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    Liszt Vieira

    Liszt Vieira é professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92

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    Esquecer o passado?

    "O reprimido não desaparece, um dia retorna. O direito à memória, à verdade e à justiça é um direito sagrado de uma justiça de transição", diz Liszt Vieira

    Protesto contra a ditadura militar (Foto: Wikimedia Commons)

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    (Publicado originalmente no A Terra é Redonda)

    O tempo, em política, é uma categoria importante. O momento de fazer uma coisa pode ser tão importante quanto aquilo que se faz, ou não se faz. A tentativa frustrada de golpe em 8 de janeiro de 2023 abriu uma conjuntura que favorecia o firme avanço da democracia e a punição imediata de muitos militares e financiadores. Eles ficaram recuados e, em alguns casos, até mesmo envergonhados, seja com a tentativa de golpe, seja com o seu fracasso.

    Mas Lula fez concessões à direita para garantir, a curto prazo, a governabilidade. Com um Congresso reacionário, com maioria de direita, o governo Lula negociou cargos políticos e liberação de verbas para conseguir aprovar pautas do governo na Câmara e no Senado.

    Desde o início, ficou claro também que Lula fez concessões aos militares para evitar crises e tentativas de golpe. A nomeação do Ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, é uma confirmação disso. Só não viu quem não quis. Assim, não é de se estranhar que Lula agora venha dizer “Não vamos remoer o passado” a respeito dos 60 anos da ditadura militar iniciada com o golpe de 1964. Não quer atritos com os militares.

    O problema é que essa atitude traz embutida uma série de conflitos e contradições. Se o governo Lula tem ganhos a curto prazo, a médio e longo prazo pode estar fortalecendo a direita. Quem ignora o passado contribui para seu retorno e está condenado a repetir seus erros.

    Quando o inimigo recua, nós avançamos, dizia Mao Tse Tung que entendia como poucos de estratégia militar. Aqui, a extrema direita recuou e o governo não avançou, ou avançou muito pouco, contemporizou e fez alianças. É verdade que o governo proibiu comemorações do golpe de 1964 nos quartéis, e o STF avançou e, pela primeira vez na história, mandou prender alguns militares, embora os generais que apoiaram o acampamento golpista em frente do QG do Exército em Brasília, e seu desdobramento na insurreição de 8 de janeiro, continuem soltos, juntamente com muitos financiadores.

    Mas os ganhos a curto prazo poderão ser dissolvidos a longo prazo com a recomposição das forças de extrema direita que, aliás, avança na Europa, nos EUA e em outros lugares. Se quem ignora o passado está condenado a repeti-lo, quem ignora o presente pode contribuir para derrotas futuras. A nomeação de políticos de direita em altos cargos do aparelho de Estado, inclusive Ministros, e a intocabilidade de militares de alta patente são fortes sinais de que o avanço da direita no futuro poderá superar os ganhos do presente.

    A realidade é sempre complexa e multifacetada. A direita costuma reduzir tudo a um único elemento como, por exemplo, combate à corrupção, real ou imaginária. Ou a poucos elementos, como as palavras de ordem reducionistas “Deus, Pátria e Família”. Esse maniqueísmo político foi agora fortalecido pelo movimento neopentecostal. Se Deus está conosco, quem discorda está contra Deus. Um sintoma esclarecedor é o fato de os fiéis estarem se deslocando do Novo Testamento, onde Jesus pregava paz e amor, para o Antigo Testamento, onde Deus é o Senhor dos Exércitos.

    Essa é uma das razões que explicam o apoio dos evangélicos a Israel, considerado terra sagrada. Trata-se agora não apenas da “teologia da prosperidade”, mas da “teologia do domínio”, é preciso dominar os adversários, vistos como inimigos de Deus. Com esses bolsonaristas radicais, de pouco ou nada adianta o diálogo. Caberia aqui citar dois pensamentos. O primeiro, de Goya, diz que “o sono da razão produz monstros”. O segundo, de Marcel Proust, afirma que “os fatos não penetram no mundo onde vivem nossas crenças”.

    Infelizmente, o maniqueísmo político reducionista não é monopólio da direita. Não é incomum encontrarmos no campo da esquerda afirmações retumbantes que ignoram a complexidade da realidade política em favor de um argumento forte e impactante. Um exemplo é o artigo do brilhante professor Vladimir Safatle defendendo a tese de que “a esquerda morreu e a extrema direita é a única força real no país”. Forte como denúncia, fraco como análise.

    A Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, instituída por lei e cancelada no governo passado, aguarda apoio decisivo do atual Governo que ainda não veio, nem sabemos se virá. A julgar pelas recentes declarações do presidente Lula em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, os crimes de tortura e assassinato de presos políticos cometidos pelos militares, durante a ditadura militar, não serão investigados. Os familiares continuarão reclamando, em vão, o acesso aos corpos de seus parentes assassinados e desaparecidos.

    Mas o reprimido não desaparece, um dia retorna. O direito à memória, à verdade e à justiça é um direito sagrado de uma justiça de transição. E, sem memória, não há história. E, sem história, não há futuro digno no horizonte.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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