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    Ricardo Nêggo Tom

    Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

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    Exu não é o diabo e o deus bíblico é uma criação humana

    O jogador Paulinho foi vítima de racismo religioso por manifestar a sua fé nas redes sociais

    Paulinho (Foto: Lucas Figueiredo/CBF)

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    Por mais que o viés religioso não esteja sendo apontado como o protagonista que motiva o genocídio perpetrado por Israel contra o povo palestino, declarações de Netanyahu citando a Bíblia para justificar os seus crimes humanitários, e o apoio da maioria do segmento evangélico ao assassinato indiscriminado de crianças e mulheres pelo exército israelense, não nos deixa dúvidas do quanto o conceito judaico-cristão de sociedade precisa ser urgentemente destruído, para o bem da humanidade do Deus criador. A história, que é a minha grande aliada nesse artigo, não me deixa mentir. E a própria Bíblia, onde se encontram diversos textos apresentando genocídios de povos inteiros como mandamento divino, me absolve de qualquer acusação de injúria, calúnia ou difamação religiosa que tentem me imputar. 

    É sempre bom lembrar que religião é cultura, e como somos um povo colonizado pelo eurocentrismo português, obviamente, fomos expostos a absorção da cultura europeia como o padrão de formação da nossa sociedade. Quando ouvimos que o Brasil é um país cristão, estão nos dizendo sobre a exclusão de outras identidades étnicas como os indígenas, os legítimos donos da terra, e os africanos que foram trazidos para cá sob escravização e que empregaram forçosa e gratuitamente a força do seu trabalho para o progresso econômico desta terra. O Brasil cristão é um país branco cultural, social e economicamente falando. Do aspecto religioso, a cultura cristã imposta tratou de inviabilizar quaisquer outras que pudessem ameaçar o pleno domínio dessa branquitude na sociedade. O processo de demonização das religiões africanas e do culto religioso dos povos originários, fez parte desse processo. 

    Quando vimos as manifestações de ódio e intolerância sofridas pelo atacante Paulinho, do Atlético Mineiro e da Seleção Brasileira, por conta de uma postagem feita nas suas redes sociais onde ele agradece a Exu a sua convocação, é preciso entender que se trata de racismo. Os povos não brancos, sobretudo, os de origem africana, sempre estarão submetidos a esta opressão racial, social e cultural, enquanto o conceito de sociedade cristã, ou judaico-cristã, prevalecer em um determinado país. A solução para diminuir essa opressão é a chamada conversão religiosa. Ou seja, os não brancos negarem a sua ancestralidade para serem minimamente aceitos dentro do conceito de branquitude dominante. E nesse caso, a palavra do deus bíblico e opressor daqueles que não o servem como ele determina, é a carta de alforria que lhes garantirá a salvação da perseguição do corpo e a purificação da essência da alma não branca. 

    Também é importante deixar claro que Jesus Cristo nada tem a ver com esse processo de dominação cristã. E tenho a certeza de que ele se recusaria a entrar na maioria dessas igrejas existentes por aqui. Da mesma forma que Deus, pelo menos, o verdadeiro criador, nunca mandou matar crianças inocentes e nunca ordenou que se cometesse genocídios contra povos que ele mesmo teria criado, segundo a teoria criacionista em que se baseia o conceito judaico-cristão. Até porque, se Deus sabe de todas as coisas antes mesmo delas acontecerem, ele já deveria saber quem iria ou não lhe obedecer. O que já deveria invalidar qualquer texto bíblico que se refira a esses genocídios como castigo por desobediência a ele. O que está por trás desses textos onde a violência é a arma divina empregada para combater um suposto mal, é a repressão social aos povos que não se submeteram ao deus de Israel. Um deus criado à imagem e semelhança dos desejos, vontade e aspirações dos homens que queriam impor um domínio absoluto sobre os demais.

    Exu é um orixá do panteão africano conhecido como mensageiro, e nada tem a ver com o diabo, que é uma criação judaico-cristã, a qual é atribuída a missão de roubar, matar e destruir. Curiosamente, algo que o deus bíblico também faz. Pelo menos, segundo as ações e comportamentos de profetas inspirados por ele. A narrativa da terra prometida a Israel que, na verdade, foi roubada da palestina com a benção desse deus, é um dos exemplos. O deus bíblico ordenou que os amalequistas e cananeus fossem completamente dizimados, como podemos ver em Deuteronômio 20:16-18, onde está escrito: "Contudo, nas cidades das nações que o Senhor, o seu Deus, lhes dá por herança, não deixem vivo nenhum ser que respira. Conforme a ordem do Senhor, o seu Deus, destruam totalmente os hititas, os amorreus, os cananeus, os ferezeus, os heveus e os jebuseus. Se não, eles os ensinarão a praticar todas as coisas repugnantes que fazem quando adoram os seus deuses, e vocês pecarão contra o Senhor, o seu Deus". E também em 1 Samuel 15:2-3, quando o deus bíblico comandou a Saul e aos israelitas dizendo: "Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Castigarei Amaleque pelo que fez a Israel: ter-se oposto a Israel no caminho, quando este subia do Egito. Vai, pois, agora, e fere a Amaleque, e destrói totalmente a tudo o que tiver, e nada lhe poupe; porém matarás homem e mulher, meninos e crianças de peito, bois e ovelhas, camelos e jumentos."

    Exu é a divindade responsável pela comunicação entre o mundo terreno e o espiritual. Segundo a tradição iorubá, ele é o senhor dos caminhos, o guardião do culto, e nada se faz sem a sua presença. Na nação angola, Exu recebe o nome de Aluvaiá ou Pambu Njila, de onde deriva o nome Pomba-Gira, uma entidade feminina do culto umbandista brasileiro, que seria um tipo de exu feminino para esse segmento. No candomblé jeje ele é chamado Lebá. Na Umbanda, uma junção entre o culto africano e o catolicismo e o espiritismo europeus, Exu não é orixá, mas sim uma egrégora de diversas entidades que trabalham de acordo com as missões que lhes são dadas. O que pode ter contribuído, a partir das diversas formas através das quais essa egrégora é apresentada nesse culto, para que a sua associação ao mal fosse possível. Assim como Hermes para os gregos, e Osíris para os egípcios, Exu para o culto africano também é uma divindade que pode trazer prosperidade, fartura e sucesso. O que explica o agradecimento feito pelo jogador Paulinho, após ser convocado para a seleção brasileira. O sonho máximo de qualquer jogador de futebol profissional. 

    Das inúmeras postagens e mensagens em ataque a fé do jogador, me chamou atenção uma onde a imagem do jogador Neymar usando uma faixa “100% Jesus” na cabeça, se contrapõe à manifestação religiosa de Paulinho e fortalece a ideia de antagonismo e supremacia “cristã” europeia sobre as religiões africanas. Um resquício de séculos de colonização, escravização e desumanização dos povos africanos e sua cultura. Sem contar o contrassenso do personagem escolhido para representar Jesus no time de futebol do “bem”. Aliás, desde o surgimento do movimento chamado “atletas de cristo”, onde se destacavam nomes como o do polêmico Marcelinho Carioca, do ex-atacante Miller e do tetracampeão mundial Jorginho, que foi auxiliar de Dunga na seleção e quando treinou o América-RJ sugeriu a expulsão do diabo como mascote do clube, uma ideia de meritocracia cristã nas conquistas dos jogadores foi sendo instituída no esporte. Daí, veio a chatice sistêmica de se comemorar gols apontando o dedinho para o céu agradecendo a Deus pela assistência dada. Como se do outro lado, no time adversário, Deus não estivesse ajudando aos outros jogadores. É provável que nem esteja mesmo. Nem para um lado, nem para o outro. Mas sempre vale tentar fazer prevalecer a ideia de que o vencedor está com ele e o perdedor não. Em caso de empate, foi castigo divino para os dois times. 

    É preciso cada vez mais falarmos sobre racismo religioso. Principalmente, quando temos um parlamento repleto de neopentecostais sedentos por poder e dominação sobre ovelhas incautas e mal instruídas. Se estamos escandalizados com o que acontece na Palestina, devemos também estar atentos ao que acontece no Brasil. Existe um projeto de poder evangélico cada vez mais ambicioso e que não medirá esforços e nem poupará vidas, se necessário, para se estabelecer definitivamente como uma teocracia no país. Se levarmos em conta que o controverso deus bíblico é a referência dessa gente, podemos esperar um genocídio particular em seu nome para fazer valer a sua vontade. Até porque, quem determina a vontade desse deus são os homens que o criaram. E eles costumam fazer justiça com as próprias mãos. Digo, com a mão do seu deus. Que o verdadeiro Deus criador se manifeste e nos livre desses impostores racistas e preconceituosos. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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