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    Ricardo Nêggo Tom

    Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

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    Escolas cívico-militares e os ideais do neofascismo brasileiro

    "Semelhança entre o projeto de Tarcísio e a juventude hitlerista chama a atenção", escreve Ricardo Nêggo Tom

    Tarcísio de Freitas (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

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    Ao assistir às cenas nas quais a Polícia Militar do Estado de São Paulo, sob o comando do Governador Tarcísio de Freitas, espanca estudantes e professores que foram à ALESP protestar contra o projeto que visa a criação de escolas cívico-militares em São Paulo, a primeira coisa que me passou pela cabeça foi a semelhança entre o projeto de Tarcísio e a juventude hitlerista, uma das etapas do projeto de poder nazista que treinava crianças e adolescentes alemães, entre 6 e 18 anos de idade, para os seus interesses político, sociais e culturais. A pretexto de atender às necessidades de melhoria na qualidade do ensino em escolas localizadas nas regiões mais vulneráveis do Estado, o bolsonarismo perfumado de Freitas começa a pavimentar o caminho para a tentativa de ampliação desse modelo de “educação” por todo o país. Algo que já havia sido refutado pelo Governo Lula, ao descontinuar o Pecim criado por Jair Bolsonaro, que visava dividir a gestão do modelo educacional entre os ministérios da educação e da defesa.

    Ignorando o fato de que vulnerabilidade educacional se resolve com políticas sociais e não com políticas militares, a gestão Tarcísio finge estar preocupada com a educação da população periférica, quando, na verdade, esse modelo de escola visa se aliar à doutrina neopentecostal evangélica já presente dentro de muitas comunidades, e formar cidadãos plenamente doutrinados sob o lema “Deus, pátria e família”. A obediência ao deus Estado sob a máscara da igreja evangélica, o ideal patriota a ser despertado por meio de uma disciplina educacional militarizada, autoritária e sem estímulo ao desenvolvimento do senso crítico, e o discurso hipócrita de defesa e manutenção do amor à “Deus” e à pátria, através da família tradicional e conservadora. Embora não haja nenhum ineditismo nesse projeto, ele representa os mesmos riscos dos modelos anteriores por ele copiado. Um desses riscos é ao estado democrático de direito, algo que ideologias nazistas e fascistas sempre tentaram atacar e destruir.

    Consta que Hitler não acreditava que o nazismo pudesse se ampliar entre a juventude apenas através da inserção da ideologia nas escolas públicas. Certamente, porque ele sabia que haveria resistência por parte de muitos docentes, e isso poderia despertar a criticidade dos jovens sobre suas reais intenções. Criar uma espécie de exército nazista mirim com aparência de movimento juvenil era algo mais eficaz, porque sugeriria uma espontaneidade da juventude na luta pelos seus ideais. No entanto, após a fase, digamos, experimental, onde o recrutamento era feito por indução ou por apelos a uma mudança social no país, a adesão ao movimento se tornou obrigatória. Tanto que em 1936 Hitler decretou uma lei que extinguiu todas as organizações de jovens não-nazistas, criminalizando todo tipo de movimento jovem ou estudantil que não fosse aliado aos interesses do nazismo. Um trecho da determinação dizia: “Toda a juventude alemã do Reich está organizada nos quadros da Hitlerjugend. A juventude alemã, além de ser educada na família e nas escolas, será forjada física, intelectual e moralmente no espírito do nacional-socialismo por intermédio da Hitlerjugend.”

    Quando Tarcísio manda sua polícia espancar estudantes e professores que não concordam com a criação da sua nova “juventude hitlerista”, por meio da militarização das escolas públicas, ele sinaliza que essa será a tônica do novo modelo de educação que ele pretende estabelecer no Estado. A natureza autoritária de suas decisões também é uma característica de regimes surgidos pós segunda-guerra, como o neofascismo, do qual o bolsonarismo extraiu a sua base de sustentação e sua narrativa ideológica nacionalista e anticomunista. Como os tempos são outros e a informação está cada vez mais célere e globalizado, criar uma espécie de juventude bolsonarista seria dar muita pinta. Ao contrário de Hitler, mas com a mesma intenção, o bolsonarismo enxerga que é através da educação pública (e também das igrejas evangélicas) que ele pode ampliar a sua voz. Uma vez que as principais capitais brasileiras, geralmente referências para o país, estão sendo governadas por seus quadros políticos. Embora os métodos fascistas possam e devam ser constantemente revisados, é impossível não identificar no bolsonarismo o seu viés autoritário, antidemocrático e cesarista.

    Um ponto a se destacar na “política educacional” de Tarcísio e suas escolas cívico-militares, é o fato de que, além de pretender criar um cabide de empregos para policiais da reserva, ele também, segundo o projeto, tornaria esses policiais responsáveis pelo monitoramento, pela implementação de atividades extracurriculares na modalidade cívico-militares, assim como pela organização e seguranças das unidades. Lembremos ainda que Tarcísio está dando à PM paulista o poder de investigação sobre pequenos delitos. Um excludente de ilicitude e abuso de autoridade esfregado na cara da sociedade. Imaginemos que tipo de formação tem esses policiais da reserva no âmbito educacional e quais atividades extracurriculares nos moldes militares eles aplicarão aos alunos. Falemos ainda da possibilidade de cerceamento da liberdade de lecionar dos professores, sob monitoramento de militares ideologicamente motivados. Não é exagero se dissermos que escolas serão transformadas em reichs do bolsonarismo.

    Outra questão a ser analisada, principalmente, por pais, mães e responsáveis, é com respeito ao assédio moral e sexual que alunos e alunas possam sofrer dentro desse pretenso modelo de educação. É sempre bom lembrar que esses alunos estarão sob um regime autoritário, onde os militares responsáveis pelo monitoramento, organização e seguranças das escolas, não devem ser contestados, ainda que estejam cometendo algum comportamento inadequado contra esses alunos. A polícia terá a mesma autoridade para abusar de sua autoridade com crianças e adolescentes, tal como costumam fazer contra os adultos no dia a dia. E estamos falando de escolas localizadas em regiões socialmente vulneráveis, onde a maioria dos alunos é pobre e preta. Contemos ainda com o grande número de conservadores, patriotas e cidadãos de bem envolvidos em abusos sexuais contra menores de idade. A grande maioria deles são bolsonaristas e defensores desse modelo de educação repressiva e silenciadora, porque ele sugere que as vítimas se calem, sob a égide da disciplina e obediência, diante da autoridade que o abusador tem sobre elas.

    E se esses abusadores forem policiais? A quem alunos, pais, mães e responsáveis irão recorrer com uma denúncia? Ao Governador? Alguém acha que ele permitiria que sua “grande ideia” fosse ainda mais questionada em função de crimes que possam estar ocorrendo dentro das escolas por ele militarizadas? Trago-lhes um fato ocorrido na Escola de Educação Básica Ildefonso Linhares, em Florianópolis, o monitor da escola e militar do Exército Alcione de Jesus, de 56 anos, passou a ser investigado pela Polícia Civil por estupro de vulnerável e importunação sexual após ser denunciado por uma aluna. Segundo matéria do UOL, desde então, outras três denúncias formais foram feitas e, ao total, 12 garotas relatam abusos sexuais cometidos por Alcione. Em outra matéria do site Uol, nos deparamos com uma aluna de 15 anos que foi assediada sexualmente por um professor do Colégio Estadual da Polícia Militar Gabriel Issa, que fica na cidade de Anápolis, em Goiás. O professor, que foi afastado pela escola para apuração do caso, pedia fotos e vídeos da aluna através de uma rede social. Incomodada com a situação, a estudante foi a direção denunciá-lo.

    Na Bahia, uma estudante preta, de 13 anos, foi impedida de entrar no Colégio Municipal Dr. João Paim, em São Sebastião do Passé, porque, segundo funcionários da escola, o seu cabelo crespo estava “inchado demais”, mesmo ela estando com os cabelos presos como determina as regras da unidade. Um caso de racismo dentro de uma instituição de ensino militarizada. Se a abordagem militar à população negra e periférica já é agressiva e violenta como regra de conduta para “esse tipo de pessoa”, imaginava com crianças e adolescentes pretos submetidos à sua autoridade educacional e que não sabem se defender? O Ministério Público da Bahia também investiga um sargento da Polícia Militar por suspeita de abuso sexual contra uma adolescente, na cidade de Teodoro Sampaio. A vítima estuda numa escola cívico-militar do município que era coordenada pelo policial. Segundo matéria do G1, a suspeita é de que ele se aproveitava da posição de diretor disciplinar que ocupava na unidade para abordar adolescentes em situação de vulnerabilidade social.

    O debate em torno das escolas cívico-militares precisa se ampliar na sociedade. O MEC já demonstrou grande preocupação com esse modelo, por entender que escola é espaço de liberdade, pluralidade de ideias, diversidade cultural e de trabalhar o conhecimento, algo que um conceito militar, dominador e autoritário não pode oferecer. Deputados bolsonaristas já vinham pressionando o governo Tarcísio para enviar o projeto e aprovar a pauta ainda neste semestre. A ideia é utilizar o tal modelo educacional como bandeira política nas eleições municipais deste ano. Não existe pedagogia na imposição da submissão, não existe educação sob autoritarismo e não existe formação intelectual sob conceitos militares. O militarismo é bélico por essência. Ele não ensina, ele reprime. Ele não educa, ele subjuga. Ele não esclarece, ele aliena. Triste é perceber que boa parte da sociedade apoia esse vilipêndio à educação e as liberdades de ensino. Não às escolas cívico-militares! 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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