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    Pepe Escobar

    Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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    Façam a América Jeffersoniana de novo

    As "verdades auto-evidentes" de Jefferson acabaram por criar toda a estrutura maciça disso que hoje definimos como "a democracia liberal ocidental", diz Pepe Escobar

    Pepe Escobar, Donald Trump e Joe Biden (Foto: Felipe L. Gonçalves/Brasil247 | Reuters)

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    Por Pepe Escobar, para o Asia Times

    Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

    O planeta inteiro tem toda a razão de estar terminalmente perplexo ao ver aqueles altos ideais iluministas que Thomas Jefferson encaixou na Declaração da Independência de 1776 acabarem em ... Trump e Biden. 

    Jefferson baseou-se livremente em Locke, Rousseau e Hume para chegar a um Grande Sucesso eminentemente citável, contendo verdades "auto-evidentes" tais como "todos os homens são criados iguais" e aquela contundente "vida, liberdade e a busca da felicidade".  

    Bem, Baudrillard teria chamado esse exercício de um mero simulacro, porque, na vida real, nada dessa retórica inspiradora se aplicava aos nativos americanos ou aos africanos escravizados. 

    Mesmo assim, há algo de interminavelmente fascinante nessas "verdades auto-evidentes". Elas de fato irradiavam como axiomas de Spinoza, desovando verdades abstratas passíveis de serem extrapoladas ao bel-prazer. As  "verdades auto-evidentes" de Jefferson acabaram por criar toda a estrutura maciça disso que hoje definimos como "a democracia liberal ocidental". 

    Não é de admirar, portanto, que a América - perenemente auto-descrita como "o líder do mundo livre"- considere essas "verdades auto-evidentes" como a base de uma sociedade ideal. 

    E é esse rio messiânico de verdades fervorosas, nascido em um Himalaia de Moralidade, que faz com que os americanos rejeitem como "atores malignos" todas as nações e sociedades vistas como se "desviando" dessas evidências tão óbvias. 

    Esses malditos estrangeiros. Eles estão sempre aprontando alguma. 

    Corte para um mini-remix do último debate presidencial Trump-Biden. Em termos de política externa, foi mais ou menos assim. 

    A moderadora desesperada para seguir adiante por ter plena consciência das limitações de tempo e dos conflitos incandescentes espreitando na próxima curva: "Agora quero passar para questões de Defesa. É de conhecimento geral que a Rússia e a China vêm interferindo em nosso processo eleitoral..." 

    Esse é um exemplo clássico de uma "verdade auto-evidente", apresentada conforme as diretrizes estritas do Conselho de Relações Exteriores. 

    Corte para Biden: qualquer país que venha a interferir com as eleições americanas "pagará um preço". A Rússia "esteve envolvida, a China esteve envolvida em algum grau, e o Irã esteve envolvido". Eles estão interferindo na "soberania americana". Rudy Giuliani foi usado como "um peão russo". Trump "não está disposto" a confrontar Putin. A Rússia "desestabilizou a OTAN e está pagando caçadores de recompensas para matar americanos no Afeganistão". E a China "tem que obedecer as regras do jogo - senão..."

    Corte para Trump: "Você quer dizer que aquele laptop infernal é mais uma pegadinha da Rússia, Rússia, Rússia?" 

    Só para constar: Joe Biden culpou a Rússia pelos conteúdos do laptop de seu filho Hunter.

    E, ao tratar da Coreia do Norte, quando Trump disse que ele se deu muito bem com Kim Jong-Un, Biden afirmou: "Nós tínhamos um boa relação com Hitler antes de ele invadir a Europa". Incidentalmente, a Alemanha fazia parte da Europa, e continua fazendo. E é interessantíssimo ver Biden reconhecer em público o mais que provado apoio industrial e político dos Estados Unidos ao nazismo.

    Esse malditos estrangeiros 

    É inevitável que o laptop infernal viesse a aparecer. 

    O FBI está de posse do laptop de Hunter Biden desde dezembro de 2019, com base em uma ordem de apreensão. Entretanto, o FBI sentou em cima do laptop durante onze meses e não fez absolutamente nada. 

    Isso deve ter dado bastante tempo para que aqueles insuportáveis russos roubassem o laptop e plantassem nele provas incriminadoras.

    Bem, não foi exatamente assim. O FBI estava ocupado matutando sobre como conduzir uma investigação sobre "lavagem de dinheiro". E não sobre pornografia infantil - que, segundo Giuliani, é a pièce de resistance no laptop. Ninguém sabe se essas supostas "investigações" tiveram continuidade. 

    Agora, o FBI e o Departamento de Justiça acabaram por "concordar": o laptop de Hunter Biden e os e-mails não faziam parte de uma campanha russa de desinformação – contradizendo diretamente o que Joe Biden disse no debate. 

    Mas então, logo antes do debate, uma bomba: o FBI e o Homeland Security anunciaram que aqueles insuportáveis russos de fato estavam "tentando influenciar a opinião pública" nas eleições americanas.   

    As "verdades auto-evidentes" retornaram com um estrondo. 

    Não dá para inventar coisas como essas. E fica ainda mais obscuro quando a verdadeira "interferência nas eleições" talvez esteja vindo de dentro dos Estados Unidos, e não daqueles malditos estrangeiros. 

    No verão passado, o Transition Integrity Project (TIP) fez simulações de possíveis cenários pós-3 de novembro. Todos os cenários levavam a uma crise constitucional - forçada, como parte da premissa, pela recusa de Trump a reconhecer sua derrota nas urnas.    

    O TIP, como seria de se esperar, é uma proverbial bolha do Beltway, composta de altas autoridades do Partido Democrata, clintonistas, obamistas e neo-conservadores Nunca Trump. 

    Sua mensagem agora é amplamente aceita como um novo avatar das "verdades auto-evidentes", devido ao forte controle que esse grupo exerce sobre a imprensa pró-sistema anglo-americana. Reverberações são perceptíveis, por exemplo, aqui, aqui e aqui.  

    Assim, o melhor dos cenários apocalípticos que temos pela frente configura-se como a maquinação de uma eleição não-resolvida, um vasto caos sócio-político, protocolos de "continuidade do governo" e até mesmo lei marcial. 

    O que "a vida, a liberdade e a busca da felicidade" têm a ver com isso. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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