Em Fortaleza, 11.968 pessoas não vão votar
"As escolhas feitas neste momento não podem ignorar essas feridas", escreve Sara Goes
Em meio à acirrada disputa do segundo turno em Fortaleza, com pesquisas apresentando empates numéricos, técnicos e proporcionais em todos - todos - os segmentos, um número se destaca: 11.968 pessoas perderam a vida durante a pandemia de Covid-19 na capital. Esse número não apenas reflete a tragédia pessoal de milhares de famílias, mas também evidencia a ideologia fascista do ex-presidente Bolsonaro. André Fernandes, um dos candidatos no segundo turno, é conhecido por seu papel como deputado federal, onde se destacou por espalhar diversas fake news e gerar pânico entre a população, prejudicando a gestão da saúde pública em um momento crítico.
Com a chegada do coronavírus, a cidade adotou prontamente medidas de isolamento social, controlando a disseminação do vírus em diversas fases críticas. Mesmo com essas ações, a tragédia foi inevitável. As quase 12 mil vidas perdidas permanecem como uma marca dolorosa na memória coletiva da capital. Embora dados de 2023 mostrem uma queda expressiva de 98% nos casos e mortes em relação a 2022, o impacto emocional, social e econômico da pandemia ainda reverbera intensamente. Muitas famílias nunca se recuperarão completamente, e o trauma coletivo se mantém vivo, influenciando o cenário polític. A crise da Covid-19 não foi apenas uma questão de saúde pública, mas também um teste sobre a liderança e a responsabilidade dos gestores — uma questão que continua a moldar o debate eleitoral em Fortaleza.
Nesse contexto, a administração do médico e então prefeito Roberto Cláudio (PDT) merece reconhecimento por sua condução firme e organizada durante a pandemia. Sua formação e conhecimento na área da saúde foram essenciais para implementar medidas rápidas e eficazes, garantindo que Fortaleza agisse rapidamente para lidar com o impacto do coronavírus, ainda que as vacinas tenham demorado. Ao mesmo tempo, o ex-governador Camilo Santana também desempenhou um papel crucial, agindo como um verdadeiro escudo para o estado. Mesmo diante das ameaças e pressões do ex-presidente Jair Bolsonaro, que se opunha a medidas restritivas e propagava desinformação, Camilo manteve-se firme em defesa da saúde pública e da ciência, priorizando a vida da população cearense.A guinada ao fascismo que Robero Claudio deu neste segundo turno, além da própria ousadia de André Fernandes se candidatar, talvez tenha sido a maior dor sentida neste pleito.
Entre os 11.968 falecidos, destaco Gilmar de Carvalho, jornalista, escritor e pesquisador da cultura popular, o mais importante estudioso da cultura cearense, com mais de 50 livros publicados. Professor Gilmar, falecido em 2021 a espera da vacina, recusou em 2019 o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Ceará (UFC) como forma de protesto pela imposição do reitor interventor de Bolsonaro, Cândido Albuquerque. Uma homenagem póstuma foi realizada no dia 21 de outubro, dando o título a Gilmar em uma solenidade com estudantes de comunicação, artistas, intelectuais e com a presença de Francisco Sousa, seu marido e parceiro de pesquisa.
Na contramão da homenagem a Gilmar de Carvalho, a candidata a vice-prefeita de André Fernandes, católica ultraconservadora, Alcyvania Pinheiro, publicou um vídeo em que se explicava sobre declarações de que postos de saúde distribuiriam cartilhas que ensinam mulheres a realizarem abortos em casa. Alcyvania tentou se retratar afirmando que não se referia especificamente ao município de Fortaleza nem aos seus servidores, mas a municípios "de forma geral". No entanto, piorou a situação ao afirmar que, se o PT vencer o segundo turno, esse cenário poderia se tornar realidade.A chapa pura do PL, de André Fernandes e Alcyvania Pinheiro, planeja incluir Mayra Pinheiro, conhecida como "Capitã Cloroquina", na gestão municipal, com previsão de que ela assuma a Secretaria de Saúde. Em 2019 Mayra afirmou e reafirmou ter visto um sem número de pênis na Fundação Oswaldo Cruz. O candidato que não consegue enxergar as quase 12 mil mortes, com sua contribuição indireta ao espalhar pânico e desconhecimento através de fake news, pretende se cercar em sua gestão de pessoas que insistem em ver o que não está ali.
A tragédia que atingiu a cidade de Fortaleza durante a pandemia também atravessou minha família. Minha avó, Dona Lourdes Miranda, morreu à espera da vacina, após definhar em um longo isolamento. Minha tia, Tereza Cavalcanti, que sobreviveu à Guerrilha do Araguaia, ao exílio e ao câncer, não sobreviveu ao bolsonarismo.
Essa eleição municipal está particularmente nacionalizada, com a gestão da pandemia e a resposta (a falta dela) do governo federal ainda vívidas na memória dos eleitores. Essas mortes, em sua brutalidade, precisam fazer parte do cálculo íntimo de cada eleitor ao decidir o futuro de Fortaleza. As escolhas feitas neste momento não podem ignorar essas feridas. André Fernandes, como já discutido em outros artigos, é um político hábil em transitar entre diferentes personas, adaptando sua retórica conforme necessário. No entanto, qualquer que seja a faceta que ele escolha apresentar, o que o espera é sempre o mesmo: o caos, a morte e o fundamentalismo. Seu envolvimento com desinformação e negacionismo durante a pandemia mostra exatamente o que sua gestão traria para a capital cearense.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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