Fiasco eleitoral à vista (2)
O fiasco eleitoral da esquerda está contratado e a extrema-direita seguirá bloqueando o debate democrático
“...a direita está de volta? Será que Bolsonaro (que sempre considerei uma caricatura patética de uma direita reacionária e praticamente extinta) representa de fato muitos bolsonaros? Será que há muitos bolsonaros no Brasil? ” (https://vermelho.org.br/2014/12/12/pedro-maciel-neto-a-direita-esta-de-volta/)
Fiz tal reflexão acima após o primeiro turno das eleições presidenciais de 2014, pois, se a esquerda paulista não foi exatamente “varrida do mapa”, a votação expressiva de Aécio Neves no estado (quase 11 milhões de votos, contra pouco mais de 5 milhões de votos dados à então presidente Dilma), indicou indesejada uma inflexão conservadora.
Outro indicador foi a diminuição significativa da bancada de esquerda, ou identificada como tal, na Câmara dos Deputados, no Senado e na Assembleia Legislativa, sem falar no desempenho sofrível de Padilha, candidato do centro-esquerda ao governo paulista.
Esses fatos deveriam levar a uma necessária reflexão dos líderes dos partidos de esquerda, centro-esquerda e do centro progressista, e mais, as pesquisas indicavam que a classe média, que sempre apoiou esse campo, não a via mais como sua representante, contudo, a vitória de Dilma ofuscou o fiasco que foram as eleições naquele ano e a reflexão ficou para depois.
Apenas quatro anos depois alguém teve coragem de dizer a verdade, cara-a-cara com os líderes, isso aconteceu quando, na reta final da campanha eleitoral, o rapper Mano Brown aproveitou um comício na Lapa, no Rio de janeiro, para criticar a comunicação da campanha de Haddad: "A comunicação é a alma. Se não está conseguindo falar a língua do povo vai perder mesmo”, criticou ainda a militância apenas em ambientes seguros (as “bolhas”): “Falar bem do PT para a torcida do PT é fácil. Tem uma multidão que não está aqui que deveria ser conquistada". Mano Brown estava certo, Bolsonaro venceu.
A verdade é que os sinais de distanciamento, entre a esquerda e a população, estavam ali, para quem quisesse ver, mas a soberba, somada à incapacidade aceitar a realidade, causou o desastre de 2018.
Evidentemente, não ignoro o significado e os efeitos das Marchas de Junho de 2013; da Lava-Jato; do conluio entre Aécio, Cunha e Temer e do impeachment (eventos que a meu juízo estão relacionados); não ignoro também que a mídia foi implacavelmente contrária ao governo de Dilma e descaradamente favorável a Aécio Neves, garantidor do retorno do projeto neoliberal (elemento fundamental para a análise responsável do que aconteceu de verdade), mas faltou líderes de verdade em 2018, Lula estava preso e Lula não é eterno.
A classe média cansou das nossas promessas de um mundo mais justo e foi cooptada pelos setores mais conservadores com seu discurso sedutor (e não seria a primeira que isso aconteceu, pois, o mesmo aconteceu no tempo de Getúlio, Juscelino e João Goulart).
Fato é que um verdadeiro “consórcio da direita” manteve o país em crise institucional por muito tempo e criou as condições objetivas para apear Dilma do cargo, então Temer trouxe de volta o programa neoliberal (que não vencia eleições desde 2002); depois Bolsonaro, através de seu ministro da economia, seguiu atendendo os interesses de quem quer menos Estado e de quem não ganha eleições sem golpe.
Passados dez anos daquele 2014, apesar da vitória em 2022, as mais recentes pesquisas eleitorais mostram um maior número de candidatos apoiados por Jair Bolsonaro na liderança em relação àqueles apoiados por Lula nas 103 maiores cidades do país (com mais de 200 mil eleitores), esse dado representa que os partidos do centro para a esquerda terão ainda menos representação e influência em cidades importantes.
Por que isso acontece? Acredito que Mano Brown sintetizou bem a razão disso: “Se não está conseguindo falar a língua do povo, vai perder mesmo”. Qual a dificuldade de os “líderes” entenderem que vivemos tempos perigosos, em que estamos a caminho de uma “Teocracia ultraliberal”, escorada na Teologia da Prosperidade, na Teologia do Domínio, nas Economia da Atenção e financiada pela “Faria Lima”, e quem perde no médio prazo são as pessoas. Isso precisa ser dito, essa é a tarefa.
Os líderes dos movimentos sociais, que deveriam estar mobilizando as suas bases ininterruptamente, num esforço necessário, em contraposição às lideranças de extrema-direita (que mantém os seus adeptos mobilizados o tempo todo, desde 2013) estão preocupados em garantir um gabinete, uma assessoria, um holerite.
Em tempos de linguagem grosseira eu poderia escrever algumas, mas prefiro escrever apenas que há um desencantamento com a Política, com os Políticos; que nossa (da esquerda) incapacidade de entender o que a sociedade precisa e quer é evidente; que esse desencantamento só será vencido com militância, conversando com as pessoas e ouvindo, pois, como sabemos, o povo sabe o melhor caminho, não burocratas.
Não podemos contar com Lula ou Zé Dirceu, e muito menos com Arraes ou Brizola, mas precisamos descartar os líderes de hoje que sejam meros burocratas, incapazes de “fazer política” e, repito, que não tenham conexão orgânica com a sociedade e que vivam em bolhas que os afaste cada vez mais da realidade.
Posso estar sendo pessimista, mas essa eleição será lembrada como o maior fiasco para os partidos de esquerda desde a redemocratização.
O PSB – O único partido, do centro para a esquerda, que mantém conexão orgânica com a sociedade e com a realidade é o PSB; é um partido que busca sua construção cotidiana com independência (por isso é criticado pelo hegemonismo infantil dos burocratas do PT); o PSB, errando e acertando, não rende vassalagem a nenhum partido e muito menos a burocratas (os burocratas são cruéis e burros, acreditam que uma foto do Lula ao lado de seus candidatos encobrirá a incompetência da organização, a falta de militância e o distanciamento da realidade).
O PSB optou pela realidade e no seu XV Congresso de 2022, aprovou por unanimidade o novo Manifesto e o novo Programa do PSB, o que aproximou o partido e os dirigentes da sociedade e das demandas sociais verdadeiras; tratou-se de processo democrático e histórico, protagonizado pela militância do partido socialista.
Um pouco de História – Nossos dirigentes deveriam aprender com erros e acertos do passado.
A revolução russa de 1.917, por exemplo, foi o maior acontecimento da história no século XX, pois o capitalismo, sua lógica, seus principais operadores e seus estafetas foram abalados com a possibilidade de novos sistemas, econômico e político, serem implantados em todo o mundo, com a participação direta da classe trabalhadora.
A Rússia, depois a URSS, poderia ter sido um Estado operário saído de uma revolução campesina e proletária, que aboliu o regime capitalista e instaurou formas de propriedade coletiva e planificação da economia, mas perdeu-se na burocratização do poder.
A burocratização foi um processo que comprometeu a legitimidade da revolução e semeou a corrupção.
É verdade que a revolução socialista teve início na Rússia atrasada e não na Alemanha, Inglaterra ou França, mais desenvolvidas em termos capitalistas, o que se tornou um problema para seus dirigentes; não havia uma classe operária consolidada, articulada e organizada e os dirigentes revolucionários decidiram substituir a classe trabalhadora, tarefa que passou para a burocracia partidária. O PCUS passou a ser uma espécie de tutor da classe trabalhadora, o que determinou distanciamento dos dirigentes e do partido, em relação aos verdadeiros desejos e aspirações da sociedade, um distanciamento conduziu a URSS de volta ao capitalismo.
Acredito que a extrema-direita no Brasil só emergiu do chorume porque as lideranças democráticas e de esquerda se distanciaram da realidade.
Na antiga URSS dirigentes tornaram-se porta-vozes da burocracia e de seus interesses; negaram à classe que diziam representar, o direito à efetiva participação no poder e na construção do Estado socialista e levando aquele que deveria ser um Estado operário de volta ao capitalismo.
Acredito que o distanciamento da classe trabalhadora e a burocracia do PCUS lançaram as sementes da perestroika e, em certa medida, Trotsky antecipou isso na obra citada acima.
Há quem diga, inclusive, que o próprio Lênin buscou organizar o XII Congresso do PCUS com objetivo de recolocar a burocracia do partido no seu devido lugar. No documento “Carta e Notas ao Congresso, 23 a 31 de dezembro de 1.922” , Lênin apresentou propostas de combate ao perigo burocrático, dentre elas está a necessidade de ocorrer.
Noutro congresso Shliapnikov, falando em favor da Oposição dos Trabalhadores, afirmou o seguinte: “Vladimir Ilich disse ontem que o proletariado como classe, no sentido marxista, não existe (na Rússia) Permitam-se congratular-me com vocês por serem a vanguarda de uma classe inexistente”; o 1º de Maio de 2024 mostrou que os nossos dirigentes não representam absolutamente nada, são meros burocratas.
Escrevi, e o 247 publicou em maio desse ano (https://www.brasil247.com/blog/fiasco-eleitoral-a-vista-6ebwhx3l), que muitos dos burocratas de partidos e de diversos movimentos, travestidos de líderes, estão conduzindo o campo democrático e os partidos de centro-esquerda para uma derrota eleitoral acachapante em outubro e a “culpa” não é apenas das fake News, da imprensa, das elites; a culpa é deles, que deixaram de ser líderes progressistas faz tempo e o pior, acreditam que uma foto com o Lula resolve toda sua incompetência.
Conclusões - Os burocratas são vírus a serem combatidos pela militância genuína, pois, enquanto esses seres microscópicos, parasitas intracelulares, estiverem ocupando o lugar dos verdadeiros democratas e dos verdadeiros socialistas, a direita e a extrema-direita vão prosperarem e seguirá bloqueando o debate democrático sobre o que é de fato importante.
E não adianta desespero, o fiasco eleitoral já está contratado e a responsabilidade é da burocracia e da excessiva institucionalização da política, o que não é possível é os diversos partidos seguirem ignorando a realidade, pois ela se impõe sempre.
São as reflexões.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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