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    Inez Lemos

    Psicanalista e autora de "Berro de Maria", ed. Quixote.

    19 artigos

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    Fantasias imprescindíveis

    A ausência de contato interpessoal é preocupante

    (Foto: Divulgação)

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    Cenas da vida atual, deitar e acordar com o smartphone. Na mesa, entre uma garfada e outra, o som do Tik Tok chamará a atenção. Poucas conversas, poucas trocas de experiências, histórias. Repertório pobre, riqueza simbólica rala, cotidiano de poucas inovações, criatividade. Assim a família segue a cartilha da cultura cibernética. 

    A ausência de contato interpessoal é preocupante, saúde psíquica exige convivência com o outro, a relação com a alteridade faz parte do amadurecimento emocional, desenvolver capacidade em administrar conflitos, dialogar com as diferenças, desigualdades. Na mesa entre a salada e o risoto, descobrimos como enfrentar racismo, machismo, conviver com frustrações, traições - desonestidades do mundo, questões da vida em comunidade. O espaço público sempre nos testa com adversidades. Os filhos devem aprender a lidar com desafios, superar tremores, abalos. 

    Os novos sintomas apontam para o apagamento desse cenário - jovens circulando apenas em redes sociais. Sou o que meus dedos decidem, minhas imagens, meu Eu. As angústias, congelo no Instagram, Facebook, WhatsApp. A vida on line empobrece a produção de fantasias, o hábito da reflexão, resultando no afastamento da garotada da vida real. Um nova subjetivação está sendo forjada, novas síndromes deflagram a falta de conexão entre pais e filhos, amigos, avós. Falta gente e sobra máquinas. Novos hábitos, novas patologias. Cabe aos pais e educadores oferecerem fantasias à galera.

    Nas relações afetivas, quando há ruptura, o ato de fantasiar também ajuda a ultrapassar a dor da perda, travessia do luto. 

    Ele, ela podem ir, mas, por favor, deixem rastros, marcas, resíduos. Sejamos generosos, a vida é feita de lembranças, revivamos na memória o que nos fez bem.

    A capacidade de nos envolver novamente com os resquícios de felicidade é sinal de saúde psíquica. O que guardamos no íntimo e que gostamos de nos inebriar, mergulhar de olhos fechados debaixo do ededron não é recalque, tampouco mágoa, ressentimento, é matéria afetiva, punjante, positiva. 

    Não sejamos injustos com o passado que mereça ser rememorado, ele é conteúdo preventivo - a fantasia nos protege da loucura. 

    Ao sair de uma relação amorosa, o demissionário deve contribuir com o fantasiar, para tanto deve ir devagar, pisando leve, esticando ao máximo o deixar. Um dia ele acaba de vez, mas se pudermos calaborar com o processo de desligamento, menos traumático. Tornar o afastamento menos doloroso não custa, afinal não somos abajur que se liga e desliga automaticamente. Devemos deixar mãos, bocas, olhares, braços em abraços, músicas, filmes, frases e risadas inteligentes. Deixar o passado perfumado arquitetado em parceria honesta, democrática. 

    Na vida dos afetos preza-se  a capacidade de deslumbrar, transbordar, inundar a alma com imagens fixadas dentro. O coração é órgão privilegiado onde iremos injetar toda carga emocional - uma vez que é ele quem emitirá as fagulhas que irão compor o ritual fantasmagórico. 

    Fantasiar, componente soberano, material que construimos ao longo das relações - perdas, erros, acertos.

    Educar e amar - produzir lembranças, texturas robustas, repertórios sensuais, sensoriais. 

    Nenhum amor sobrevive só de realidade - pagar Imposto de renda, faxineira, supermercado. Transcender a mesmice do mundo ao suportar a concretude diária. Para tanto, o imaginário deve ser bem ilustrado - sua função é provocar boas recordações, algo que fique e promova fantasias fecundas. 

    Um 2024 recheado de lindas fantasias. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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