Flávio Dino e as eleições (IV)
Flávio Dino se apresenta como combatente contra a corrupção de alta credibilidade, não pela retórica ou pela demagogia, mas pela ação
O sistema partidário brasileiro é disfuncional. Dividido em 29 partidos legalizados, com bancadas de 513 deputados e 81 senadores no Congresso, não constitui uma base institucional firme para assegurar governabilidade ao País. O presidente Lula teve de fazer uma verdadeira colcha de retalho partidária a fim de estabelecer alianças que lhe assegurassem um mínimo de apoio no Legislativo para governar. Isso não representa nada em termos de um projeto político nacional.
Cada ministro constitui um braço independente do Executivo. Responde mais aos interesses de seu partido do que ao interesse geral. E os interesses de seu partido nem sempre são republicanos. No mínimo, são paroquiais. Em geral, o ministro, que é um parlamentar, dedica-se principalmente à sua reeleição. Isso fragmenta a estrutura do governo e sabota o princípio de planejamento único da ação governamental, que é violado sobretudo pelo uso generalizado das emendas parlamentares.
O exercício do governo não reflete um consenso nacional de prioridades. São iniciativas picotadas, do Executivo ou do Legislativo, negociadas pontualmente sem um sentido de coerência com um programa comum.
Diante de cada projeto de lei os grupos parlamentares avaliam seus interesses fisiológicos e suas alianças na sociedade civil, que estabelecem as decisões majoritárias do parlamento. Ao Executivo cabe aprovar ou vetar, e mesmo seu veto não corresponde a uma decisão definitiva, pois está sujeito à aprovação legislativa.
Diante disso é um milagre que haja ainda um resíduo de governabilidade e de funcionalidade governamental no País. Isso se deve quase exclusivamente às qualidades de Lula como negociador. Contudo, a arte da negociação consiste muitas vezes em ceder posições, o que implica sacrificar objetivos e princípios.
No limite, é um risco, pois a posição do negociador pode não ser bem compreendida pela opinião pública, e sua credibilidade pode ficar em risco. Esse risco pode ser menor se surgir um líder que assuma valores que não possam ser questionados pelas classes dominantes, pelas elites e pela opinião pública, e cuja defesa seja constatada na ação concreta, e não na retórica.
É nesse sentido que vejo no ministro Flávio Dino um candidato viável à Presidência, se Lula não concorrer à reeleição. Ele não está anunciando para o futuro que vai combater a corrupção das emendas parlamentares secretas, que se tornaram odiadas e repudiadas por toda a sociedade. Ele já está combatendo a corrupção parlamentar de público, com ampla cobertura da mídia, atraindo para si uma enorme simpatia.
A tradição política brasileira, cujos exemplos mais recentes de políticos que se apresentaram como grandes combatentes contra a corrupção, traz à memória, principalmente, Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello. Uma vez eleitos, revelaram-se notórios corruptos. Não estou garantindo que Dino também não o seja ou venha a ser. Estou dizendo que ele já se apresenta como combatente contra a corrupção de alta credibilidade, não pela retórica ou pela demagogia, mas pela ação.
A luta contra uma facção corrupta do Congresso Nacional não é tarefa fácil. Especialmente quando estamos falando de um Congresso que tem maioria absoluta de parlamentares envolvidos direta ou indiretamente na fraude das emendas e pode, portanto, estabelecer emendas constitucionais em seu próprio benefício - como, aliás, tem feito. Vêm aí as eleições gerais de 2026. Nada está garantido em relação à composição do futuro Congresso. Se ficar como está, será ainda pior.
Portanto acredito que uma eventual candidatura de Dino à Presidência, ocupando o vazio de lideranças com credibilidade em que nos encontramos, pode ajudar a ampliar uma base de apoio parlamentar ao futuro governo (se ele for eleito), sem os vícios da atual maioria absoluta no Congresso. Para as eleições, isso seria possível uma vez articulada uma base de aliança consistente entre partidos que, sem líderes de expressão, não conseguiriam eleger o presidente sozinho.
Já chamei a atenção para outro aspecto positivo da eventual candidatura de Dino à Presidência. Ele deu mostras de que está a par dos impactos para o mundo e para o Brasil dos desastres climáticos extremos. Esses desastres trarão imensos custos de reconstrução e prevenção que vão repercutir de forma recorrente no “arcabouço fiscal” e na meta fiscal do orçamento. O ministro autorizou o Governo a “furar” essa meta. Com isso, impediu que oportunistas tentem um impeachment contra Lula.
Publicado originalmente na “Tribuna da Imprensa” online.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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