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    Joaquim de Carvalho

    Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br

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    Exclusivo: Médica que usou cloroquina em Manaus é investigada por homicídio

    Os advogados da ginecologista Michelle Chechter tentam interromper o inquérito, mas não conseguiram nem na primeira nem na segunda instância da Justiça no Estado do Amazonas, conta Joaquim de Carvalho

    Michelle Checter e Jocicleia (reprodução) (Foto: Michelle Checter e Jocicleia (reprodução))

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    A ginecologista Michelle Chechter, que fez experimento com cloroquina na Maternidade Dona Lindu em Manaus, é investigada por homicídio no inquérito que corre na 15ª Delegacia de Polícia Integrada, na capital amazonense.

    Em 2 de março, uma paciente tratada pela médica, a técnica em radiologia Jucicleia de Sousa Lira, morreu, 27 dias depois de dar à luz um bebê e continuar internada em razão da covid-19.

    Jucileia, que tinha 33 anos, foi submetida a um experimento com cloroquina sem autorização de um comitê de ética em pesquisa, o que é ilegal.

    Com a ajuda do marido, Gustavo Maximiliano Dutra, também médico, Michelle aplicou cloroquina nebulizada em Jucicleia e gravou um vídeo em que a induz a aprovar o medicamento, que é ineficaz contra a doença segundo estudos científicos de credibilidade.

    “Olha lá, pessoal, hidroxicloroquina nebulizada, igual ao do doutor Vladimir Zelenko. Vocês vão acompanhando aqui comigo. Estou filmando para vocês verem que é verdade. Está melhorando, Jucileia? Melhorou de zero a dez  quanto? 

    Jucicleia responde e a médica continua:

    “De zero a dez, melhorou oito a falta de ar.”

    Em outro vídeo, ela pede que Jucicleia comente:

    “Conta aí para a gente, Jucileia, o que você achou da nebulização?”

    A paciente responde:

    “Pois é, eu achei 90 por cento, eu estava sem falar mesmo, muita dor no peito, eu não conseguia falar realmente.”

    No mesmo vídeo, a médica afirma:

    “Manda um beijo aí para o pessoal.”

    A mulher, de aparência humilde, obedece:

    “E um beijo. E pode tomar confiante.”

    A médica, eufórica, emenda:

    “Nebulizando, nebulizando”.

    E Juclicleia comenta:

    “Agora eu saio dessa”.

    Não saiu, para tristeza profunda da família, principalmente o marido, Kleison Oliveira da Silva, mas os bolsonaristas continuaram a fazer o vídeo circular como se a médica tivesse descoberto a cura da doença.

    Em 20 de março, o ministro Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência, postou o vídeo, com o comentário:

    “Decisão da médica em conjunto com a paciente: de 0 a 10 melhorou 8”

    Jucicleia tinha sido sepultada dezoito dias antes.

    O próprio Bolsonaro fez propaganda da terapia da hidroxicloroquina nebulizada, numa entrevista um dia antes a uma rádio de Camaquã, no Rio Grande do Sul, acompanhado de Lorenzoni.

    “É uma novidade que parece que nasceu em Manaus”, disse.

    A família de Juclicleia só soube do vídeo depois que Jucicleia tinha falecido.

    O marido contou ao repórter Fábio Maisonnave, da Folha de São Paulo, que nem sabia do experimento.

    Quando o caso veio à tona, a médica mostrou o termo assinado por Jucileia, mas o texto não atende aos requisitos éticos da pesquisa, como a informação clara dos riscos do experimento.

    A médica está tentando interromper a investigação policial no Amazonas. Seus advogados impetraram habeas corpus, que foi negado em primeira e segunda instância. 

    Enquanto isso, o inquérito segue. 

    Uma militante da ONG Humaniza, que denunciou o caso à Polícia Civil, disse ao 247 que está tendo dificuldade de obter informações junto ao Conselho Regional de Medicina sobre o caso.

    “Solicitamos muitas informações e uma das poucas que obtivemos é que a médica não tinha autorização para atuar dessa forma no Amazonas”, afirmou.

    Oficialmente, a Humaniza não quis se manifestar, sob a alegação de que "isso pode interferir na condução das investigações e possíveis desdobramentos".

    Registre-se que, depois que o caso foi denunciado à polícia, Michelle procurou dirigentes da entidade.

    O inquérito é conduzido sob sigilo, mas a informação de que a médica é investigada por homicídio foi tornada pública pelos próprios advogados dela, com a tentativa do habeas corpus.

    Daniel Leon Biaski, um dos advogados, é o presidente da Hebraica, um dos mais tradicionais clubes de São Paulo, que reúne a comunidade judaica.

    Ao tomar conhecimento do tratamento que a médica levou para Manaus, o infectologista Francisco Ivanildo de Oliveira, que trabalha em um hospital infantil de São Paulo, disse: 

    “Nunca vi isso. Não sabemos quantos pacientes foram utilizados, não há termo de consentimento nem comitê ético. É até mau gosto chamar de estudo. Trata-se de um experimento mengeliano”, conclui Oliveira, em referência ao nazista Josef Mengele, que realizou experimentos letais no campo de concentração de Auschwitz.

    A defesa de Michele Chechter pode gerar algum constrangimento a Daniel.

    O 247 procurou a médica e o advogado, mas até agora não houve retorno até a publicação desta reportagem.

    Neste sexta-feira (28), os advogados da médica encaminharam a nota abaixo.

    Nota à imprensa 

    Nos dias 26 e 27 deste mês foram publicadas duas matérias no portal Brasil 247 citando a nebulização de hidroxicloroquina. O tratamento foi utilizado em uma paciente com covid-19 que foi encaminhada em estado grave para a UTI do Hospital Maternidade Dona Lindu, após dar à luz. 

    Citadas reportagens não ofereceram tempo hábil para defesa técnica da nossa cliente, bem como reproduziram fatos inidôneos, sem base empírica. 

    A paciente citada na matéria foi atendida pela primeira vez pela Dra. Michelle Chechter no hospital localizado em Manaus quando já estava com extenso comprometimento pulmonar. 

    Seu quadro clinico era gravíssimo. Na busca e na tentativa de salvar a vida da paciente, e com expressa autorização dela e de seus familiares, recebeu tratamento de hidroxicloroquina na forma nebulizada na primeira semana de fevereiro. A paciente apresentou melhora e o tratamento foi descontinuado por outra equipe que assumiu o caso. 

    Diferentemente do que os textos publicados pretendem inferir, o tratamento realizado pela Dra. Michelle não levou a paciente à óbito. Tentar estabelecer nexo causal sobre o ocorrido é inadmissível. Infelizmente a paciente não resistiu às complicações decorrentes da evolução da doença e faleceu na UTI quase um mês após ser atendida pela Dra. Michelle. 

    Durante todo o período em que permaneceu na UTI, a paciente sempre continuou recebendo um tratamento à base de corticoides, anticoagulantes, antibiótico e anti-inflamatório. 

    É importante contextualizar que durante esse período Manaus passava por verdadeiro estado de calamidade pública. Como amplamente noticiado, faltavam leitos, profissionais de saúde, oxigênio, medicamentos, etc... O que se viu foi a pior crise provocada por uma segunda onda de covid-19 no País. 

    Desde o início do ano, até o dia 2 de março, a capital do Estado do Amazonas registrou 4.430 mortes por conta da covid-19. Um número que superou em mais de 30% o total de mortes registradas em Manaus, durante todo o ano de 2020. A média de mais de cem sepultamentos diários se manteve por 45 dias consecutivos na capital amazonense. 

    E foi para ajudar a enfrentar esse cenário pandêmico que a Dra. Michelle Chechter se ofereceu para trabalhar na linha de frente em Manaus. Durante os 10 plantões realizados no Hospital Dona Lindu, atendeu vários pacientes e ajudou a salvar muitas vidas. Nesse período, não atestou nenhum óbito de pacientes que estavam sob seus cuidados naquele hospital. 

    Infelizmente uma paciente em estado muito grave, que havia sido atendida por ela no início da sua internação na UTI na primeira semana de fevereiro, não conseguiu sobreviver às complicações da doença e faleceu no início de março. 

    Já é notório que a covid-19 é uma doença imprevisível e que a maioria das suas complicações podem ocorrer em um intervalo de tempo muito curto e levar o doente a óbito. 

    Mesmo assim, um jornal de grande circulação publicou uma matéria sobre o caso, sem citar de forma clara o lapso de tempo entre o tratamento inicial e a morte da paciente, que ocorreu quase um mês após a intervenção da Dra. Michelle. Ao excluir essa informação vital, esse texto induziu a opinião pública ao erro. Em seguida foi iniciada uma investigação sem justa causa, que hoje corre em segredo de justiça. 

    Salientemos que justamente pela ausência de justa causa para a instauração desse inquérito, que foi impetrada medida judicial. O objetivo foi levar essa ilegalidade ao conhecimento da Justiça, para evitar que esse procedimento, fadado ao insucesso, siga adiante. Isso se dá pelo simples fato de não haver nexo de causalidade e nossa constituída não ter cometido qualquer ilicitude. Para correta compreensão do ocorrido, citemos que foi proferida uma decisão judicial vedando que a Dra. Michele seja citada ou mencionada como indiciada. Agora o que se aguarda é o julgamento do mérito deste habeas corpus, que visa o trancamento em definitivo dessa investigação. 

    O pedido feito à justiça não procura defender um tipo específico de tratamento, mas fazer cessar a suspeita de que a Dra. Michelle Chechter tenha sido responsável pela evolução dos acontecimentos ocorridos. Ainda mais considerando o longo espaço de tempo entre o tratamento inicial e o óbito daquela paciente. 

    Já é de domínio público - por vivência ou estudo -, que a maioria dos óbitos por covid-19 em pacientes graves ocorre em um período bem menor de tempo. Em alguns casos, bastam poucos dias. 

    Cabe aqui entendermos que o trabalho de enfrentamento dessa pandemia passa diariamente por atos médicos exclusivos. São eles, os médicos, e todas as equipes de saúde, que se expõem na linha de frente e arriscam suas vidas diariamente com um único objetivo: tentar salvar o maior número possível de vidas. O desafio aqui é tentar fazer isso com os instrumentos e medicamentos disponíveis no ato do tratamento. 

    O que sim, é motivo desta manifestação, é a forma como o trabalho de enfrentamento à covid-19 realizado pela Dra. Michelle Chechter foi citado nessas publicações. Na matéria publicada pela Folha de São Paulo, seu trabalho foi comparado pelo infectologista Francisco Ivanildo de Oliveira, como um ‘experimento mengeliano’, referindo-se a experimentos genéticos mortíferos realizados por um médico alemão em prisioneiros, durante a Segunda Guerra Mundial. 

    Qualquer banalização ao Holocausto e apologia ao nazismo - acompanhado por um dissimulado e criminoso discurso de ódio -, é intolerável e já está sendo alvo de medidas contra seu autor. Não se pode comparar o que é incomparável. Além de incabível, essa comparação tem sido rechaçada por órgãos da comunidade judaica e pela comunidade internacional. É inadmissível que isso seja replicado nos dias de hoje e utilizado pelos meios jornalísticos para desqualificar o trabalho de enfrentamento à pandemia do covid-19. Neta de refugiados judeus, Dra. Michelle Chechter solicita atenção e respeito ao sofrimento e às atrocidades ocorridas durante o holocausto. 

    São Paulo, 28 de maio de 2021.

    DANIEL LEON BIALSKI

    OAB/SP 125.000

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    Michelle Chechter e o marido, Gustavo Maximiliano Dutra, também médico

     



    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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