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    Francisco Carlos Teixeira Da Silva

    Professor Titular de História Moderna e Contemporânea/UFRJ, professor Emérito da ECEME, professor Titular de Teoria Social/UFJF. Prêmio Jabuti, 2014

    6 artigos

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    "Foi bonita a festa, pá"

    Levaremos bastante tempo “lendo” todo o simbolismo que envolveu os acontecimentos

    (Foto: Ricardo Stuckert)

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    A posse do Presidente Lula, em pleno domingo de Sol do Ano Novo, foi uma imensa festa da Nação. Levaremos, ainda, bastante tempo “lendo” todo o simbolismo que envolveu os acontecimentos, desde a extrema segurança do processo até a (cachorrinha) “Resistência” subindo a rampa do Palácio do Planalto. 

    Os dois discursos de Lula, ao contrário do que certa mídia afirma, foram coesos e complementares. Desde uma severa advertência feita no Congresso Nacional de que não haverá anistia daqueles que cometeram crimes. Todas as formas de crimes: contra a Democracia e a Constituição; contra os Direitos e Civis; contra a Administração Pública e, fundamentalmente os crimes contra a Humanidade, sejam eles durante a epidemia de covid-19, sejam eles especialmente voltados contra a população nativa brasileira. 

    No Parlatório Lula da Silva reafirmou as metas de seu governo, indo na contramão dos que exigiam um “estelionato eleitoral”. Assim, a luta contra as desigualdades sociais, repetida 19 vezes, tornou-se o eixo central do novo governo, coroada pela frase-síntese da fala presidencial: “...a fome é filha das desigualdades sociais”. Ao mesmo tempo comprometeu-se de forma direta e imediata com a preservação ambiental, a luta contra o desmatamento e o envenenamento das águas e solo da Amazônia, de seus rios e das terras indígenas. Indo além,  prometeu uma ação concreta em direção ao combate mundial à fome e às mudanças climáticas, buscando redirecionar a Política Externa do Brasil, retornando a um leito civilizatório, supra partidário, inaugurado desde San Tiago Dantas (1961), reafirmados por Saraiva Guerreiro (1979) e impulsionado firmemente por Celso Amorim (2003). 

    Esta é a cara, e o sentido, das mudanças já em curso em Brasília. Evoé, Lula!

    A posse e todo seu simbolismo, capaz de combinar o rigor do Itamaraty com a vocação popular e nacional proposta por Janja da Silva, foi, ainda, saudada como o término de período de seis anos (Temer+Bolsonoro, 2016-2022) de políticas regressistas, elitistas e violentas por parte do poder público. 

    É aí que creio ser necessário algumas advertências. Como alguém do campo da História, mesmo que da História do Tempo Presente, acredito que devemos nos afastar da fotografia para apreciar melhor o filme. Ao contrário do jornalismo corrente, e de visão política imediata, somos obrigados a trabalhar com os dados estruturais, aquilo que no passado constrói o presente e projeta o futuro. Sem tais “enlaces” passado/presente poderíamos tomar as aparências como o conjunto do fenômeno. 

    Em suma, com o risco de turvar os ânimos da festa, cabe afirmar que o bolsonarismo não morreu no dia Primeiro de Janeiro de 2023. Claro, foi atingindo duramente. Mas, não foi às lonas. Devemos lembrar que Bolsonaro teve 49.10% de todos os votos contra 50.90% de Lula da Silva, uma diferença de 1.8%! Foi uma eleição disputadíssima, difícil e desigual. 

    O candidato derrotado usou amplamente a máquina pública, arruinou as finanças do país, ameaçou funcionários públicos e convocou os patrões para amedrontar seus trabalhadores. E perdeu mesmo assim. No entanto por pouco. Depois de tudo que sabemos, da CPI da Covid-19 com o escândalo macabro de Manaus passando pela morte intencional de velhos e as negociatas com a vacina; tudo que foi exposto pelos “Inquéritos de Atos Antidemocráticos” conduzidos pelo STF até a tentativa de exterminar as populações nativas, ninguém – ninguém mesmo! – pode dizer que não sabia dos atos de Bolsonaro. A velha desculpa de “eu não sabia”, usada no Julgamento de Niurenberg, não pode ser validada no caso brasileiro.

    Na eleição do presidente derrotado havia a expectativa dos desavisados, dos interessados e dos manipuladores e autopropostos “rasputins” de plantão, em especial na área militar, de controlar o “cavalão”. Não foi o que aconteceu. Um a um os setores que apoiaram Bolsonaro – empresários, jornalistas, militares e uma vasta classe média amedrontada e furiosa  – foram atropelados pelo presidente derrotado, que impôs sua própria agenda, a agenda do bolso-fascismo. O reacionarismo tosco do fundo da sociedade brasileira – reafirmando suas estruturas escravocratas – uniu-se ao fundamentalismo religioso e ao neofascismo em ascensão no mundo e ao jogo bonapartista a la Trump para forjar o bolsonarismo. O fascismo à la brasileira. 

    De tudo isso resultou uma corrente política nova em nossa paisagem política: o bolso-fascismo. E o fascismo não se vence em apenas uma eleição, como provam as eleições de 1919 na Itália ou de 1930 na Alemanha. O fascismo é reticular, persistente, resiliente, com muitos rostos. Enquanto as condições sociais que permitiram a formação dessa vasta coligação de Extrema-Direita, hegemonizada pelo fascismo,  desferir um Golpe contra a democracia em 2016 e chegar ao poder em 2019 não for superada, continuaremos sob a ameaça fascista. 

    Inúmeras instituições da sociedade brasileira já estão fascistizadas: as Polícias, parcelas das FFAAs, boa parte da Magistratura pronta para novas experiências de “Lawfare”, uma parcela importante da clínica, como aquela disponível para o sacrifício dos velhos e fracos, como nos revelou a CPI da Covid e, mesmo, uma boa parcela da escola, como as escolas cívico-militares ainda existentes, já estão, todos, no campo do fascismo. 

    Além de tudo, o mais importante estado da federação tornou-se uma incubadora de reacionários e fascistas, prontos para o retorno ao poder. Alguns dos políticos eleitos em 2022, como o ex-vice-presidente, competem com o próprio Bolsonaro na liderança do bolso-fascismo.

    Se, teremos um bolsonarismo com ou sem Bolsonaro é uma discussão adjetiva. O ponto central é que o fascismo vive e pulsa no coração de uma parcela muito grande, grande demais, da população. O Governo de Lula da Silva além dos “revogaços”, terá que ser um governo que mantenha os seus partidários unidos, que dilua a periferia do bolso-fascismo – já que seu núcleo duro veio para ficar – e, acima de tudo, assuma sua missão pedagógica de apontar o fascismo como o inimigo fundamental do futuro da Nação brasileira. 

    Estamos condenados ao sucesso ou ao fascismo. Com certeza há “tanto mar, tanto mar, a navegar!”

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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