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    Denise Assis

    Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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    Eunice Paiva por si mesma

    Apresento a vocês Eunice Paiva, a heroína de 'Ainda Estou Aqui'

    Eunice Paiva e Rubens Paiva (Foto: Reprodução)

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    Quando, nesta quinta-feira (06/11), chegar aos cinemas o filme “Ainda Estou Aqui”, o público entrará em contato com uma mulher que, até agora, apenas os familiares, amigos e colegas de trabalho conheceram. Além das autoridades, é claro. Aqueles que, do outro lado, respondiam com evasivas ou documentação forjada e mentirosa à incessante procura empreendida por ela e seus advogados pelo marido, pai de seus filhos e deputado federal, Rubens Paiva. Apresento a vocês Eunice Paiva, a heroína dessa história, em uma das muitas cartas que ela encaminhou — desta vez ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana — em 11/03/1971, pedindo satisfações pelo desaparecimento do marido.

    Excelentíssimos Senhores Presidente e Demais Membros do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana

    Esta carta é endereçada a Vossas Excelências por uma mulher que viu sua casa invadida por homens, de arma em punho, dizendo-se agentes de segurança, para levar presos, sem apresentação de mandado judicial ou determinação de qualquer autoridade policial militar, primeiramente seu marido, engenheiro Rubens Beyrodt Paiva, e, em seguida, no dia imediato, ela própria e sua filha Eliana, adolescente, de 15 anos, deixando à sua sorte, no lar, os demais filhos menores.

    É, pois, ao mesmo tempo, a carta de uma mãe, que conheceu a surpresa enorme — melhor diria a indignação, mantida no mais íntimo de si mesma — de assistir à prisão de uma filha, que, adiante, foi encapuçada, assim como ela própria, para posteriormente, já não mais em sua presença, ser submetida aos traumas psicológicos, terrivelmente brutais em sua idade, dos interrogatórios conduzidos segundo os chamados métodos policial-militares; da mulher brasileira, ela mesma vítima da prisão violenta, incomunicável durante 12 dias, interrogada por horas a fio, e isolada do mundo, em condições de ambiente físico e humano que é melhor não referir, para, quem sabe, ter a graça, um dia, de esquecer; da esposa, que ainda hoje nada sabe da sorte do seu marido, do destino que lhe impuseram, do local onde se encontra, da acusação real que lhe fazem, quase um mês decorrido do tormento que atingiu sua família.

    Tudo isso começou no dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião, por volta das 12 horas, quando Rubens, com as crianças, voltava da praia e nos encontrávamos em casa, à Av. Delfim Moreira, 80, no Leblon. Rubens foi preso nesse dia; minha filha e eu, no dia seguinte. Eliana foi libertada no dia posterior, e eu própria, a 2 de fevereiro último.

    Estivemos todos no quartel da Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, nesta cidade do Rio de Janeiro. Nesse quartel, mostraram-me o livro de registro de seus prisioneiros, onde, em uma de suas folhas, pude ver com os meus olhos minha fotografia, a de Eliana e a de Rubens. Nesse quartel, durante os interrogatórios a que me submeteram, informaram-me que o meu marido também lá se encontrava. Ao deixá-lo, quando libertada, no dia 2, vi no pátio interno do quartel nosso automóvel, que Rubens preso conduziu pessoalmente, acompanhado dos agentes de segurança. Identificado por mim, foi-me dito por um dos oficiais que o automóvel se encontrava, desde então, à minha disposição. Não me sendo possível dirigi-lo naquele instante, minha cunhada, Renée Paiva Guimarães, por mim autorizada, foi buscá-lo, posteriormente, tendo passado então o recibo cuja cópia anexo para conhecimento de Vossas Excelências.

    Ao sair da prisão, soube que minha mãe, como o fizera para mim, levou ao 2º andar do Ministério da Guerra roupas destinadas a Rubens. Elas foram recusadas, sob a alegação de que Rubens não se encontrava em nenhuma organização militar submetida ao Comando do Primeiro Exército. Alegação que coincidia com as informações oficialmente prestadas ao Superior Tribunal Militar nos processos de Habeas Corpus impetrados em meu favor e no de Rubens, por nosso advogado, Dr. Lino Machado Filho. Lamentável e surpreendentemente, nessas informações se afirmou que nem Rubens, nem eu própria, havíamos estado presos em unidades da área do Primeiro Exército.

    Tomei conhecimento da versão, que me inquieta dia e noite, veiculada através da notícia distribuída aos jornais e divulgada pela televisão no dia 22 de janeiro, insinuando que meu marido teria sido objeto de uma operação de resgate efetuada por grupos de terroristas. Versão cuja inverossimilhança é absoluta e que tem todo o feitio de uma farsa impiedosa. Notícias transmitidas com o nome de Rubens Seixas, outras com o nome de Rubens Paiva; terceiras, ainda, omitindo o nome, fazendo apenas alusão a prisioneiro político de importância, ex-deputado federal por São Paulo, cassado em 1964.

    Não posso e não quero admitir que, em meu país, se faça desaparecer, assim, por tanto tempo, uma pessoa humana.

    Rubens é homem de bem, pai de família exemplar, engenheiro competente, cidadão probo e honrado, empresário responsável e capaz. Não é imodéstia afirmá-lo. Os que o conhecem, proclamam-no. Deputado federal por São Paulo, teve seus direitos políticos suspensos em 1964. Não viu contra si, no entanto, instaurar-se nenhum inquérito policial-militar ou processo penal. Não lhe foi feita, jamais, acusação de nenhuma natureza. De que o acusam? Sua mulher e seus filhos têm o direito de sabê-lo. Que fizeram de Rubens? Onde está e para onde o conduziram? Por que não cumpriram as leis que vigoram? Reivindico para o meu marido o direito de ser preso segundo as regras da legislação penal de segurança. Para que se defenda; para que seja libertado.

    Onde estão, afinal, os compromissos do país assumidos solenemente em suas constituições, desde o alvorecer da República, e no âmbito internacional, como nação cristã e civilizada, através da adesão às declarações universais dos direitos do homem da ONU e da OEA? Como admitir a insegurança terrível dos sequestros ou raptos tornados oficiais?

    Apelo para Vossas Excelências, membros desse eminente conselho, institucionalmente originado para a defesa dos direitos da pessoa humana. Apelo para que se permita a Rubens o exercício do direito de defesa, que é irrecusável; identificado o local onde se encontra, a autoridade que o mantém preso, definido o delito que lhe imputam, preservada, enfim, sua integridade física e espiritual, vale dizer, sua vida.

    Apresento a Vossas Excelências as expressões do meu maior respeito.

    Maria Eunice Paiva

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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