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    André Teixeira Jacobina

    Bacharel e Licenciado em História (UFBA), mestre em História Social (PPGH-UFBA) e doutor em saúde Pública (ISC-UFBA)

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    Fim da escala 6x1 é parte da história que a esquerda precisa contar

    A luta pelo fim do 6x1 pode e deve fazer os partidos políticos de esquerda, suas lideranças, movimentos sociais, compreenderem que precisam contar uma história

    Brasília (DF), 15/11/2024 - Ato em defesa do fim da jornada 6x1, na Rodoviária do Plano Piloto (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

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    No último episódio da série Game of Thrones o personagem Tyrion, ao refletir sobre como escolher uma liderança, diz “Não há nada mais poderoso no mundo que uma boa história. Nada pode pará-la. Nenhum inimigo pode derrotá-la.”. Entender isso é fundamental para se pensar como a esquerda pode enfrentar a ascensão global do neofascismo. Pois as pessoas, na ausência de uma boa história, vão aderir a qualquer uma, mesmo que seja falsa, desde que ela dialogue com suas dores, suas frustrações, sua indignação e sofrimento.

    Primeiro é fundamental entender o que está acontecendo no mundo. Existe um processo acelerado de concentração de riqueza e poder, nas mãos dos bilionários e das grandes corporações empresariais. Segundo a Oxfam  o 1% mais rico da população global acumula quase o dobro da riqueza do resto do mundo reunido nos últimos dois anos. Isso tem provocado uma queda significativa de padrão de vida das novas gerações, de modo que os filhos, em geral, estão tendo um padrão de vida pior que os pais. Estudos como, por exemplo, o desenvolvido em Stanford apontam exatamente que as crianças de hoje enfrentam perspectivas difíceis de ter uma vida melhor do que a dos seus pais . Essa é a realidade, concentração de riqueza e poder nas mãos de poucos, concomitante a um processo de empobrecimento da classe trabalhadora e as, assim chamadas, classes médias. 

    O que faz a extrema direita diante disso? Conta uma história. Não uma história verdadeira, mas, na ausência de uma história melhor, um número significativo de pessoas vai aderindo à história que que os líderes e representantes da direita contam. A história da extrema direita começa pelo reconhecimento que as coisas estão piores. Por exemplo, o lema trumpista, “Make America Great Again” (Fazer a América Grande de novo), sinaliza duas coisas: primeiro que os EUA já foram “grandes”, típico de movimentos fascistas de remeter a um passado que as coisas eram melhores, mas também sinaliza que hoje os EUA não é mais um país “grande”. Logo, o lema é buscar um retorno para quando as coisas eram excelentes (uma variação do excepcionalismo estadunidense), parte de um reconhecimento de que hoje existem problemas. Nesse sentido, esse lema já dialoga com a frustração da maioria das pessoas, pois diz para elas, que elas têm razão em estarem frustradas e indignadas. A segunda parte da história que a extrema direita conta diz respeito a encontrar o vilão, ou os vilões, a quem responsabilizar pela dor, pelo sofrimento, que as pessoas comuns vivenciam. Aqui os vilões apontados pela extrema direita variam de país para país. Nos EUA os vilões são os imigrantes latinos, em especial mexicanos e pessoas provenientes dos países centro-americanos. Mas também os mulçumanos, basta lembrar que além da proposta de construção de um muro na fronteira dos EUA com o México, Trump também defendeu o banimento dos mulçumanos. Na Europa, em especial na França, os vilões são os imigrantes, em especial os imigrantes islâmicos. No Brasil, são os “comunistas”, termo amplo (guarda-chuva), que serve para designar todos aqueles que ou são de esquerda, ou são contrários aos projetos da extrema direita.  

    Depois de reconhecer as dores e apontar os “culpados”, a extrema direita, em sua fase final da história, diz qual seria a solução. Ela envolve se vingar dos “culpados”, proibindo-os de entrar, expulsando do país (deportação em massa), destruindo seus projetos, e por fim propõem que se ouça e siga os conselhos da classe dominante, representantes do setor empresarial ou financeiro, pois estes, na visão da extrema direita, sabem melhor o que deve ser feito para enfrentar a crise. A agenda econômica nunca é o central na história da extrema direita, pois a ela interessa esconder o fato que ela serve à mesma classe dominante que a maioria dos partidos políticos tende seguir. Ela quer esconder o fato que não representa mudança real, mas visa apenas uma entrega ainda maior do orçamento do Estado para as grandes corporações empresariais, assim como foi durante a gestão de Trump nos EUA, o governo de Bolsonaro no Brasil e está sendo na gestão do Estado argentino no governo de Javier Milei.  

    Diante disso, qual a história que a esquerda pode e deve contar e qual o papel da luta pelo fim da escala 6x1 na construção dessa história, dessa narrativa que inspire os trabalhadores e a população em geral na luta contra a opressão capitalista e o domínio dos representantes da direita e da extrema direita no imaginário da população? A luta contra a escala 6x1 cria automaticamente o reconhecimento que existe um problema, qual seja, uma escala de trabalho no capitalismo atual que é desumana, que faz a pessoa viver praticamente de forma exclusiva para o trabalho. Não por acaso, o movimento social que propôs o fim da escala mais recentemente, embora essa discussão seja antiga (remeta não apenas ao século XIX, mas mesmo no Brasil a diversos movimentos e organizações), seja um movimento com nome de Vida para Além do Trabalho (VAT). Além de reconhecer o problema, primeira etapa da história, ela não apenas sinaliza em direção a uma solução, seja 4x3, ou 5x2, ou redução da jornada de trabalho de 44h para 40h ou 38h, ou uma possível combinação que leve em conta a redução da jornada de trabalho e ampliação do tempo livre. Ela também aponta para os verdadeiros vilões, componente essencial de uma história, chamando a atenção para que os vilões são os capitalistas, os empresários que defendem o modelo 6x1, e também aponta como vilões os tecnocratas, que se prestam ao papel de defender essa escala, além da mídia corporativa, e, o que é mais útil para a tomada de consciência e para a luta da esquerda, enfatiza o papel desempenhado pelos políticos de direita que saem em defesa dos interesses dos empresários, que via de regra são os que financiam esses mesmos políticos para ocupar espaços no Estado, especialmente no poder legislativo, representando seus interesses.

    Ora, isso explica em larga medida porque a proposta do fim da escala 6x1 tomou conta das redes sociais, e explodiu no debate público. Isso aconteceu, pois ela conta uma história. E essa história não apenas aponta os vilões, mas evidencia a existência de “heróis”, como Rick Azevedo, vereador ligado ao movimento Vida Além do Trabalho, e a deputada Erika Hilton que acolheu a demanda e tem sido um baluarte nessa luta, que inclui na longa lista de heróis, todos que assinaram a petição pública, todos que a compartilharam nas redes sociais, todos que se sentem parte dessa luta, que não apenas econômica, é moral, pela dignidade dos trabalhadores. Desse modo, por combater a hiper exploração, e por tocar nessa dimensão moral, essa história ganhou força. Esses “heróis” atuais, claro devem também remeter a todos aqueles que no passado lutaram por isso, pois essa luta tem história. 

    O fim da escala 6x1 não pode ser um fim em si mesmo. Precisa ser uma luta que abra os olhos dos partidos de esquerda, das organizações de esquerda, movimentos sociais, que ela precisa ter uma história para contar. Por exemplo, a esquerda pode defender a PEC “Fim da compra de políticos”. Uma proposta de reforma do sistema eleitoral que torne proibida toda e qualquer “doação” de mais de 1 salário mínimo, pois quem doa 200 mil reais para a campanha de um político, não fez uma “doação”, fez um investimento com previsão de retorno financeiro em contratos, em políticas, que favorecem diretamente sua empresa e seus negócios ou, indiretamente, produza benefícios em projetos do seu setor na economia. Um projeto como esse de fim da “compra” de políticos, através das “doações” para campanhas, reconhece a existência de um problema que corrompe a própria política, ao subordinar a representação e as decisões dos gestores e parlamentares ao poder econômico de quem financiou sua campanha, ou seja, desvirtua o espaço público e desequilibra o debate político em favor dos interesses da classe dominante. Assim, uma história que aponta isso, (passo 1), comunica a existência de dois vilões, os que compram, e os que se deixam comprar e pode ainda sinalizar a solução, algo como um direito de todo cidadão maior de idade, de receber 100 reais do Estado, por ciclo eleitoral, para destinar a um partido ou um político, processo a ser feito presencialmente nos bancos públicos, em sigilo como é o que protege o voto universal (a ideia do direito ao financiamento de campanha). Aqui está se defendendo não apenas uma democracia mais verdadeira, menos distorcida pelo poder econômico das classes dominantes, mas se defendendo um verdadeiro combate a corrupção. 

    Podemos pensar facilmente outras histórias. Uma petição “Comida, água, gás, luz mais baratos. Justiça Tributária Já”. Uma proposta de PEC que mude o desenho tributário, para que os impostos incidam menos sobre itens de consumo (comida, luz, água, gás...) necessários para a garantia de boas condições de vida, e mais cobrados sobre o lucro das grandes empresas, dividendos empresariais, herança dos multimilionários. A história é evidente, o problema é um sistema que cobra mais de quem tem menos, agravando uma injustiça (passo 1), e, na sequência, reconhece que isso decorre da ganância de uma classe dominante que assim desenhou o sistema (passo 2), culminando com a proposta do passo final da história que é apontar uma solução, ou seja, um sistema tributário mais progressivo. 

    Em nosso texto “O que a Esquerda precisa fazer: Unida, ser Antissistema” e no canal no YouTube “A nova Máquina do Tempo”, aprofundamos a história que a esquerda poderia contar sobre a ditadura nos espaços de trabalho. A solução seria a democratização dos espaços de trabalho, o trabalho assalariado passando a ser, gradualmente, superado pelo trabalho associativo, através de ações e políticas desenvolvidas por governos de esquerda, no âmbito federal, estadual e/ou municipal. O que todas essas propostas tocam é que, para que a esquerda seja antissistema, as suas propostas precisam dialogar com a dor das pessoas, com sua realidade material, e as propostas precisam contar uma história. Essa história tem que surgir do contato com a realidade, com a compreensão do sofrimento das pessoas, para, em seguida, apontar os verdadeiros vilões (ou seja, os responsáveis por essa situação, cuja causa maior reside na própria reprodução do sistema capitalista), e mais, precisa apontar soluções que melhoram materialmente a vida das pessoas, em direção a uma vida mais humana, mais livre, mais igualitária, que contenha, em si a possibilidade de emancipação. 

    Tocar na dor e aponta uma direção antissistema é central para se tirar a classe trabalhadora da ilusão em que parte dela caiu e continua caindo, quando acredita nas histórias da extrema direita. Nesse ponto, é importante lembrar que parte dessa classe trabalhadora tem o desejo de se autoiludir (um “ilusio” como diria Bourdieu), um prazer (e um conforto) em acreditar que aqueles com os quais eles concordam em temas de costumes e temas da chamada “guerra cultural” também defenderiam seus interesses econômicos. Cabe a esquerda portando, mostrar, pautando questões como o fim do 6x1, que essa foi a história que a extrema direita contou para população, para cegar essa população da verdade, que essa extrema direita representa, bem como a direita tradicional, os interesses das classes dominantes. 

    A luta pelo fim do 6x1 pode e deve fazer os partidos políticos de esquerda, suas lideranças, movimentos sociais, compreenderem que precisam contar uma história. Sendo que, se a história for apenas uma promessa de melhorias macroeconômicas, pautada na administração do sistema capitalista, seus porta-vozes serão identificados como pró-sistema, e serão abandonados pelas classes que querem representar, pois essas não vão se identificar com essa história. A história que a esquerda precisa contar tem que não apenas reconhecer os problemas, como a concentração de riqueza e poder nas classes dominantes, não apenas apontar os vilões, as grandes corporações empresariais, bilionários, a classe dominante, mas apontar que existem problemas estruturais do próprio capitalismo e que é necessária a reflexão e a mobilização na direção de uma sociedade mais democrática, mais livre, com maior igualdade de oportunidades. Para isso, a esquerda precisa implementar aspectos dessa história, para dar algo de concreto e palpável, para dar solidez a uma luta que precisa, não apenas angariar do voto das pessoas em períodos eleitorais, mas inspirar todos que puderem ser inspirados para se empenharem na luta e o trabalho social necessário, para o alcance de uma vida mais plena, para todos.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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