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Laís Vitória Cunha de Aguiar

Aos 16 anos passou a escrever para a ONG australiana Climate Tracker, que treina jovens para serem jornalistas climáticos, e com isso publicou para a EcoDebate e outros meios de comunicação. Participou dos Jornalistas Livres como freelancer e por um ano do Mídia Ninja. Publica eventualmente no Brasil 247 e Brasil De Fato. Formada em Línguas Estrangeiras Aplicadas ao Multilinguismo no Ciberespaço e coordena o Parlamento Mundial da Juventude no Brasil.

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Festival Mundial da Juventude - sonho do Sul Global

O evento foi vitorioso em muitos sentidos, especialmente porque traz muita esperança no futuro e no BRICS+

Discurso de Vladimir Putin no Festival Mundial da Juventude em Sochi, na Rússia (Foto: Reprodução/YouTube/LahLah)

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Não passarão! - Exclamou o senhor gordinho em português (para surpresa geral), ao levantar o vinho, que era o primeiro e favorito Stalin. Estava sentado em uma cadeira antiga em uma sala que, segundo a descrição na porta, era onde Stalin e sua esposa tomavam vinho. A sala estava fechada, e como tudo na casa de Stalin, foi uma surpresa.

Ali, meus colegas bebericavam mais de três tipos de vinhos russos por apenas 300 rublos (16 reais no Brasil), enquanto ouviam as histórias do senhor russo.

-Viva o BRICS! - Foi o grito para o vinho favorito da esposa de Stalin. Em ambos casos, meus colegas levantaram os vinhos e gritaram juntos, em resposta ao simpático senhor russo:

-Viva o BRICS! - A resposta do senhor russo a nossa presença (seis jovens brasileiros), foi exatamente o sentimento que tive durante o festival: De que o BRICS e as relações sul-sul são extremamente importantes para a Rússia nesse momento.

Em uma das palestras que assisti, sobre desenvolvimento das relações culturais através das relações internacionais, mencionaram que Putin fez uma lista de valores russos, e com isso poderiam se focar nos valores comuns com outros países para o desenvolvimento das relações culturais. Nem sempre teriam todos os valores em comum, mas poderiam se focar em três ou quatro que são comuns, explicaram os palestrantes.

Esse tipo de abordagem não é novidade: Shalom H. Schwartz e muitos outros teóricos tentam analisar os valores dos países há muitos anos, e em boa parte isso tem sido usado por empresas multinacionais para entender como os valores de seus empregados funcionam e assim conquistá-los, criar dinâmicas nas empresas que sejam coerentes com os valores dos países em que estão inseridos. Estudei isso em uma matéria há muitos anos, no entanto foi a primeira vez que vi algo parecido sendo falado e usado abertamente durante uma mesa com jovens, prováveis futuros construtores dessas políticas culturais externas. Também foi a primeira vez que vi um presidente sendo citado como fonte teórica de embasamento, senti que esse momento demonstrou muito o sentimento geral em relação ao Putin.

Eles não usaram em nenhum momento indústrias culturais do Ocidente como exemplo, e sim Índia, Turquia, Japão. Me surpreendi porque aqui nós não estamos acostumados a nos referir a outras indústrias culturais do Sul Global enquanto exemplo: Nollywood, Bollywood, raramente são citados, mesmo Bollywood tendo a segunda maior produção de filmes do mundo, e Nollywood a terceira. O festival todo nos desafiou a olhar para fora do que entendemos enquanto Ocidente.

Mesmo no momento de conviver, como nas festas, nos almoços, jantares, a maioria das pessoas eram da Ásia, África ou América Latina. Conheci apenas um canadense e um americano. Isso também acrescenta muito na nossa visão de mundo, pois raramente teríamos a oportunidade de conversar com alguém do Egito e da Nigéria no mesmo dia, enquanto conversamos na janta com duas jovens chinesas e um jovem no Azerbaijão que ama tanto o Brasil que tem até foto do Kaká no celular. Outro fato interessante que constatei é que a maioria dos países do Sul Global realmente torcem para o Brasil durante as Copas do Mundo, é como se de certa forma se sentissem representados também, e cada vez que disse que era brasileira a maioria abria um sorriso ou dava outra demonstração de carinho pelo nosso país, o que percebi ter muita relação com o futebol. Entre todos os jovens que conheci, selecionei alguns para que contassem um pouco de si mesmos, de suas histórias e seus países: Alvin, da China, jovem que trabalha com o conceito de eco civilização em vigor na China e é um entusiasta dessa temática, Rodrigo, da Venezuela, que nos trouxe outra visão de seu país e da guerra midiática que atualmente está ocorrendo, uma jovem russa de origem chinesa, Lulia, cuja história familiar é extremamente interessante, e por último uma artista da Jordânia, Rabadi Rawan, cujas obras refletem a dor de vários conflitos da região, como o conflito entre Israel e Palestina e do Iêmen.

Nos primeiros dias, precisei fazer as documentações, conseguir o quarto de hotel para dormir, entender a geografia do local e das atividades, já que os voluntários russos não conseguiam expressar as direções em inglês, apenas por meio de gestos, o que me levou a perder várias atividades que considerava importante. No entanto, ainda com essas dificuldades e pelo fato de já ter chegado depois no festival (cheguei ao final do primeiro dia de atividades), consegui participar de várias atividades interessantes, especialmente com relação a ecologia e meio-ambiente, muitas das quais foram encabeçadas pela agência russa Rosatom, empresa pública russa extremamente importante na questão da energia nuclear e energias renováveis. Abaixo é possível ver dois vídeos da visita que fizemos em Moscou a uma exposição sobre energia atômica na Rússia. O primeiro vídeo refere-se aos primeiros vinte minutos da visita, enquanto o segundo já mostra um pouco das novas tecnologias nucleares:

Na exposição, até os espiões são homenageados por trazerem parte das tecnologias que os americanos já tinham da bomba atômica, e enfatizaram que já na década de trinta os EUA já tinham mísseis/bombas (não entendi muito bem a parte técnica), apontados para pelo menos vinte cidades russas. No primeiro minuto do vídeo é possível ver o mapa com as cidades. A visita do vídeo foi uma visita privada em inglês apenas para os participantes do festival regional, então o vídeo acima tem um conteúdo bem exclusivo.

No programa regional, o objetivo era aprender sobre uma região da Rússia e participar de programas relacionados à sua área de atuação ou desejo enquanto jovem. Também era um percurso formativo para os jovens voluntários, e por isso entendo que a minha experiência, pois fiquei doente, pode não ter refletido a experiência da maioria, que provavelmente gostou. Acredito que para muitos jovens russos dos programas regionais, foi a primeira experiência com culturas diversas e hábitos culturais e alimentares diversos, o que também pode ter causado alguma estranheza. A organização de grandes eventos, como diferentes núcleos e muitas pessoas, também deve ter sido uma experiência formativa ampla. Em 2017, havia a possibilidade de selecionar no site qual região gostaria de conhecer de acordo com as atividades que seriam desenvolvidas ali. Para o festival regional, considero que o de 2017 nos deu um pouco mais de liberdade, pois nesse não tivemos nenhuma alternativa ou possibilidade de escolha anterior.

Voltando aos eventos sobre meio-ambiente do próprio festival, anterior ao festival regional, que foi após o dia 8 de março, o primeiro que participei com essa temática foi um hackathon sobre lixo tóxico do ponto de vista internacionalista: Como reciclar o lixo tóxico pelo mundo e como criar uma legislação comum? Como reciclá-lo de forma ampla?

O meu time era composto por três jovens mulheres russas, cada uma de uma área diferente de atuação (turismo, física, comunicação), e estavam no primeiro ou segundo ano da faculdade. Inicialmente, elas queriam criar algo que envolvesse o mundo todo e que fosse um contrato prático entre os países. Logicamente, ainda mais na situação geopolítica em que nos encontramos, isso não seria possível, e ainda mais em termos de contratos (em que elas queriam impor a legislação russa, que acham a melhor, para todos os países do mundo).

Após algumas horas, consegui convencê-las de que impor a legislação russa poderia não ser a melhor ideia, e mostrei que vários países têm legislações próprias sobre o assunto (usei o Brasil como exemplo, lógico), e que seria melhor pensar em algo no sentido de cooperação para a reciclagem, ou de criação de uma rede entre as empresas locais, porque aí sim poderia ser um contrato, e também sugeri que o contrato não fosse mundial, mas centrado no BRICS+ e no banco BRICS+, que já tem amplos investimentos em infra-estrutura, além de ter alguns dos maiores países do mundo e ser um coletivo que com certeza atingiria o mundo todo, apesar de não ter um alcance em todos os países.

Também sugeri que fosse pensado em núcleos locais de reciclagem do material para que o público pudesse trabalhar com o material e isso ajudasse na renda local. Com isso, a consultora do Rosatom sugeriu que tivéssemos uma rede de acadêmicos que pudessem se mover entre os países do BRICS+ para desenvolvimento das tecnologias, e eu sugeri que fossem tecnologias verdes, como o biodesign, não apenas para tecnologia atômica, o qual ela concordou, e com isso tivemos nossa proposta final. Eu não sei o que foi dito do que discuti com as meninas, pois elas fizeram tudo em russo e só me deixaram falar por um minuto ao final, mas tenho certeza de que no meio ouvi “BRICS”, então não deve ter sido tão diferente assim. Não tenho acesso ao projeto desenvolvido, que é propriedade da Rosatom, mas se algo similar fosse desenvolvido, ficaria muito feliz.

Outro evento interessante, também proporcionado pela Rosatom, foi Ecologista: A profissão do futuro, com personalidades de diferentes áreas ligadas a ecologia (biólogo, que era representante da academia de ciências russa, comunicador social, sociedade de geografia russa, etc). Quando cheguei, o auditório já estava bem cheio, e peguei uma das últimas cadeiras. É curioso pois, se fosse no Brasil, com certeza o auditório não estaria cheio de jovens compenetrados. No caso, vi apenas dois estrangeiros, provavelmente da Índia, fora eu. Todos ficaram até a etapa de questões, mas neste momento eu saí pois ia encontrar uma amiga do Quirguistão. Basicamente foi falado que qualquer profissão hoje em dia consegue trabalhar com ecologia, pois as questões são muito gerais, e podem se tornar específicas a cada trabalho, e podem envolver desde questões técnicas até políticas, comunicação, cultura e diversas ciências. Incluir a ecologia no trabalho é uma escolha profissional, que, de acordo com eles, quanto mais cedo for feita, melhor. Também mencionaram as possibilidades de trabalho na própria Rosatom e o desenvolvimento de amplos projetos a partir de diferentes temas (cidades, lixo, educação, etc).

Deram exemplos de projetos que já estão sendo desenvolvidos pela Academia de Geografia Russa, que incentiva as pessoas a fotografarem pássaros, e assim ajudá-los na preservação, a partir de postos nos mais variados locais.

Apesar do meu foco pessoal nas questões do meio-ambiente e artes, enfatizo que tivemos muitos eventos internacionalistas para a discussão de temas importantes para a América Latina, como a mesa Hablemos con Russia: Russia and Latin America, the role of youth in strengthening relations between Russia and Latin America countries in the new reality. Infelizmente não consegui encontrar o local da mesa a tempo, mas vários colegas participaram e disseram que foi uma discussão entre os jovens interessante.

O evento em si era bem mais amplo que apenas as mesas: Havia espaços para entender sobre as tecnologias desenvolvidas na Rússia, pavilhões sobre regiões diferentes da Rússia, locais específicos para práticas artísticas, em que aprendemos mais sobre técnicas artísticas desenvolvidas na Rússia, feira de arte internacional, feira de pratos típicos de vários países, espaços para esporte (onde os brasileiros jogaram uma partida com os russos). Palcos centrais permitiam ouvir música desde cedo (7h ou 8h) até 11h da noite, e durante à noite víamos artistas russos. Veja aqui um robô russo com 600 músculos faciais:

Se pudesse acrescentar algo nesse evento, seria que durasse mais (ao invés do programa regional), para termos mais tempo de irmos a outras aulas, já que a maioria acontecia ao mesmo tempo, e que víssemos a programação e criássemos no próprio site uma programação particular, o que poderia ajudar na logística, já que os voluntários dos países (que tinham maior domínio das línguas), poderiam ver antes do evento começar e já nos ajudar a saber exatamente onde deveríamos ir nos primeiros dias e como chegar lá, pois tive muita dificuldade para entender onde era o quê no começo e com isso perdi atividades importantes.

Os dois dias no trem para chegar a Moscou, depois do festival, seria um texto a parte, mas posso dizer que foi uma experiência única ver as pequenas cidades e a própria natureza se transformar desde Sochi até Moscou. O convívio com as mais diferentes nacionalidades também foi imprescindível para tornar a viagem do trem única, ainda mais com 16 vagões (o trem inteiro), com jovens do mundo todo. Deixo aqui um vídeo em que todos dançam uma música típica russa em uma das paradas do trem, a primeira em que teve neve. Para muitos, foi a primeira vez que viram neve, e por isso talvez vi um clima de muita energia, mesmo depois de um dia todo enfiados num trem e com um frio bem intenso:

Ao final, no encerramento, vimos a história de jovens dos mais diversos cantos do planeta que vieram participar do festival, e também o discurso de Putin, que basicamente disse que as portas das Rússias estão abertas para os jovens que querem desenvolver projetos e para os povos que participaram do festival. Abaixo o discurso completo de Putin:

Coletivamente, creio que o evento serviu para muitos jovens conhecerem mais sobre diferentes áreas de trabalho, entenderem mais sobre o mundo atual, e se conectarem com as mais diversas nacionalidades. Pessoalmente, queria entender mais sobre a Rússia no geral, as razões dos jovens de tantas nacionalidades participarem, seus sonhos e também fazer contatos estratégicos dentro do BRICS+ para desenvolvimento de futuros projetos, aprender mais sobre as visões de sustentabilidade que a Rússia e outros países BRICS+ têm, o que acredito que consegui com sucesso.

Esses espaços são extremamente importantes para a construção de uma juventude consciente de seu papel e presença nos países sul-sul. Não é fácil ter acesso a tantos jovens do sul com conhecimento teórico e prático em suas áreas de atuação e com vontade de mudar o mundo. O evento foi vitorioso em muitos sentidos, mas para mim esse foi o mais importante, especialmente porque traz muita esperança no futuro e no BRICS+.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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