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    Elisabeth Lopes

    Advogada, especializada em Direito do Trabalho, pedagoga e Doutora em Educação

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    Estar onde o povo está

    Os políticos precisam deixar seus gabinetes para escutar o João, a Maria, o José. A política autentica se dá no diálogo vivo entre os homens e mulheres da polis

    Urna eletrônica (Foto: Antonio Augusto/Ascom/TSE)

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    Alguns dias após as eleições municipais, o que dizer? Os progressistas acordaram no dia 28/10 perplexos diante dos resultados expressos nas urnas. Embora a esquerda tenha vencido em algumas cidades importantes e numa das capitais do país, não foi suficiente para superar o avanço do retrocesso.

    O que moveu a escolha expressiva dos eleitores, prioritariamente, pela direita liberal e extrema direita em detrimento das proposições de candidatos progressistas, a exemplo de São Paulo, Porto Alegre, Cuiabá e Natal?

    Esses questionamentos constituíram as pautas desta semana, tanto nas mídias conservadoras, como nos veículos progressistas. Jornalistas, analistas políticos, representantes de partidos vencedores e de partidos que não atingiram as expectativas projetadas durante a campanha, expressaram exaustivamente suas leituras críticas a respeito.

    O que tomou conta da atenção das camadas de brasileiros com acesso a informações mais elaboradas e com tempo para metabolizar as escolhas do povo, não ocupou a mesma atenção das camadas marginalizadas das periferias das cidades. Ao contrário, o povo pobre, lembrado pelas forças antagônicas à força progressista durante as campanhas, não teve tempo para análises. A maioria seguiu sua rotina, acordando de madrugada para pegar o ônibus lotado para a escala de trabalho 6X1, mal paga, enquanto outros pela depressão causada por suas materialidades de vida em meio a miséria e sem lugar para ir, permaneceram em suas casas de papelão, ou envoltos em jornais e trapos velhos pelas ruas das cidades.

    A sobrevivência grita de modo ensurdecedor todos os dias aos ouvidos de quem não tem mais nada a perder, a não ser a própria vida pela fome. O vendedor de bala, o pedinte e o pobre empreendedor pobre foram avistados pelas esquinas, à margem das promessas dos liberais que não serão cumpridas.

    Nessa perspectiva de avanço da direita liberal e mesmo da extrema direita que enfraqueceu, mas não ao ponto de ficar abaixo da esquerda reside a inconformidade de uma fração do povo que votou em candidatos que representariam a prática progressista de governar.

    A despeito das histórias pregressas de candidatos da direita liberal e da extrema direita fascista, figuras horrendas conseguiram amealhar votos para se elegerem ou reelegerem. Como explicar a inclinação de boa parte do povo em eleger seus próprios algozes? A reeleição de Sebastião Melo em Porto Alegre, depois de sua constatada incompetência na administração da cidade constitui um exemplo gritante. Patrocinado por empresas poderosas, entre estas, as da construção civil, Melo conseguiu engambelar a população que o escolheu em detrimento de um projeto progressista, capitaneado por Maria do Rosário, que postulava, entre outros objetivos, o desenvolvimento sustentável e a diminuição das disparidades sociais na cidade.

    Analisar esse fenômeno requer refletir com base em múltiplas materialidades, que certamente não serão esgotadas neste texto.

    Tenho referido, de modo exaustivo, que o campo progressista precisa se debruçar sobre as causas do fenômeno do avanço das alas degenerativas da igualdade social, para a partir de uma detida reflexão, renovar sua atuação junto ao povo, como em tempos passados em que a esquerda ocupava a gestão de boa parte do território político do país e se vislumbrava tempos promissores de práticas de bem estar social.

    Um dos problemas, entre tantos, reside no afastamento da esquerda das bases, e quando menciono o vocábulo bases, quero dizer, povo e não somente com relação aos filiados dos partidos de ideário progressista. A esquerda se encastelou numa institucionalidade hermética. Deixou de dialogar, de estar onde o povo está. É certo que na atual conjuntura de comunicação massiva digital, o contato corpo a corpo, a escuta ativa foi gradativamente deixada de lado. As configurações do trabalho mudaram, os antigos sindicatos aglutinadores da força de protesto e de luta dos trabalhadores minguaram depois da reforma trabalhista empreendida no governo usurpador de Temer. A configuração do trabalho mudou. A realidade atual é quase de cada um por si e o pastor neopentecostal por todos.

    Os trabalhadores com ou sem carteira assinada ou os ditos autônomos empreendedores, ou os expurgados dos bens sociais, não têm tempo para ficar nas redes assistindo os discursos, que para eles parecem vazios acerca da realidade em que vivem.

    Apesar das plataformas digitais terem uma enorme influência nas mentes do povo, sobretudo nas cabeças mais jovens, por meio de enganadores como Pablo Marçal, que consegue atingir milhares de usuários como falso coach em nome de Jesus ao demonstrar que é possível sair da miséria como ele saiu, este fato não totaliza a inclinação do povo pela direita, que come de garfo e faca ou pelo extremismo de direita que vocifera a barbárie e o fascismo.

    Aproveitadores como o Marçal, narram os milagres, mas não revelam os santos delinquentes que os produziram. Essas mentiras que parecem verdades não se sustentam ao longo do tempo.

    Os políticos precisam deixar seus gabinetes para escutar o João, a Maria, o José, os líderes das comunidades, as donas de casa, os jovens, os educadores, os moradores, os donos dos pequenos comércios, os anseios de todas as classes sociais. A política autentica se dá no diálogo vivo entre os homens e mulheres da polis.

    A consciência política do povo se desperta por meio de um permanente diálogo vivo com ele. Realiza-se pelo acolhimento de ideias de melhoria indicadas pelo povo. Concretiza-se na escuta ativa de quem vive a aventura e a desventura de morar nos diversos lugares desse país.

    O povo precisa entender os efeitos das políticas públicas no cotidiano de suas vidas. Necessita ser esclarecido onde é aplicado o dinheiro do imposto quando ele compra um simples pãozinho, o feijão, a farinha. As pessoas precisam ser esclarecidas sobre os destinos dos orçamentos públicos do executivo, do legislativo. Que emendas parlamentares foram utilizadas para favorecer determinados candidatos nas eleições, que emendas resultaram em obras nos municípios onde residem, no saneamento básico de seu bairro, na reforma da escola de seus filhos, na melhoria do acesso à saúde, na pavimentação e iluminação das ruas, na manutenção dos sistemas de proteção das cidades contra inundações. As mudanças nas condições de vida e de trabalho do povo não dependem somente do esforço pessoal, como Marçal prega.

    É necessário desvelar a verdadeira face das promessas dos políticos fisiológicos financiados pela elite rica. Ao discursarem ao povo, esses políticos interesseiros se valem de vários expedientes, como o uso da fé evangélica, ou da veiculação de imagens de lacrações ardilosas contra seus adversários, vestem-se de homens de origem humilde, como Sebastião Melo e seu chapéu de palha.

    O povo é iludido pela mídia corporativa que invalida diuturnamente as ações dos governos de esquerda no Jornal Nacional, na GloboNews, é enganado pelos falsos milagres de prosperidade narrados nos diversos programas dos canais de empresários da fé, como Malafaia, Edir Macedo. A população é atingida pela lavagem cerebral, não só a mais pobre, também a média e média alta. Assim fez a grande mídia ao demonizar o Partido dos Trabalhadores, desde o episódio do mensalão e recentemente durante a corruptiva operação Lava a Jato.

    A mentira continua a ser protagonista nos esquemas da extrema direita fascista. Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo e fruto do decadente Bolsonarismo, cometeu um crime eleitoral gravíssimo em pleno dia da eleição contra a candidatura de Guilherme Boulos. O que esperar da Justiça Eleitoral? O que chamou a atenção, inclusive da mídia corporativa, que inicialmente recriminou o governador Tarcísio no dia após o pleito, já diminui a repercussão em suas telas, como esperado. A elite financeira e a mídia corporativa já escolheram o sucessor à presidência da República em 2026, o Tarcísio, suco puro do fascismo à moda brasileira, que come com talheres liberais as refeições preparadas pelos gourmets da elite financeira da Faria Lima. Esperamos que a justiça seja feita a Tarcísio para que o país não sucumba na obscuridade das artimanhas fascistas.

    Como diz o poeta Chico Buarque, “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. Que as múltiplas reflexões e avaliações feitas, após as recentes eleições municipais, sirvam para que amanhã as escolhas sejam verdadeiramente legitimadoras das necessidades de bem estar social e de qualidade de vida do povo.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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