Esgoto bolsonarista se espalha pelo 'zap' e pode dificultar vitória de Lula em primeiro turno
"Florestan Fernandes Jr. denunciou que núcleo da Record tem produzido matérias manipuladas para associar PT a crime organizado", repercute Rodrigo Vianna
Por Rodrigo Vianna
A pesquisa Quaest divulgada esta semana, com números nacionais e do Estado de São Paulo, indica um quadro ainda favorável a Lula e ao PT, mas que deveria acender o sinal amarelo na campanha petista.
Nosso argumento central, ao qual voltaremos logo adiante, é que a campanha de esgoto bolsonarista começou a fazer efeito nas redes, conforme apontou Florestan Fernandes Jr em seu comentário no programa Boa Noite 247 da última quarta-feira.
Bolsonaro, na pesquisa nacional da Quaest, conseguiu reduzir (um pouco) a diferença para Lula, mantendo a vantagem em setores que já lhe são favoráveis (evangélicos) e avançando em outros francamente pró Lula, como as mulheres (o capitão cresceu de 22% para 27% no primeiro turno, na pesquisa estimulada) e no Nordeste (de 15% para 22%).
Ainda assim, Lula aparece na pesquisa estimulada com 45% (mesmo patamar desde janeiro) e Bolsonaro com 31% (oito pontos acima de seu piso de janeiro, quando Moro e Doria ainda estavam na disputa). Outros candidatos (Ciro/Tebet/Janones) somam 12%. Ou seja, agora em julho Lula tem 45% x 43% de todos os outros somados, no limite para vencer em primeiro turno.
O dado que chama atenção, no entanto, é como a diferença entre os dois encurtou na pesquisa espontânea, nacionalmente: Lula tem 31% e Bolsonaro 24% (contra 32% x 20%, há um mês). A Quaest faz entrevistas presenciais e é considerada uma pesquisa de excelência no mercado.
Outro dado que surpreende: Lula agora lidera numericamente em todas as regiões do país na estimulada (inclusive no Centro Oeste e no Norte), mas vê sua vantagem recuar um pouco no Nordeste (59% x 22% em julho, ante 68% x 15% um mês atrás) e no Sudeste, onde a Quaest aponta um virtual empate entre os dois no primeiro turno (38% x 33%).
Curiosamente, não houve grandes movimentos na aprovação ao governo Bolsonaro, que continua majoritariamente rejeitado pelos brasileiros (47% de ruim/péssimo, contra apenas 25% de ótimo/bom).
Ao mesmo tempo, 44% da população segue a apontar a economia (inflação e desemprego) como principal problema do país; e dois terços dos brasileiros dizem que a economia piorou no último ano.
O que explica então que Bolsonaro tenha encurtado (levemente) a diferença em certos segmentos?
Em primeiro lugar, deu algum resultado o discurso bolsonarista de culpar "os outros" pela alta dos combustíveis. Demitir dois presidentes da Petrobras, falar em privatizar a petroleira, culpar governadores: tudo isso fez reduzir a quantidade de pessoas que responsabilizam Bolsonaro pela alta absurda da gasolina e do diesel.
É suficiente para reverter o mal estar geral na economia? Não.
Por isso, a aposta quase suicida para as contas públicas de aprovar a PEC do Desespero Eleitoral. Bolsonaro espera colher ali mais alguns pontinhos que levem a eleição ao segundo turno.
O mais importante, no entanto, é um movimento subterrâneo de campanha ainda não detectado no debate oficial: o esgoto bolsonarista passou a associar nas últimas semanas o PT ao crime organizado e a usar teorias conspiratórias de que o Brasil seria entregue aos chineses se Lula ganhar.
A segunda teoria foi encampada pela Fox News, que enviou seu âncora principal ao Brasil. "Ah, a Fox não vira nenhum voto no Brasil", dirão alguns. É fato. Mas o bolsonarismo usa as matérias da Fox para disseminar conteúdo nas redes e no zap, com o "selo de qualidade" de uma emissora dos EUA.
Da mesma forma, Florestan Fernandes Jr apontou que a TV Record de São Paulo iniciou a exibição de reportagens manipuladas para colar no PT o rótulo de "partido associado ao PCC". As "reportagens", diz Florestan, são coordenadas pelo núcleo de jornalismo investigativo da emissora, dirigido por André Caramante.
A Veja fez reportagem com foco parecido, usando delação picareta de Marcos Valério. O PT reagiu à matéria da Veja, que circula entre a classe média, mas não se mexeu para responder à Record - que produz conteúdo disseminado entre famílias de baixa renda nas periferias do Sudeste.
A pesquisa Quaest em São Paulo mostra que no Estado mais populoso do país Bolsonaro reduziu a diferença para Lula. Agora, o petista tem apenas cinco pontos de vantagem entre os paulistas (37% x 32%), contra onze pontos (39% x 28%) há um mês.
Parece que o voto antipetista em São Paulo (o velho malufismo ali se associa aos "liberais" anti Estado) vai-se conformando com a necessidade de alinhar-se a Bolsonaro como única alternativa contra Lula.
Haddad segue a liderar com folga para o governo do Estado. Sem Marcio França (PSB) no tabuleiro, Haddad tem 38%, contra 15% do bolsonarista Tarcísio e 14% para o tucano Garcia. A chance do PT ganhar em São Paulo é concreta. Mas não se deve subestimar o antipetismo no Estado: Haddad é rejeitado por 49% dos paulistas, diz a Quaest.
Quando se aponta os apoios nacionais aos candidatos a governador, Haddad sobe quase nada (de 38% para 39%), o que indica que a tabelinha Haddad/Lula já está computada pelo eleitor. Já Tarcísio salta de 15% para 28% com apoio de Bolsonaro.
Garcia tenta se equilibrar como "independente", uma posição que no caso paulista pode render bons frutos, já que quase 40% preferem que venca alguém não identificado com Lula nem Bolsonaro.
O balanço final é de que Lula (com 45%) e Haddad (com 35%/40%, em São Paulo) parecem ter batido no teto.
A tática bolsonarista hoje segue dois caminhos:
- um "oficial", de criar auxílios e subsídios que façam crescer o voto bolsonarista entre os muito pobres;
- outro subterraneo, de gerar desconfiança e rejeição a Lula e ao PT, com mentiras criadas pela imprensa bolsonarista (Fox, Veja, Record) e depois espalhada pelas redes.
O PT está atento ao primeiro movimento. Deveria prestar mais atenção ao segundo, especialmente nas periferias das grandes cidades do Sudeste, onde a parceria zap/igrejas evangélicas pode fazer estragos grandes contra Lula/Haddad/Freixo/Kalil.
Foi assim que Serra levou a eleição ao segundo turno em 2010, ao associar Dilma ao "abortismo" - o que abriria a porta do inferno para a extrema direita nas campanhas seguintes, como aponto em meu livro "De Lula a Bolsonaro - combates na internet" (reserve o seu exemplar, no site da editora Kotter).
Lula segue favorito, mas a eleição só se definirá em primeiro turno se esse movimento for contido/respondido, num duro combate nos subterrâneos da Internet.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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