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    Dilma Rousseff

    Dilma Rousseff é presidente eleita do Brasil, deposta por um golpe parlamentar em 2016

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    Fascismo ontem e hoje

    "Durante o processo de “fascistização”, o aparelho repressivo do Estado parece perder parte do seu monopólio de exercício da força e da violência em proveito de milícias privadas", avalia a ex-presidenta Dilma Rousseff em coletânea organizada por Julian Rodrigues e Fernando Sarti Ferreira

    Por Dilma Rousseff 

    (Publicado no site A Terra é Redonda)

    Fascismo, ditadura militar e o legado da escravidão

    No livro Fascismo e Ditadura, de Nicos Poulantzas, há uma interessante afirmação sobre a atualidade do fascismo: “Quanto à atualidade da questão do fascismo, digamos simplesmente que os fascismos – como, aliás, os outros regimes de exceção (ditadura militar, ditadura bonapartista) – não são fenômenos limitados no tempo. Podem muito bem ressurgir atualmente, mesmo nos países da área europeia. Na medida que se assiste a uma crise grave do imperialismo, crise que atinge o seu próprio centro. O ressurgimento, pois, do fascismo continua possível, sobretudo, hoje – mesmo que não se revista agora exatamente das mesmas formas históricas de que se revestiu no passado”.

    Nessa perspectiva, vamos resgatar a análise do fascismo como algo atual, pois estamos vivendo a crise da etapa do neoliberalismo financeirizado, que engendra imensa desigualdade e extraordinária concentração de riqueza e renda. É isto que produz o caldo de cultura para o reaparecimento das tendências denominadas neofascistas, tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento.

    É necessário, portanto, analisar o ressurgimento do fascismo atual a partir das características políticas que assume, em especial, quanto ao Estado. É importante ter em conta que o Estado Capitalista de Exceção não é, necessariamente, uma forma de Estado restrita a um momento histórico do capitalismo, ou seja, o fascismo dos anos 1920 e 1940. Pode-se pensá-lo no presente como integrando do período do capitalismo neoliberal porque o fascismo é uma possibilidade histórica que pertence ao tipo capitalista de Estado.

    Sem dúvida, o fascismo é um “regime da forma de Estado Capitalista de Exceção”. Poulantzas entende que o Estado Capitalista admite variações que podem se manifestar consubstanciando-se na forma de Estado Capitalista Democrático ou, alternativamente, na forma “Estado Capitalista de Exceção”. Cada uma dessas formas de Estado admite, por sua vez, diferentes regimes.

    O Estado Capitalista de Exceção comporta formas de regime não democráticos, como a ditadura fascista, a ditadura militar e a ditadura bonapartista. São diferentes regimes do Estado de Exceção que, na fase imperialista, e também no estágio do capitalismo imperialista neoliberal, seja em países capitalistas periféricos, seja em países centrais, podem, de acordo com as fases da luta de classes, assumir combinações distintas, entre a instituição repressiva (policial e militar), os diferentes aparelhos ideológicos (igreja, partido, família, imprensa) e as instituições econômico-financeiras e fiscais.

    De forma esquemática, é possível observar diferentes combinações históricas, em determinadas fases do desenvolvimento do fascismo em determinada sociedade, por exemplo: no regime fascista espanhol, dominavam a Igreja e o aparelho repressivo militar; no regime fascista italiano, a predominância era do partido e do aparelho repressivo militar; e, na Alemanha, prevalecia a forte presença do partido e da polícia política, liderando o aparelho repressivo.

    Deve ser esclarecido que o conceito de Estado Capitalista aqui considerado é constituído por um aparelho repressivo, formado pelas burocracias civil, militar e jurídica; uma variedade de aparelhos ideológicos, como os aparelhos políticos, escolar, religioso, de informação / comunicação e um aparelho econômico integrado pela gestão orçamentária-financeira-fiscal, banco central etc.

    O fascismo nas suas formas históricas pressupôs a existência de um partido ou um movimento responsável pela mobilização permanente das massas populares e um destacamento paramilitar que assumia a violência política privada, portanto não estatal – em termos atuais, milicianos. Ao longo do processo de implantação, verificou-se a existência de relações de articulação e/ou disputa entre o aparelho partidário responsável pela violência e o aparelho repressivo do Estado. No início, o partido e o movimento dominam. Depois, progressivamente, quando o regime fascista se implanta, são devidamente enquadrados pela força do aparelho repressivo estatal, ou seja, pelo exército, pela administração, pela polícia e pela magistratura.

    Ademais, o fascismo, ao contrário das ditaduras militares, geralmente chega ao poder de modo constitucional, por meio da corrupção das democracias. Assim, Hitler e Mussolini chegaram ao poder segundo as regras e as normas jurídicas do regime democrático parlamentar.

    Na verdade, o fascismo ascende ao poder sobretudo porque neutraliza os aparelhos judiciário e legislativo, neutralização que só é possível porque as massas populares sofreram uma série de derrotas. Além disso, porque o fascismo conquistou o apoio do bloco de classes hegemônico que viu no fascismo um instrumento imprescindível para afirmar seu poder sobre o conjunto da sociedade.

    Em resumo, durante o processo de “fascistização”, o aparelho repressivo do Estado parece perder parte do seu monopólio de exercício da força e da violência em proveito de milícias privadas. No entanto, deve ficar claro que só o bloco no poder lucra com isso, pois há clara conivência e relações cúmplices entre o aparelho repressivo e essas milícias, uma vez que, na maior parte dos casos, é o Estado que as arma ou, pelo menos, permite que elas se armem.

    Uma das perguntas que Poulantzas procura responder e importante no caso brasileiro é: quais são as condições históricas que permitem a emergência do fascismo? De acordo com ele, o advento do fascismo seria, em linhas gerais, marcado: (a) pela derrota estratégica prévia do movimento operário e popular, o que significa que o processo de “fascistização” não ocorre quando há um forte movimento operário e popular organizado e situado na ofensiva política. Para o fascismo ser viável, tal movimento deve encontrar-se na defensiva política. Assim, não faz sentido pensar que a conjuntura aberta pelo processo de “fascistização” seja um momento marcado pela polarização entre fascismo e socialismo. Não. O fascismo só deita raízes nos momentos e lugares em que se depara com um movimento operário e popular débil e com movimentos e organizações sociais, sindicais e partidárias com dificuldades de exercer a representação organizada de amplas bases de trabalhadores e setores populares;

    (b) pela ofensiva política da burguesia em seu conjunto contra as massas operárias e populares em meio a um processo de crise de hegemonia no seio do bloco no poder, que busca a adoção de sua agenda a qualquer preço, aliando-se ao movimento fascista. É essa ofensiva que permite a emergência de segmentos das classes médias (da pequena e média burguesia) como força social organizada ou no partido fascista ou em algum tipo de movimento conservador;

    (c) pela constituição da aliança entre as classes médias (pequena e média burguesia) e o grande capital, estabelecida ao longo do processo, logrando confiscar e dirigir politicamente a base de massa do fascismo e avançando na direção da implementação da ditadura fascista. O momento de constituição desta aliança é caracterizado por Poulantzas como “ponto de não retorno”, indicando assim o caráter irreversível do processo de “fascistização” a partir daí;

    (d) pelos diferentes papéis e funções exercidos pelas diferentes frações representadas no Estado. Trata-se do papel e das funções representadas, por exemplo, pela “fração de classe hegemônica”, que é aquela cujos interesses são impostos sobre as demais classes; pela “fração de classe reinante”, aquela que exerce o poder de forma aparente; e pela “fração de classe detentora do Estado”, aquela que controla o aparelho burocrático do Estado.

    Vamos desenvolver, de forma mais concreta, esses três conceitos, aplicando-os ao Brasil. A fração de classe hegemônica é a fração do bloco no poder que detém prioridade sobre a política estatal. No caso brasileiro, por exemplo, é a fração financeira, expressa no complexo bancário-financeiro e na grande burguesia financeira industrial, agrícola e de serviços. Já a fração de classe que reina na cena política, o faz a partir de suas organizações, sendo que seus representantes podem variar. Por exemplo: no governo Temer seria a aliança entre o PMDB-PSDB; no governo Bolsonaro, o Centrão e a base bolso-miliciano-fascista. Já a fração que ocupa a alta administração do Estado, no governo Bolsonaro, seria o “partido militar”. Em muitos casos, a fração reinante se entrelaça com a fração que controla o aparelho de Estado.

    *Dilma Rousseff, economista e política, foi presidenta do Brasil entre 2011 e 2016.

    Referência

    Julian Rodrigues e Fernando Sarti Ferreira. Fascismo ontem e hoje. São Paulo, Ed. Maria Antonia / Ed. Fundação Perseu Abramo, 2021.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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