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    Lejeune Mirhan

    Sociólogo, Professor (aposentado), Escritor e Analista Internacional. Foi professor de Sociologia e Métodos e Técnicas de Pesquisa da UNIMEP e presidente da Federação Nacional dos Sociólogos – Brasil

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    Erram os que dizem que a entrevista com Vladimir Putin não trouxe nada de novo

    "Essa entrevista, para o público dos Estados Unidos, verá pela primeira vez o outro lado das coisas", opina

    Vladimir Putin e Tucker Carlson (Foto: Tass)

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    Foi ao ar no último dia 8 de fevereiro, uma entrevista que deu imensas repercussões mundiais e de certa forma, muito rara de acontecer, quando o presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, falou com o polêmico jornalista estadunidense Tucker Carlson. Ouvi muitos comentários sobre ela. Mas, o mais equivocado deles é o que diz que “a entrevista com Putin não trouxe nada de novo” (sic). Nada mais equivocado, como demonstrarei.

    Vou dividir o roteiro desta minha análise em três partes: 1. A minha percepção do significado da entrevista; 2. Quem é Tucker Carlson e; 3. Os pontos que me chamaram atenção em função não só do que eu assisti das 2h da entrevista, mas também do que eu li em vários comentários nos principais portais internacionais.

    Percepção sobre a entrevista

    Nós não sabemos quantas pessoas assistiram no canal do Carlson e talvez jamais venhamos a saber. No seu canal, já chega a quase 12 milhões de visualizações. Ela foi retransmitida por milhares de canais no YouTube e na Rússia, todas as televisões abertas e por assinatura. Então, é dificílimo estimar quantas pessoas assistiram e, especialmente, nos Estados Unidos que é, na verdade, para o público ao qual se dirige esse conteúdo. A minha estimativa é de que muito mais de 100 milhões de pessoas assistiram no canal do Carson, no X (ex Twitter) e no Tucker Carlson Network.

    Quando ele anunciou a entrevista, ele postou na rede X um pequeno vídeo de cinco minutos, que já teve mais de 100 milhões de visualizações. Só por isso dá para termos uma ideia da força de Putin, que se mostrou um estadista, talvez o maior hoje no mundo; uma pessoa de uma inteligência muito superior e com um grande domínio da história. 

    Ele gastou uns 25 minutos para falar da história da Rússia, da Ucrânia, da União Soviética, do Império Russo etc.  Eu duvido que alguém como o presidente Biden, que deve estar acometido de senilidade, tenha essa capacidade de fazer uma análise histórica de algum fato, talvez alguma coisa relacionada aos Estados Unidos, como fez Putin.

    Minha última observação sobre a entrevista, contrariando o que muitos comentaristas – do nosso campo, inclusive – que disseram que a entrevista não trouxe nenhuma novidade. 

    Não é verdade! Trouxe sim algumas novidades, talvez não muitas para pessoas que acompanham o dia a dia da opinião da Rússia sobre as Operações Militares Especiais deflagradas em 24 de fevereiro de 2022. 

    Nós acompanhamos as razões da Rússia para entrar no conflito, que começou em 2014. Nós sabemos filtrar o bombardeio midiático dos conglomerados e corporações de imprensa que divulgam exclusivamente as opiniões dos EUA. 

    No entanto, essa entrevista, para o público dos Estados Unidos, verá pela primeira vez o outro lado das coisas – porque em tempo algum eles jamais viram o ponto de vista da Federação Russa e, se viram, foi distorcido – terá sido uma grande bomba e terá tido imenso impacto. Eles viram as notícias do conflito, mas sempre seguidos de depreciações, de rebaixamentos, tentando mostrar o Putin como um “ditadorzinho” autoritário, autocrata, como eles gostam de dizer.

    Então, sob esse aspecto, essa entrevista foi uma bomba nos Estados Unidos. Nós, que analisamos essa entrevista sob um ponto de vista Ocidental, ainda que tenhamos uma opinião progressista, temos que levar em conta o que ocorre nos Estados Unidos e o efeito disso para quem acha que a Ucrânia está dando uma surra na Rússia, para quem acha que a Ucrânia já ganhou a guerra.

    Estas são as minhas observações iniciais desta entrevista do Tucker Carlson, que já pode ser considerado o homem mais odiado nos Estados Unidos. Já se pede abertamente a sua prisão para quando ele retornar aos EUA.

    Quem é Tucker Carlson

    Se pudesse usar um termo popular no Brasil eu diria: “esse não é flor que se cheire”. Mas, vamos aos fatos. Ele é um homem de 54 anos, que não é jornalista por formação, mas sim historiador. Apresenta-se como analista internacional e apresentador. Possui o seu próprio canal no YouTube com quase 1,3 milhões de inscritos. 

    Ele escreve regularmente como colunista em muitos órgãos. Ele é também autor de pelo menos, três livros, a saber Políticos, Partidários e Parasitas: Minhas aventuras no noticiário a cabo (2003); Navio dos tolos: Como uma classe dominante egoísta está levando a América à beira da revolução (2018) e O longo slide: Trinta anos no jornalismo americano (2021). É preciso dizer que Tucker Carlson é um homem ideologicamente de extrema-direita ou de direita e um homem do esquema de Donald Trump.

    Alguém poderia perguntar: então essa entrevista vai fortalecer o Trump? Nós não podemos fazer a análise por este aspecto. O mais importante é o conteúdo passado para um público que nunca viu esse tipo de fala, sobretudo, vindo diretamente da boca do presidente da Rússia. 

    Eu recomendo que vocês assistam, se puderem. Assistam, mas não se preocupem com o entrevistador, preocupem-se em entender, absorver, filtrar e analisar aquelas palavras que saem da boca do presidente da Federação Russa, hoje um dos maiores expoentes da luta antiimperialista, ao lado de Xi Jinping (China) e Ebrahim Raisi (Irã). Eu não ponho o presidente Lula nesse time dos maiores expoentes dessa luta, porque nem ele talvez queira ser classificado dessa maneira.

    O Trump poderá tirar dividendos disso? Poderá, ele tem falado que se fosse presidente dos Estados Unidos neste momento – e ele espera vencer as eleições em novembro – acabaria com a guerra na Ucrânia em 24 horas. 

    Isto é o que ele tem falado, mas o governo de Joe Biden, com o seu secretário de Estado que só fala em guerra, acabou de aprovar no Senado uma ajuda de 61 bilhões de dólares para a Ucrânia, um dinheiro que não vai para para atividades sociais, não vai para cuidar do povo dos Estados Unidos, e é aplicado num país que não tem nada a ver com os EUA. 

    Hoje o povo da Ucrânia está perambulando pela Europa, vivendo como refugiados. Os EUA já jogaram 150 bilhões nessa guerra perdida e agora querem injetar mais 60 bi. E eles exigem que a Europa, que é subordinada, aprove um pacote de 50 bi, ou seja, eles não querem parar a guerra.

    Neste exato momento, os Estados Unidos estão fazendo três guerras em pleno ano eleitoral: na Ucrânia, que é uma guerra contra a Rússia e não da Rússia contra a Ucrânia; estão na guerra contra os palestinos, ao lado do genocida e criminoso de guerra Netanyahu e agora começaram uma guerra contra o Iêmen.

    Esse é um pequeno país árabe, pobre, que fica na península arábica, na entrada do Mar Vermelho, que tem uma guerrilha muito forte que está ao lado dos palestinos. Assim, eles movem neste momento três guerras, contra três países, no caso Palestina é contra um povo. 

    Neste momento, eles também atacam mais dois países árabes sem autorização da ONU, que são a Síria e o Iraque. Acho que o Trump não faria uma política externa muito diferente. Talvez tivesse nuances de diferença. Dessa forma, ele cresce no cenário eleitoral quando diz: “eu acabo com essa guerra em 24 horas”. 

    A guerra já acabou faz tempo; a Ucrânia já perdeu faz tempo. A frase de maior efeito que eu anotei do Putin foi essa: “Se a Rússia parar de atacar a Ucrânia a guerra acaba imediatamente; se a Ucrânia parar de se defender, a Ucrânia acaba”, ou seja, é uma guerra conclusa.

    O destaque de alguns pontos da entrevista

    Putin disse que está aberto ao diálogo e está disposto a fazer as conversações que forem necessárias para pôr um fim a esta guerra. Mas, que a rigor, um dos objetivos ainda não foi atingido, que é a desnazificação da Ucrânia. 

    Este termo também – com qual eu estou plenamente – tem comentaristas do nosso campo que não compreendem e dizem: que negócio é esse? Que coisa mais vaga! A Ucrânia é a maior exportadora de nazistas da Europa. Eles fazem abertamente a saudação nazista, usam suásticas nas suas vestes e ainda perguntam: que negócio é esse  desnazificação? Incrível a falta de percepção de algumas pessoas.

    É tão evidente esta realidade que a Rússia destruiu o Batalhão Azov, que era o Batalhão nazista que tinha sido incorporado ao Estado ucraniano, entrou na sua folha de pagamento, que são aqueles mercenários, terroristas que passaram a ser funcionários do Estado ucraniano. 

    Sobre a guerra na Ucrânia foram as seguintes observações que eu depurei da entrevista: a guerra não foi a Rússia que começou, foi a Ucrânia que começou em 2014 quando ela deu o golpe e começou a atacar a região do Donbas, matando russos que moram lá e aí começa a guerra. 

    Mas, o Ocidente e suas mídias corporativas não falam isso. A Ucrânia desrespeitou os acordos de Minsk (capital da Bielorrússia) onde foram assinados acordos com participação dos presidentes da França, da Rússia, da Belarus, da Ucrânia e acho que até a primeira-ministra da Inglaterra à época.

    Dois acordos foram assinados, um em maio e outro em setembro, do mesmo 2014. A Ucrânia assinou, mas nunca acatou depois que o Zelensky entrou, em 2019. Este ano teria eleição, mas ele cancelou, seria a reeleição dele. 

    Quando ele toma posse, ele incrementa ainda mais o ataque ao Donbas, onde a Ucrânia matou mais de 15.000 russos étnicos, que é aquele que é nascido na Rússia, mas mora na Ucrânia. Matou ainda falantes de russo, que são os filhos dos russos étnicos que já nasceram na Ucrânia. 

    Putin explica que a Ucrânia foi uma criação de Lênin, que foi ele que idealizou a Ucrânia que nunca existiu como país, sempre foi parte da Rússia, que nasce em Kiev, que era a capital do império russso. Então, Lênin idealizou um sistema de Repúblicas Soviéticas Socialistas e levantou a ideia de criar uma Ucrânia Soviética Socialista que, voluntariamente, se une à União das Repúblicas Soviéticas. 

    O império russo antigo dominava esses países vizinhos que eram satélites, dominava a ponto de escravizá-los, eles não tinham liberdade para exercer a sua independência total. Ao ingressar na União Soviética, isso muda de figura.

    No meu livro Stalin para principiantes tem um capítulo específico sobre a Constituição Soviética de 1936. Eu li, estudei e escrevi esse capítulo e lá está claro: é livre a associação de qualquer uma das Repúblicas e elas podem sair quando quiser. Então, Lênin levantou a ideia e surgiu enquanto país. Mas, é o mesmo povo eslavo, tudo russo.
    Nikita Khrushchov cometeu um grande erro em 1954. Para ficar bem com a Ucrânia (pondera-se que ele é ucraniano), presenteou-a com a Crimeia. Quando Vladimir Putin, em 2014, tomou a Crimeia de volta, ele disse: “estamos recuperando o que era nosso”.

    Ele faz uma observação muito interessante. Ele diz que Washington instruiu a Ucrânia a não negociar. Para que a Ucrânia negocie Washington, este tem que mudar de posição. Então, ele joga totalmente a responsabilidade de continuar a guerra ou assinar um acordo de paz nos ombros dos Estados Unidos. 

    Isto porque, o Zelensky não manda nada. Portanto, se os Estados Unidos quiserem que a guerra acabe, eles têm que imediatamente parar de fornecer armas para a Ucrânia. Mas, o Senado acabou de aprovar uma nova ajuda bilionária. Agora terá que ser votado na Câmara dos EUA, mas prevejo que vai ser mais difícil de aprovar, porque há muita resistência em continuar mandando dinheiro para a Ucrânia.

    E finalizo, esse aspecto sobre a guerra na Ucrânia onde ele diz: a derrota da Rússia na Ucrânia é impossível. Ele não usa a palavra “improvável”.

    Sobre a OTAN Putin faz uma série de comentários. Eles difundiram uma ideia que fica no imaginário dos europeus, a ponto de Suécia e Finlândia, que nunca foram membros da OTAN terem pedido o ingresso. Eles estão difundindo que a Rússia vai atacar a Europa e vai enfrentar a OTAN e expandir “seu domínio”. 

    Essa afirmação é absolutamente mentirosa. Ele diz que não há menor possibilidade de a Rússia entrar em guerra nem com a Polônia, nem com qualquer outro país europeu, salvo se formos atacados por algum deles, aí vamos nos defender.

    Ele menciona que desde que acabou a União Soviética em 1991, quando a OTAN, era comandada por Bush (pai) que presidia os EUA (ele perderia a reeleição em 1992 e quem ganharia seria Bill Clinton) e na Rússia sob o comando de Bóris Yeltsin, agente e amigo do imperialismo, o sonho de Yeltsin era entregar-se, ajoelhar-se para o Ocidente. Ele não queria ser da Ásia. Queria ser europeu. 

    Mas, nesses encontros, apesar de a a Rússia estar muito enfraquecida pelo fim da União Soviética e com o presidente do tipo do Yeltsin, os EUA disseram várias vezes: nós não vamos expandir a OTAN para o leste. 

    Putin confirma isso: os Estados Unidos disseram em 1991/1992 que não expandiriam a OTAN para o leste. No entanto, de lá para cá, fizeram cinco grandes ondas de expansão, pulando de 16 para os atuais 31 membros. 

    A OTAN, diz Putin, deve aceitar que a Ucrânia jamais entrará na Aliança Atlântica e deve aceitar de uma vez por todas que os territórios conquistados e anexados pela Rússia da Ucrânia jamais serão devolvidos. É como se diz naquela piada popular: “aceita que dói menos”. E, o último aspecto, os líderes ocidentais também já perceberam que jamais conseguirão infringir qualquer tipo de derrota de nível estratégico à Federação Russa.

    Putin disse em certo momento que é um absurdo estarem falando em uma guerra global, isso destruiria a humanidade. A parte mais hilária da entrevista ocorreu quando Tucker Carlson perguntou para o Putin quem explodiu os dois gasodutos Nord Stream 1 e 2. E ele respondeu na lata: foram vocês! É claro que ele se refere aos estadunidenses. O Ocidente teme, disse Putin, mais uma China forte do que uma Rússia forte. Como quem diz: por que estão fazendo essa guerra contra a Rússia? Para enfraquecê-la.

    E termino com uma última observação: Putin disse que o maior erro estratégico dos Estados Unidos é usar o Dólar como uma ferramenta geopolítica de dominação pessoal.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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