor ainda, em lagartixas que sabem apenas expressar “sim, senhor!”, balançando a cabeça. Mas a história já os superou, felizmente.
Mas a superação não significa terem acabado os problemas, ao contrário, eles reaparecem sempre, aqui, acolá, de uma velha forma, ou de outra nova. O fato é que o livro vive uma encruzilhada difícil de traspassar. Mas conseguirá, acredito. Não vou poder, aqui, tratar de todos os temas que gostaria. Selecionei alguns, e depois vão algumas sugestões de superação.
A velha censura prévia das ditaduras reaparece. E sempre ali onde ela é mais nefasta: na escola! E nos estados onde os governantes são mais reacionários, como no sul do país, a começar pelo Paraná onde se deu a primeira censura ao “O avesso da pele” de Jeferson Tenório, com o livro sendo retirado das escolas estaduais a partir de determinação da Secretaria dita da “Educação”. Antes, o livro já tinha sido motivo de polémica na cidade gaúcha de Santa Cruz do Sul. Depois o fenômeno se reproduziu por outros estados. É interessante notar, que recentemente foi divulgado o resultado das Olimpíadas de História do Brasil. Pelo que vi, o Nordeste recebeu 58 medalhas, o Sudeste, 17, o Sul ... nenhuma! E viva a cultura!
Mas um dos aspectos mais importantes do livro, hoje, diz respeito à comercialização, seja do livro impresso, seja do digital. Claro que o digital é comercializado apenas pelos sites e plataformas digitais. Mas no Brasil de hoje, como reflexo do domínio imperial ainda predominante, apenas uma empresa estrangeira, a Amazon, domina mais de 50% deste mercado, prevendo editores que logo ela chegará a dominar 90%! Em Paris já vi polémicas e regras estabelecidas pela prefeitura contra este monopólio, que estava levando ao fechamento do amplo mercado livreiro da cidade. No Brasil, já não existe quase mais nenhuma pequena livraria de bairro e/ou de pequena (digo, média), cidade. Até quando vamos suportar isso, em defesa de nossa cultura? Mas o aspecto do livro na educação enfrenta outro oponente: a tentativa de suprimir o livro físico na escola, como fez o secretário bolsonarista da (des)Educação de São Paulo, que dispensou os livros didáticos do MEC para 2024 a fim de adotar 100% de material digital. Era bom que estes ditos cujos “modernosos” conhecessem um pouco da experiência universal. Um dos países de tecnologia mais avançada do mundo e o pioneiro a adotar este sistema, agora voltou atrás: reconheceu que o sistema estava “burrificando” seus jovens, e, a partir de 2024, voltou a adotar o velho e imorredouro livro! A Suécia! Era bom que o senhor Tarciso e seus serviçais deseducadores procurassem se informar a respeito. Voltando ao aspecto comercial, vencida a tentativa do obscurantismo do governo anterior que pretendeu elevar a taxação do livro, assistimos um processo contínuo de encarecimento do livro. Acabaram as pequenas livrarias e até muitas das grandes estão fechando, como a Saraiva e a Cultura. As nossas grandes e queridas editoras, na maioria sucumbiram. Fecharam, como a Brasiliense de Caio Prado, ou são meros selos de grandes monopólios como, como a Civilização Brasileira de Ênio Silveira. Algumas médias resistem a duras penas, mas já não têm condições de abrir espaço para novos escritores. O domínio é de poucas grandes, por sua vez já dominadas em grande parte pelo capital externo. As pequenas editoras, mesmo no eixo Rio-São Paulo, penam para sobreviver. E cobram caro o exemplar de cada livro ao autor, que pena para os revender.
E os grandes eventos do livro? Agora em fins de abril teremos a “Bienal do Livro da Bahia”. Acho que o nome não é apropriado, o correto, seria: Bienal Privada do Livro na Bahia. Privada por que é um evento comercial que visa o lucro, não a cultura. Veja-se o destaque inicial do site do evento: venda de ingresso! Lucro! E “na” Bahia, porque, para ser um produto da Bahia, teria que valorizar o que é da terra. É bem verdade que estarão presentes muitos escritores baianos, todos os já consagrados. E os novos? E os editados pelas pequenas editoras baianas? Estas não aparecem nem mesmo na relação das editoras que estarão presentes na bienal, embora elas irão ter uma CASA DAS EDITORAS BAIANAS que, há muito custo, estarão na bienal.
E nossos governos, que fazem, que devem fazer? Tenho visto algumas iniciativas do ministério da Cultura de valorização do livro. Mas muito ainda temos a fazer pelo livro e pela leitura. Alinho telegraficamente algumas sugestões: manter a pluralidade na compra para o PNLD, porém incluindo a diversificação regional e/ou estadual a fim de inserir a produção literária regional na educação; adotar políticas de crédito e fiscal de apoio à criação de pequenas livrarias nos bairros e nas pequenas cidades; legislar sobre a obrigatoriedade das prefeituras em apoiar as bibliotecas municipais e comunitárias; adotar política e/ou legislação visando impedir o monopólio de empresas estrangeiras na comercialização livreira digital e física; fiscalizar, quando financiar eventos privados, para que eles não discriminem os locais, os recursos públicos devem, ao contrário, ajudar os próprios, o local, e não o forâneo.
Tudo isso, até porque, a cultura, assim como a educação e a saúde, não podem ser objeto de comercio, mas dever do Estado para com seus cidadãos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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