Eu estava com Walter Delgatti quando o ministro do STF detonou a Lava Jato
Ele não deu entrevista, porque está proibido por um juiz federal, mas foi impossível não notar o seu sorriso quando Gilmar Mendes falou que é preciso mudar o Ministério Público, pilar de uma justiça totalitária, narra Joaquim de Carvalho
Enquanto Gilmar Mendes espinafrava Moro e a Lava Jato ontem, eu visitava Walter Delgatti Neto em Araraquara.
Por decisão judicial, ele não pode dar entrevista, e não deu. Mas conversei com parentes dele e vi que Delgatti tem uma vida muito simples, humilde mesmo, o que derruba a versão de que acessou os arquivos de Deltan Dallagnol no Telegram por encomenda de alguém.
"Seu neto é herói ou criminoso?", perguntei a dona Otília Delgatti, uma senhora de 85 anos que é o arrimo da família -- na casa, além de Walter, vive o irmão dele, o Will.
"Criminoso nunca. Ele é muito bom, me ajuda até a limpar a casa. Nunca me deu trabalho", disse ela, sentada em um sofá no alpendre de uma casa pequena, mas com quintal grande, na Vila Xavier, um bairro de origem operária.
No quintal, duas tartarugas passeavam -- uma tem mais de 100 anos -- entre duas árvores de ameixa (uma de fruto bem doce), uma árvore de cravo e um uma espécie de galinheiro sem galinha (estão lá as telas).
Em um quadro de madeira,letras bem esculpidas informam:
"Chácara do Walter".
Esse Walter não é o Delgatti que nós conhecemos, mas outro, o avô dele, que nasceu na Itália e veio para o Brasil no colo dos pais.
Não é uma chácara, mas um cantinho bem agradável onde, em dias mais prósperos, a família deve ter feito muito churrasco.
Num canto, há um mural, com fotos antigas da família. Ali está a foto do advogado, Ariovaldo Moreira, que de fato é amigo dele.
Tem foto do pai, também chamado Walter, já falecido, e do avô, também falecido.
Tem até foto da mãe, em festinha de aniversário num passado já distante.
Ele o abandonou ainda criança.
Um trauma sobre o qual ele fala pouco com os amigos, mas a avó e parentes relatam. A mulher o colocou no portão da casa, e foi embora, deixando para a ex-sogra criar.
A mãe foi viver com outro homem, com quem teve outros filhos.
Delgatti já tinha dito em entrevista a mim que hackeou as mensagens da Lava Jato para provar que o sistema de justiça é corrupto, depois que ficou preso seis meses sob a falsa acusação de tráfico de drogas -- ele tinha três caixas do remédio Alprazolam (uso controlado) em casa, e um promotor o acusou de tráfico de drogas. Foi absolvido dois anos depois, quando a notícia já tinha sido publicada nos jornais da cidade, e hoje ele é considerado traficante por quem não o conhece.
"Eu quis provar que, se até um ex-presidente da república é perseguido pela Justiça, imagine o que pode acontecer com um cidadão comum, como eu".
Por não poder dar entrevista, Walter não comentou a fala de Gilmar Mendes, mas era impossível não ver em seu rosto o sorriso quando o ministro do STF disse que é preciso mudar o Ministério Público, que se transformou no pilar de uma "justiça soviética", totalitária.
Os arrogantes que vestem toga ou se sentam ao lado de quem veste toga nos tribunais mexeram com o "zé mané" errado.
Apenas um registro: Delgatti não tem emprego hoje (não pode acessar internet e usa tornozeleira) e a renda da família são os dois salários mínimos que a avó, de 85 anos, recebe do INSS - um salário por ter trabalhado em uma tecelagem e um salário de pensão do marido, que trabalhava no comércio.
Trancou a matrícula na faculdade de Direito depois que foi preso na Operação Spoofing, e não pode voltar a estudar porque as aulas são remotas.
Quando deixou a cadeia, no final do ano passado, um policial que o investigou e descobriu que ele não teve vantagem financeira alguma por hackear os procuradores, comentou: "Por que você fez isso? Você é louco?"
Não é louco, só achava que tinha uma missão.
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Os amigos criaram uma vaquinha para ajudar na manutenção do Walter. E me pediram mais de uma vez para divulgar o PIX. Segue a chave: ajudeowalter@gmail.com
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Estamos produzindo o documentário para contar a verdadeira história de Walter e os "hackers de Araraquara". Fique ligado.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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