Francisco no G7
Papa Francisco apresentou seu discurso: “Inteligência Artificial, um instrumento fascinante e temeroso”
Na sexta-feira, 14, em Borgo Egnazia, na Itália, o Papa Francisco participou da sessão do Encontro do G7 dedicada sobre o uso da Inteligência Artificial e seus efeitos. É a primeira vez que um Chefe de Estado do Vaticano e da Igreja Católica tem assento neste encontro de cúpula.
Naquele dia estava previsto uma série de conversas bilaterais de Francisco com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva; com a diretora do FMI, Kristalina Georgieva; com o presidente da França, Emmanuel Macron; com o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau; com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky; com o presidente do Quênia, William Samoei Ruto; com o primeiro-ministro da Índia, Narenda Modi; com o presidente dos EUA, Joseph Biden; com o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan; com o presidente da Argélia, Abdelmadjid Tebboune.
Em seguida, na sala oficial do encontro, Francisco apresentou seu discurso: “Inteligência Artificial, um instrumento fascinante e temeroso”. Abaixo teceremos brevíssimas considerações sobre trechos do documento do qual recomendamos sua leitura na íntegra. Logo nas primeiras linhas do seu discurso, o Papa é taxativo: a inteligência artificial é um instrumento, uma ferramenta, um meio. Todavia, é um instrumento sui generis. Ela pode adaptar-se, autonomamente, às tarefas que lhe são atribuídas e, sendo projetada dessa forma, fazer escolhas (escolhas algorítmicas, técnicas e estatísticas) independentes do ser humano, para alcançar o objetivo estabelecido.
Mas a decisão é o elemento mais estratégico de uma escolha, que requer uma avaliação livre, profunda e sábia. Portanto, a decisão deve ser sempre deixada ao ser humano. Francisco alerta que condenaríamos a humanidade a um futuro sem esperança se retirássemos às pessoas a capacidade de decidir sobre si mesmas e sobre suas vidas, obrigando-as a depender de escolhas das máquinas. Nisto está em jogo a própria dignidade da humanidade.
A inteligência artificial busca nos big data informações, elaborando-as segundo o estilo que lhe foi solicitado. Não desenvolve conceitos, nem análises novas. Repete as que encontra, dando-lhes uma forma apelativa. E quanto mais uma noção ou uma hipótese se repete, mais as considera legítima e válida, muitas vezes sem verificar se contêm erros ou preconceitos. Deste modo, corre-se o risco de legitimar fake news e de reforçar a vantagem de uma cultura dominante, minando a essência do processo educativo que deveria desenvolver nos jovens estudantes a possibilidade de uma reflexão autêntica, questionadora e de verdadeira conscientização.
Não se pode esconder o risco concreto de que a inteligência artificial limita a visão do mundo a realidades expressáveis em números, encerradas em categorias pré-concebidas, excluindo a contribuição de outras formas de verdade e impondo modelos antropológicos, socioeconômicos e culturais uniformes.
Ele recorda que o humano contém em si uma dignidade infinita, inalienavelmente fundada no seu próprio ser, inerente a cada pessoa humana, para além de toda circunstância e em qualquer estado ou situação que se encontre, fundamento do primado da pessoa humana e da tutela de seus direitos. Desta dignidade ontológica e do valor único e eminente de cada mulher e de cada homem que existem neste mundo fez-se eco a Declaração Universal dos Direitos Humanos (10 de dezembro de 1948).
O Papa insiste, por exemplo, que ao moldar o metal, criando um instrumento cortante – a faca – a humanidade simultaneamente moldou sua existência capaz de sobreviver a adversidades do seu tempo; porém com esta mesma faca desenvolveu a arte da guerra e as vidas humanas foram moldadas a um novo patamar de existência social. Agora, ao moldar um instrumento tão complexo como a inteligência artificial, os humanos verão este último moldar ainda mais suas existências.
Consequentemente, como um instrumento fascinante e temeroso, exige uma reflexão à altura da situação. Por um lado, ela poderia permitir uma democratização do acesso ao conhecimento, o progresso exponencial da investigação científica; mas ao mesmo tempo, ela poderia trazer consigo “uma maior injustiça entre nações desenvolvidas e nações em vias de desenvolvimento, entre classes sociais dominantes e classes sociais oprimidas, colocando em perigo a possibilidade de uma cultura do encontro em favor de uma cultura do descarte”. A introdução contínua de microchips, cada vez mais eficientes, já se tornou uma das causas da dominância do uso da inteligência artificial por parte de poucas nações. (https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2024/june/documents/20240614-g7-intelligenza-artificiale.html. Discurso do Papa Francisco. Grifo nosso).
Portanto, para Francisco, somente se for garantida a sua vocação à serviço da humanidade, os instrumentos tecnológicos revelarão não apenas a grandeza e a dignidade única do ser humano, mas também o mandato que este recebeu de “cultivar e guardar” o planeta e todos os seus habitantes. Pois falar de tecnologia é falar sobre o que significa ser humano e, portanto, sobre aquela condição única da relação intrínseca entre liberdade e responsabilidade, ou seja, é falar de ética.
E é exatamente aqui onde a ação política é insubstituível e necessária. A grandeza da política mostra-se quando, em momentos difíceis, trabalha-se baseado em princípios e pensando no bem comum de longo prazo. Eis a importância de uma política sã, capaz de mirar e construir um futuro com esperança e confiança. Só uma política sã poderá conduzir o processo, envolvendo os mais diversos setores e os conhecimentos os mais variados. Cabe à política criar as condições para a boa utilização dos instrumentos criados pelos humanos, entre estes a inteligência artificial.
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