Enganosa defesa da Amazônia
"A verdadeira defesa militar da Amazônia exige autonomia nacional em produção de material de guerra. Força armada que depende de fornecedor estrangeiro não tem desígnio próprio nem resiste ao invasor poderoso"
Exércitos custam caro. Precisam de argumentos sólidos para justificar dispêndios públicos. Sem percepção coletiva de perigo, é difícil manter gastos militares. Assim ocorre em toda parte, qualquer que seja o porte das economias nacionais e suas inserções geopolíticas.
Nas últimas décadas, a cobiça sobre a Amazônia foi uma justificativa para investimentos em Defesa. Surgiram longas e enfadonhas listas de personalidades e instituições estrangeiras com afirmações ameaçadoras de nossa soberania sobre a floresta. Generais dizem que milhares de ONGs atuam no preparo ideológico da invasão estrangeira. Tribos indígenas já estariam falando inglês...
A propaganda dos militares na televisão tem destacado o preparo para lutar na densa mata e o atendimento à população carente. A defesa da Amazônia tornou-se bandeira tão eloquente que a Marinha passou a designar nossas águas oceânicas como “Amazônia Azul”.
A floresta sempre despertou atenção. No século XIX, impérios europeus enviaram expedições para inventariar suas riquezas. Muito do que se sabe sobre esse espaço deve-se a esses expedicionários. O alemão Carl Friedrich Philipp von Martius, ganhou, em 1840, um concurso organizado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro com o tema: “Como escrever a História do Brasil”. Uma de suas teses continua atual: cabe reconhecer a humanidade de índios e negros.
A crescente escassez de matérias primas, a carência de água doce e os anunciados desastres climáticos acentuaram o interesse mundial sobre a Amazônia. Pactos multilaterais longamente negociados refletiram preocupações reais com o futuro do planeta.
Eis que uma especulação de pouco valor acadêmico, com título provocativo, ”Quem invadirá o Brasil para salvar a Amazônia?”, publicada na revista “Foreign Policy” por Stephen Waltz acende apreensões sobre a soberania territorial. O autor raciocina a partir de “jogos de guerra”, que admitem hipóteses não necessariamente verossímeis.
A pretensa ameaça enseja discurso patriótico ao governo desgastado pela subordinação incondicional à Washington. É oportuna também para militares que admitiram a fragilização de nossa segurança energética, a venda da EMBRAER, a cessão de Alcântara, a perda do controle da foz do Amazonas e o desmonte do sistema nacional de produção do conhecimento científico e tecnológico, sem o qual não há o que dizer acerca de defesa autônoma.
A presença militar na Amazônia ganhou destaque desde que Rondon abriu estradas, estendeu fios telegráficos, desenhou mapas, “descobriu” povos originários postulando que deviam ser “protegidos” e “integrados à civilização” e convidou Theodore Roosevelt , ex-presidente dos Estados Unidos, para uma de suas expedições. O homem tinha fama de naturalista, mas se destacara, sobretudo, por ter projetado mundialmente a força dos Estados Unidos. Tinha agudo senso estratégico. Pondo a mão forte no Panamá, iniciou a construção do Canal. O Exército custeou sua viagem pela floresta. Roosevelt se tornou até nome de rio brasileiro!
Rondon teria dito: “morrer se preciso for, matar nunca!”. Criou e dirigiu o Serviço de Proteção ao Índio. Desde então, a mortandade acelerou, seja pelas doenças contagiosas do “civilizado” ou pela redução das terras das tribos. O decréscimo da população indígena foi contido ultimamente, tendência que será invertida caso prevaleça a vontade presidencial de não demarcar “um centímetro” de terra indígena e tirar qualquer controle da monocultura de exportação.
Durante a primeira metade do século XX, o militar brasileiro evitou a Amazônia. No Rio de Janeiro e nas grandes cidades estavam as oportunidades de lograr promoção hierárquica e conspirar para livrar o Brasil da corrupção; na fronteira sul, estariam as ameaças à soberania. Para vender armas e equipamentos, os franceses que orientaram a modernização do Exército estimularam tensões com a Argentina.
O serviço em áreas distantes como a Amazônia equivalia ao exílio punitivo. A iniciativa mais impactante do Estado Novo foi a do fatídico envio dos “soldados da borracha”, trabalhadores rurais nordestinos, para atender a demanda industrial de leite da seringueira.
A presença do Exército na Amazônia tomou impulso apenas na segunda metade do século passado. Foi necessária a autoridade do general Lott para criar o Comando Militar da Amazônia.
Preocupações com movimentos insurrecionais impulsionaram a presença do Exército na floresta, aliás, designada como “selva”, conforme o jeito anglo-saxão de falar. Tratava-se de atuar como polícia, não de enfrentar estrangeiro cobiçoso. Nesta época, a United States Steel já havia localizado em Carajás a maior província mineralógica do mundo. Foram então desenhados projetos de expansão das atividades econômicas.
A ditadura adotou o lema “integrar para não entregar”, abriu a Transamazônica e cedeu ao bilionário estadunidense Daniel Ludwig uma propriedade de dimensões próximas ao estado de Sergipe. Com a redemocratização, o governo concebeu o Programa Calha Norte, conduzido por militares. Continuava em pauta a ampliação da fronteira agrícola.
Em termos de defesa efetiva da Amazônia contra o estrangeiro cobiçoso o militar brasileiro muito falou, mas pouco fez. Guerreiros preparados para lutar na floresta são indispensáveis, mas não bastam. O aparato existente intimida brasileiros insatisfeitos, mas é incapaz de resistir a uma imaginável invasão dos Estados Unidos. Imaginável, sim.
A defesa efetiva desta imensidão territorial passa pela ampliação dos investimentos na proteção ambiental e no atendimento de demandas sociais, tarefas eminentemente civis. Comunidade fragilizada, sem perspectiva promissora, é exposta ao estrangeiro insinuante.
A verdadeira defesa militar da Amazônia exige autonomia nacional em produção de material de guerra. Força armada que depende de fornecedor estrangeiro não tem desígnio próprio nem resiste ao invasor poderoso.
A invasão da Amazônia é questão de tempo e oportunidade. Mas isso não passa pela cabeça do capitão que preside e dos generais sob seu comando. Fica como registro para quando chegar o tempo de reconstruir o Brasil.
Exércitos custam caro. Evitemos argumentos enganosos para manter o nosso.
Soldados, parem de atuar como partido fardado! E sepultem definitivamente a ideia de voltar a agir como polícia política! Preparem-se de verdade para defender a Amazônia e o Brasil!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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