Falta estado nacional para existência e progresso da sociedade humana
A esperança está na oposição de países e governos às finanças apátridas, à banca, que o crescimento dos BRICS mostra um caminho
O genial antropólogo, homem público e político Darcy Ribeiro, na Réplica aos diversos comentários sobre seus trabalhos de antropólogo (“As Américas e a civilização” e “O processo civilizatório”) publicados na “Current Anthropology”, em 1969, apresenta quadro esquemático das etapas evolutivas da sociedade humana, conforme diversos autores e da sua própria compreensão (Darcy Ribeiro, “Configurações Histórico-Culturais dos Povos Americanos”, Global Editora, SP, 2016).
Uma das diferenças está na forma de organização dos convívios humanos.
Como é de conhecimento geral, o homem primitivo era um ser individualista buscando caçar e coletar da natureza seus alimentos. Este homem solitário percebeu que ter outro que atuasse ao seu lado, aumentava sua possibilidade de obter e manter os alimentos. Que dois ajudavam mais do que um, até que se apercebeu que, entre eles, um se destacava pelas soluções ou pelo convencimento dos demais, a liderança natural. Esta liderança vai formar as hordas nômades, estacionárias, tribos e, ao fim, as aldeias que passam a um estágio mais avançado de sobrevivência com a agricultura e o pastoreio.
Darcy é o mais explícito cientista a demonstrar a evolução da sociedade humana. Esta sociedade que irá passar por diversas formas de organização, evolutivas e regressivas, atribuindo a si mesma e a deuses, as respostas que encontram para os problemas da organização social.
Neste século XXI, a civilização ocidental e sua área de influência se encontram em fase regressiva. Porém não desesperadora, pois há reações que se avolumam e indicam a retomada do desenvolvimento e das novas modalidades de organização. Estes são os temas que trataremos no artigo.
Transferindo recursos de quem não tem, para quem os tem em abudância
No estágio que estamos de conhecimento antropológico não há dúvida que os homo sapiens surgiram a milhares de anos na África, no entorno da faixa do Equador, em condições de calor e umidade que só existem semelhantes na região amazônica. Porém não há qualquer evidência que destoe destes humanos africanos terem saído daquele continente antes de 210 mil anos.
Assim, a evolução da sociedade humana, sua diversidade física, seus relacionamentos datam de 200.000 anos. Período onde as condições da superfície terrestres também passaram por diversas alterações, formando e desaparecendo ilhas, separando istmos, sofrendo glaciações e insolações, vulcões, terremotos, e diversas catástrofes, que denominamos hoje, ambientais, e que condicionaram a dispersão e as relações entre humanos.
Simplificadamente, pois não estamos desenvolvendo teorias antropológicas, podemos dizer que os humanos saindo da África, adotaram duas posturas, que formaram as bases das sociedades: a da colaboração e a da dominação.
De algum modo, as condições geográficas, que sempre condicionam a formação cultural, também influenciam, quando não determinam a formação das bases, pois iremos encontrar a colaboração muito mais arraigada e permanente entre os orientais do que entre os ocidentais, tomando o Oriente Médio, a saída da África, como divisor.
Examinemos um fato bem conhecido: a tecnologia desenvolvida pelos chineses antes da transformação do século XIV ocorrida na Europa. A impressão, a pólvora e a bússola não serviram para dominar qualquer população, apenas impulsionaram o comércio. Já ao receberem estes conhecimentos, os europeus partiram para dominar a África, as Américas e impor sua civilização, costumes e extrair as riquezas destes continentes sem deixar qualquer benefício em troca.
Foram países europeus que, a partir dos conhecimentos chineses, transformados em armas de conquista, criaram as colônias espanholas, portuguesas, holandesas, britânicas, francesas, belgas, alemãs e toda Europa construiu sua história de guerras entre as populações locais. E tiveram um pensamento que foi sendo moldado a partir dos gregos, romanos e hebreus para dar-lhes a justificativa que permitisse colocar a cabeça no travesseiro e dormir.
O pensamento competitivo de tal modo dominou a Europa e suas colônias que faz parecer, para nós, brasileiros, doutrinados na pedagogia colonial, característica humana, natural, não imposta. E, entre as colônias europeias, uma delas, os Estados Unidos da América (EUA) incorporou em tal profundidade estas características da formação e de tal modo que, ao se tornar o país mais forte do mundo, nada mais fez do que garantir este pensamento, impondo-o pelas armas, mudanças de governos, e pela ampla divulgação pela comunicação de massa e pelos sistemas e programas de instrução e cultura.
Duas análise
I – Os BRICS
Entre 22 e 24 de agosto de 2023 realizou-se em Joanesburgo, na África do Sul, a reunião da 15ª Cúpula dos BRICS: Brasil (B), Rússia (R), Índia (I), China (C) e África do Sul (S).
Adotando a comparação do representante da Federação Russa, ministro Sergey Lavrov, a reunião começou com time de basquete, cinco jogadores, e terminou com time de futebol, onze membros, BRICS+6.
A análise do significado deste acréscimo foi esplendidamente realizada por Javier Tolcachier, no artigo “O BRICS cresce. O que cresce com os BRICS?”, para a TeleSUR, em 27/08/2023, de onde transcrevemos em tradução livre:
“De fundamental importância nestes tempos de redesenho do mapa geopolítico global e de evidente transição para a multipolaridade, é constatar que nenhum dos novos membros do BRICS pertence à OTAN, nem é um parceiro global, o que talvez explique por que a Turquia, demasiado interessada em polo associativo e econômico ascendente, não está entre os escolhidos, pelo menos por enquanto.
Por outro lado, tanto a Arábia Saudita como os Emirados Árabes Unidos são aliados militares tradicionais dos EUA no Oriente Médio, um papel de liderança que tem sido ofuscado pela China nos seus esforços para mediar a paz, coroados pelo recente acordo entre os teocráticos governos saudita e iraniano. Ambos os países, por sua vez, apresentam diferenças históricas com Israel, considerado enclave com arsenal nuclear de influência direta dos EUA na região, o que explica a busca pelo equilíbrio.
Da mesma forma, o fato de a Etiópia acolher a sede da muito ativa União Africana (UA), que reivindica e exerce influência diplomática fundamental nos assuntos internos de África, acrescenta elementos ao entendimento da sua inclusão nos BRICS+6.
A Argentina, por sua vez, tem sido, juntamente com o Brasil sob governos progressistas, um importante motor de instâncias soberanas de integração regional como a UNASUL ou a CELAC, o que fortalece o signo multipolar e se opõe à alegada exclusividade do domínio dos EUA ou eurocêntrico sobre a América Latina. O país sul-americano esteve ao lado do Egito, país fundador do Movimento dos Não-Alinhados, defensor histórico de um maior equilíbrio na governança global”.
Examinada a razão das inclusões, Tolcachier discorre sobre as consequências que vão muito além das econômicas, das integrações por malhas de comunicação virtual e de transporte terrestre, aéreo e naval, nas ações da Iniciativa Cinturão e Rota, portos, aeroportos, transferência de tecnologias para operação e desenvolvimento de recursos que estreitem as relações da China com o mundo.
Escreve: “A formação e expansão de um bloco de países com raízes culturais diversas como o BRICS+6 configuram não só a reação à continuidade neocolonial em termos econômicos e políticos, mas a elevação de outros padrões de pensamento e comportamento a um nível de paridade, fortalecendo assim a diversidade”.
“A globalização atual, entendida como um processo para o qual diferentes culturas tendem a convergir sem perder o seu estilo de vida e identidade, é muito diferente da globalização, corrente homogeneizadora promovida pelo imperialismo, pelos grupos financeiros e pela banca internacional”. “É evidente que o novo âmbito desta associação, que surge da reação cultural global às tentativas de padronização do mundo, de acordo com os desejos corporativos ocidentais, supõe uma importante abertura a diferentes possibilidades de autonomia relativa e de relacionamento entre os povos, sem mediações paternalistas”.
Também questiona o que vem sendo considerado democrático e libertador: “no que diz respeito ao espírito antidemocrático, deve-se notar que nenhum dos governos ocidentais críticos fica atrás dos BRICS, uma vez que a acumulação de poder nas mãos de grandes corporações e fundos de investimento impede que os votos sejam qualificados como verdadeiras eleições dos povos, possibilitando verdadeiras alternativas sistêmicas”. Quanto à liberdade, como encontrá-la na submissão dos povos à pedagogia colonial? “Colocando entre parênteses os verdadeiros obstáculos que nestes países obstruem a liberdade de escolha pessoal e coletiva e oprimem inaceitavelmente aqueles que não concordam com as ideologias dominantes, poder-se-ia perguntar, não sem deixar um gosto amargo na boca de um humanista, se estes traços de intolerância não foram o reflexo de vontade popular majoritária”.
E prossegue: “Certamente esta é uma fase da humanidade em que todo comportamento violento precisa ser superado, embora estas noções de futuro encontrem resistência em velhos hábitos. Neste sentido, serão as próprias populações que terão de trabalhar na modificação das suas paisagens interiores, o que por sua vez terá um impacto positivo no tipo e modelo de organização social que escolherem livremente”.
“Um aspecto pouco atendido, neste âmbito temporal marcado pelo imediatismo, é o ponto de vista histórico mais ampliado. Nesta perspectiva, o BRICS+6 está a conseguir, com a inclusão dos seus novos membros, reunir várias das principais civilizações da história da humanidade. As acumulações milenares do Egito, da China, da Índia e do mundo persa, as enormes contribuições dos povos eslavos e da estepe siberiana – uma concentração dos modos de vida de muitos povos, através da participação da Rússia – da Etiópia e África do Sul, dois espaços considerados berços da humanidade, a articulação com a nação árabe e a contribuição dos povos e culturas latino-americanas e afro-americanas formam um mosaico, ainda incompleto, que revela o entrelaçamento e a renovação criativa de fontes míticas profundas”.
Poderíamos dizer que é um passo enorme para a cooperação no lugar da dominação. E Javier Tolcachier conclui: “Desta forma, o Ser Humano deixará para trás a pré-história violenta, rumo a continuar juntos no seu caminho de libertação como espécie”.
II – O Supremo Tribunal Federal Brasileiro (STF)
No noticiário de STF, em 24/08/2023: “Pedido de vista do ministro André Mendonça suspendeu o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), do Recurso Extraordinário (RE) 635659, com repercussão geral (Tema 506), em que se discute a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. Até o momento, há cinco votos pela inconstitucionalidade da criminalização do porte de maconha para consumo próprio e um voto que considera válida a previsão do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006)”.
Seria o vício da droga uma questão jurídica? Algo a ser regulado e aplicado conforme a lei? Ou chegamos a tal ponto de incompreensão das funções do Estado que transferimos responsabilidades dos poderes sem que haja qualquer questionamento.
Há, sem que apoie suas ações, razões para que o povo, principalmente os mais desinformados, que se encontram em grande número nas classes médias, apoie os ataques bolsonaristas ao judiciário brasileiro. Este foi o poder que melhor se posicionou com o triunfo das finanças apátridas na administração do País.
O Brasil vem sofrendo a mercantilização de todas as funções públicas desde o processo iniciado em 1980, no governo Figueiredo, aguçado no governo Collor, levado ao ápice por Fernando Henrique Cardoso, que teve continuidade com o golpe de Temer e o governo Bolsonaro, sem que os governos petistas agissem para reverter ou impedir sua continuação. Hoje, em termos institucionais, com as tecnologias do século XXI, vivemos o período da República Velha, quiçá do II Império.
Os Estados Nacionais não tem formulação que lhe dê perpetuidade. Eles se formam com a evolução da sociedade e, como tal, do mesmo modo assinalado por Darcy Ribeiro, apresentam avanços e regressões. Como já ficou evidente, sob falsas alegações, compra de consciências e intensa ação da comunicação, as sociedades identificaram o neoliberalismo com a liberdade e a democracia, aceitando o modelo de sociedade de mercado.
Porém esta não cabe no desejo de progresso e participação, comum aos povos, especialmente àqueles que ainda hoje não alcançaram a soberania decisória.
O caso brasileiro é particularmente notável pois foram regimes centralizadores e autoritários, imbuídos de verdadeiro nacionalismo, que levaram o País ao mais alto estágio civilizatório alcançado. Quando foi possível criar as organizações que planejaram e executaram o salto do país, com maioria absoluta de analfabetos, chegasse próximo à alfabetização total e desenvolvesse o sistema educacional que possibilitasse a mais ampla instrução: os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPS), hoje um fantasma a assombrar os gestores das finanças.
Também a criação de toda estrutura para dotar o Brasil da mais importante atividade econômico-social, a produção de energia: hídrica, fóssil, nuclear e da biomassa. Com essa base se promoveu o desenvolvimento industrial e a capacitação tecnológica exportadora de soluções para diversas áreas do conhecimento. E tudo isso com a formação cultural nacional, nas artes plásticas, na música, nas danças, na literatura, e na pesquisa e registro do folclore brasileiro.
Esta base possibilitou a realização de sonhos e a esperança de continuidade, um futuro ainda melhor, destruído pela falácia da redemocratização.
Então um caso de saúde pública e educação se transforma em um caso de disputa jurídica, que nenhuma solução trará para os que caíram no vício e serão vítimas das marginalidades públicas e privadas, porque no regime das finanças a corrupção acompanha as ações.
O julgamento citado serviu para demonstrar que a ausência de Estado Nacional é quase a rotina do judiciário, cada vez mais distante das necessidades nacionais.
Conclusão
A esperança está na oposição de países e governos às finanças apátridas, à banca, que o crescimento dos BRICS mostra um caminho. Não se trata de milagres, mas de trabalho consciente e esclarecedor das opções da sociedade do século XXI: o progresso civilizatório que será da cooperação e da participação coletiva ou das ilusões democráticas que levam ao aprisionamento da mente, ao individualismo e à regressão do padrão de vida.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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